Enquanto o Rio Grande do Norte
enfrenta desafios crescentes como o desmatamento e o descarte irregular de
lixo, uma comunidade com cerca de 500 habitantes, localizada às margens do Rio
Ceará-Mirim, trilha o caminho oposto: o da sustentabilidade. Na comunidade
conhecida como “Paraíso”, a transformação começou a partir do projeto “Se Essa
Rua Fosse Minha”, onde o professor Paulo Gerson leva educação desde 2005.
Desde então, o projeto tem promovido ações de reflorestamento, educação ambiental, manejo sustentável da fauna, mutirões de limpeza e mobilização comunitária. As mudanças são visíveis não apenas na paisagem, mas no comportamento e na consciência ambiental dos moradores. “Todos eles aprenderam a fazer o manejo, quer dizer, como manusear, como tirar. É uma coisa muito marcante, que nos orgulha muito, que todos aprenderam essas relações interpessoais”, disse o professor Paulo Gerson.
Antes da chegada do projeto, a
comunidade era marcada por práticas de caça, violência e desrespeito à
natureza. Segundo o professor, muitos moradores matavam animais silvestres por
medo. Localizada nas proximidades da Mata Atlântica, a região é habitat natural
de espécies como iguanas, tamanduás-mirins e cobras.
A ação, ao propor uma nova
relação com o meio ambiente, foi determinante para transformar essa realidade.
A moradora da comunidade Francisca Silva, conhecida como “Quinha”, disse que o
tratamento com os animais agora é consciente: “Não maltrato mais. Antigamente
eu matava, né? Não sabia, realmente a gente matava, porque a gente não sabia
como lidar”. Com a plantação de árvores, até o clima do ambiente ficou mais
agradável, conforme Francisca.
A mudança comportamental foi
acompanhada de ações práticas. Um dos primeiros passos foi organizar mutirões
de limpeza para melhorar as condições de higiene e qualidade de vida na
comunidade. Os resultados foram imediatos. No primeiro mutirão, foram recolhidos
mais de 210 quilos de lixo nas ruas. Na ação seguinte, esse número caiu
drasticamente, para 6 quilos.
Com apoio de moradores,
estudantes e voluntários, o projeto passou a incentivar o reflorestamento
local. Foram plantadas árvores nativas como ipês e paus-brasil, e realizada a
recuperação do manguezal da região com mais de 19 mil mudas de mangue vermelho.
A iniciativa envolveu diretamente bombeiros mirins, jovens da comunidade e
alunos do curso de Ciências Biológicas da Universidade Potiguar (UnP), onde
Paulo Gerson leciona há 36 anos.
As atividades não se limitavam
à educação ambiental. Crianças da comunidade participam de oficinas de pintura,
leitura e arte. “Em dias marcantes como Dia dos Pais, Dia das Mães, Dia das
Crianças, eles produziam seus presentes. Eu conseguia doações de, por exemplo,
uma toalhinha para cada um, então eles pintavam o nome da mãe, faziam um
coração”, compartilhou o professor, emocionado.
A iniciativa também tem papel
na vida dos jovens da comunidade, afastando-os da vulnerabilidade das ruas.
“Tira muitos jovens da rua, porque tem os projetos de Paulo, ele faz atividades
de vôlei, pintura, essas coisas, sabe? Mudou muita coisa por aqui”, disse
Alaise Lemos, moradora da região. Ela destaca ainda que, como parte das ações
do projeto, a comunidade passou a contar até com aulas de jiu-jitsu voltadas
para os jovens.
Docente mais antigo da UnP, o
professor Paulo Gerson está em fase de conclusão do doutorado em Biotecnologia
na Saúde. “É exemplo vivo de como o conhecimento pode ultrapassar os muros da
sala de aula, impactar as pessoas e transformar realidades. Nossos alunos
também têm a sorte de participar desse projeto e aprender, na prática, o
verdadeiro sentido de responsabilidade social e cidadania”, disse a reitora da
UnP, Bárbara Azevedo.
De Inferninho para Paraíso
A virada de chave na história
da comunidade começou por um gesto simbólico: a mudança de nome. Antes
conhecida como “Inferninho”, a região passou a se chamar Paraíso, após um
processo de escuta e planejamento coletivo conduzido por Paulo Gerson.
“Era uma comunidade conhecida
por ser cheia de problemas, de brigas, de som alto, de pessoal matar os animais
da floresta”, relembrou. “Assim que cheguei ao local, reuni a comunidade toda
para um momento, para ouvi-los, e a gente definir objetivos, o que eles queriam
de mudanças, e eu planejei todos”. Na reunião, estiveram presentes 19 pais de
crianças da comunidade para traçar metas e prioridades. A primeira meta era
mudar o nome.
Segundo o professor, a mudança
de nome teve efeito direto na autoestima e no senso de pertencimento dos
moradores: “Antes eles, quando iam no centro da cidade, o pessoal dizia, ‘ei,
tu mora no inferninho?’ Isso não soava bem, incomodava”, contou. Além disso, a
ação trouxe a sensação de pertencimento para a comunidade: “vem a mudança, vem
a sensação de pertencimento pelo local onde vivem, que hoje eles se sentem
pertencentes.”
Pouco tempo depois, uma área
vizinha que sequer tinha nome foi batizada pela própria comunidade de “Mata
Verde”, após perceberem a importância da cobertura florestal do local.
A comunidade Paraíso, situada
em uma região de recursos limitados, tem perfil praieiro e tradicional,
preservando hábitos simples e sustentáveis, como o consumo de peixes locais e o
respeito aos ciclos da natureza. De acordo com o professor, a longevidade dos
moradores é uma prova da harmonia construída com o ambiente: “A maior parte da
população morre de velhice”, afirmou.
Tribuna do Norte

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