Acordo com a União foi homologado pelo STF. Limitações vão afetar acordos com servidores | Foto: Nelson Jr./SCO/STF
Acordo homologado na última
semana pelo Supremo Tribunal Federal (STF) permitirá ao Rio Grande do Norte
contratar até R$ 855 milhões em empréstimos, mas implica também o cumprimento
de uma série de restrições fiscais impostas pela União. As condições envolvem
limites para reajustes salariais, concursos, criação de cargos e expansão de
despesas, e já despertam atenção de categorias do funcionalismo público, que
apontam falta de valorização, impactos sobre carreiras e pouca efetividade das
medidas em resolver problemas estruturais.
O STF homologou o acordo na
última segunda-feira (24). Com ele, o RN pode contratar até R$ 855 milhões em
empréstimos, mas se compromete a adotar medidas de contenção de despesas, com
impacto direto sobre reajustes dos servidores estaduais, concursos, criação de
cargos e novas despesas obrigatórias. O Governo terá acesso a recursos do Plano
de Recuperação Fiscal (PEF) mesmo sem cumprir as metas do programa. O acordo
foi homologado pelo ministro Cristiano Zanin, relator da ação movida pelo
Estado (ACO 3733). Na ação, o Rio Grande do Norte pediu que a União fosse
obrigada a conceder garantia para operações de crédito e concordou com as
contragarantias previstas no artigo 167-A da Constituição Federal.
Todas as vedações do artigo
167-A deverão ser cumpridas até que o RN atinja três metas: despesa de pessoal
abaixo de 54% da Receita Corrente Líquida (RCL); caixa líquido positivo; e
despesas correntes abaixo de 90% das receitas. Entre as restrições impostas
estão: ausência de reajustes gerais; vedação à criação de cargos;
impossibilidade de novos concursos (exceto reposições); proibição de novas
despesas obrigatórias; e impossibilidade de ampliar benefícios tributários ou
programas que aumentem gastos.
Segundo relatório do Tesouro
Nacional, o RN tinha 55,73% da sua RCL comprometida com a folha do Executivo no
segundo quadrimestre de 2025 — acima do teto de 49%. Foi o maior
comprometimento do país e o único a ultrapassar o teto no período. O Governo
deverá enviar relatórios periódicos ao Tesouro Nacional comprovando o
cumprimento das medidas, e o STF acompanhará sua execução. Em troca, o Estado
poderá contratar operações de crédito com aval da União (até 6% da RCL, e
depois mais 3%, se houver avanços). A ação no STF será extinta quando todas as
metas forem cumpridas. Em nota divulgada na terça (26), o Governo do RN afirmou
que os R$ 855 milhões serão fundamentais para fortalecer a estabilidade
financeira do Estado e viabilizar novos investimentos.
Para o Sinpol, policiais já sofrem
com falta de reajuste | Foto: Arquivo TN
A reportagem da TRIBUNA DO
NORTE procurou o Governo do Estado para outros esclarecimentos aerca do impacto
das medidas, mas não houve resposta até o fechamento desta edição.
Segundo o economista Arthur
Néo, professor convidado da Ufersa, o Estado já tem sua situação fiscal
comprometida há muito tempo, acima do limite de alerta da LRF e gastando mais
do que arrecada. “Esse era um dos fatores que estavam inviabilizando o governo
estadual de conseguir crédito”, afirma.
Para ele, ao se comprometer a
não reajustar salários, o Estado vai equilibrar contas públicas com a entrada
desse capital. Arthur projeta que parte do recurso pode ser usada para obras de
infraestrutura, mas supõe que outra parte será destinada à recomposição das
contas públicas e da folha salarial. Ele também alerta que a medida afeta
incentivos aos servidores e pode comprometer a renda de cidades que dependem do
funcionalismo e de programas sociais. Alguns reflexos esperados incluem reações
sindicais, como greves e judicialização, além de riscos associados ao aumento
do endividamento. “Compromete-se a renda futura para o consumo do presente”,
diz.
O acordo
O acordo também representa um
precedente no âmbito do PEF. De acordo com a Advocacia-Geral da União, o acesso
ao crédito assegurará o financiamento de políticas públicas e a reestruturação
fiscal do estado. O PEF é uma iniciativa da União criada para incentivar entes
federativos a implementar ajustes e retomar investimentos. Esta foi a primeira
vez que União e um ente federativo discutiram em mesa de conciliação medidas
para corrigir trajetória fiscal e liberar investimentos. O acordo recebeu
parecer favorável da PGR.
Sindicatos alertam para
consequências do acordo
O Sindicato dos Trabalhadores
em Saúde (Sindsaúde-RN) afirma, em nota, que está atento aos desdobramentos do
acordo: “Esse tipo de ajuste costuma significar congelamento de contratos, de
reajustes e até de benefícios já conquistados pelos servidores”. A entidade
frisa que o acordo representa um pacote de ajuste fiscal: a liberação do
empréstimo vem acompanhada de medidas que podem impactar os servidores.
Segundo Rosália Fernandes,
diretora do Sindsaúde-RN, a categoria não concorda com políticas que coloquem o
peso do ajuste fiscal sobre os servidores. Fernandes critica a precarização das
condições de trabalho. “Já somos penalizados diariamente: falta material
básico, falta equipamento, falta alimentação para pacientes e equipes;
fornecedores não recebem, terceirizados ficam sem salário e seguimos
trabalhando na improvisação, em condições precárias; e mesmo assim garantindo
que o SUS funcione”.
Na avaliação de Nilton Arruda,
presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Rio Grande do Norte (Sinpol-RN),
o quadro de profissionais da área é um dos menores do Brasil – “34% do efetivo
necessário” –, e a medida prejudica a categoria. Para ele, as melhoras nos
números da segurança pública do RN são ameaçadas quando a categoria enfrenta
quadros de sobrecarga e falta de valorização profissional.
Arruda afirma que é preciso
atualizar a estrutura da carreira policial. “Estamos caminhando também para o
pior salário do Brasil.
Sobrecarga de trabalho e falta
de valorização trará, nos próximos meses, um aumento significativo nos índices
de violência. Sem uma política voltada para valorizar de verdade os
profissionais, a segurança do RN entrará mais uma vez em colapso”.
O quadro profissional dos
procuradores do Estado do RN, segundo a Aspern, é o menor do Brasil em relação
ao número de procuradores e habitantes do RN, com 70 cargos. “O aumento do
número de procuradores pressupõe a criação de novos cargos por lei e a avaliação
dos impactos econômicos”, pontua a Associação dos Procuradores do Estado do Rio
Grande do Norte.
“Medidas de ajuste fiscal são
importantes para fins de cumprimento das regras orçamentárias. A Aspern
avaliará a possível repercussão em pleitos importantes para a carreira”, diz em
nota.
Na visão da Procuradoria Geral
do Estado, as medidas são necessárias para garantir estabilidade e
sustentabilidade fiscal do Estado. “É necessário um esforço conjunto, de todos
os órgãos do Estado, para que o Rio Grande do Norte alcance o equilíbrio fiscal
e fortaleça sua capacidade de investimento em benefício da população”, diz
Carlos Frederico Braga Martins, procurador-chefe do Núcleo Especial junto aos
Tribunais Superiores.
Já o Sindsaúde-RN defende que,
“se o governo quer realmente reorganizar as finanças, existem outras medidas
estruturais possíveis, como a redução dos altos salários do topo do
funcionalismo, do Judiciário, da classe política e a revisão do duodécimo”.
Vedações impostas ao Governo
após acordo:
-Aumentos salariais: Proibido
conceder aumento, reajuste ou vantagens remuneratórias (exceto se derivado de
sentença judicial ou lei anterior)
-Criação de cargos e contratações: Proibido criar cargos ou contratar pessoal
que aumente despesas
-Exceções: Reposição de chefia (sem custo extra), vacância de efetivos ou
vitalícios, temporários e militares (prestação de serviço temporário e alunos
de órgãos de formação)
-Concursos: Proibido realizar concursos públicos (exceto para as reposições de
vagas já citadas)
-Auxílios e bônus: Proibido criar ou aumentar auxílios, bônus ou verbas
indenizatórias (exceto por sentença judicial ou lei anterior)
-Despesas obrigatórias: Proibido criar novas despesas obrigatórias
-Reajuste acima da inflação: Proibido reajustar despesas obrigatórias acima da
inflação
-Subsídios e dívidas: Proibido criar ou expandir linhas de financiamento, ou
perdoar ou renegociar dívidas que aumentem gastos com subsídios
-Benefícios tributários: Proibido conceder ou ampliar incentivos fiscais
Fonte: resumo do artigo 167-A
da CF
Fernando Azevêdo/Repórter
Tribuna do Norte

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