quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Educação ambiental transforma realidade da comunidade Paraíso

Comunidade era marcada por práticas de caça, violência e desrespeito à natureza. Projeto mudou a forma de se relacionar com o meio ambiente | Foto: divulgação

Enquanto o Rio Grande do Norte enfrenta desafios crescentes como o desmatamento e o descarte irregular de lixo, uma comunidade com cerca de 500 habitantes, localizada às margens do Rio Ceará-Mirim, trilha o caminho oposto: o da sustentabilidade. Na comunidade conhecida como “Paraíso”, a transformação começou a partir do projeto “Se Essa Rua Fosse Minha”, onde o professor Paulo Gerson leva educação desde 2005.

Desde então, o projeto tem promovido ações de reflorestamento, educação ambiental, manejo sustentável da fauna, mutirões de limpeza e mobilização comunitária. As mudanças são visíveis não apenas na paisagem, mas no comportamento e na consciência ambiental dos moradores. “Todos eles aprenderam a fazer o manejo, quer dizer, como manusear, como tirar. É uma coisa muito marcante, que nos orgulha muito, que todos aprenderam essas relações interpessoais”, disse o professor Paulo Gerson.

Antes da chegada do projeto, a comunidade era marcada por práticas de caça, violência e desrespeito à natureza. Segundo o professor, muitos moradores matavam animais silvestres por medo. Localizada nas proximidades da Mata Atlântica, a região é habitat natural de espécies como iguanas, tamanduás-mirins e cobras.

A ação, ao propor uma nova relação com o meio ambiente, foi determinante para transformar essa realidade. A moradora da comunidade Francisca Silva, conhecida como “Quinha”, disse que o tratamento com os animais agora é consciente: “Não maltrato mais. Antigamente eu matava, né? Não sabia, realmente a gente matava, porque a gente não sabia como lidar”. Com a plantação de árvores, até o clima do ambiente ficou mais agradável, conforme Francisca.

A mudança comportamental foi acompanhada de ações práticas. Um dos primeiros passos foi organizar mutirões de limpeza para melhorar as condições de higiene e qualidade de vida na comunidade. Os resultados foram imediatos. No primeiro mutirão, foram recolhidos mais de 210 quilos de lixo nas ruas. Na ação seguinte, esse número caiu drasticamente, para 6 quilos.

Com apoio de moradores, estudantes e voluntários, o projeto passou a incentivar o reflorestamento local. Foram plantadas árvores nativas como ipês e paus-brasil, e realizada a recuperação do manguezal da região com mais de 19 mil mudas de mangue vermelho. A iniciativa envolveu diretamente bombeiros mirins, jovens da comunidade e alunos do curso de Ciências Biológicas da Universidade Potiguar (UnP), onde Paulo Gerson leciona há 36 anos.

As atividades não se limitavam à educação ambiental. Crianças da comunidade participam de oficinas de pintura, leitura e arte. “Em dias marcantes como Dia dos Pais, Dia das Mães, Dia das Crianças, eles produziam seus presentes. Eu conseguia doações de, por exemplo, uma toalhinha para cada um, então eles pintavam o nome da mãe, faziam um coração”, compartilhou o professor, emocionado.

A iniciativa também tem papel na vida dos jovens da comunidade, afastando-os da vulnerabilidade das ruas. “Tira muitos jovens da rua, porque tem os projetos de Paulo, ele faz atividades de vôlei, pintura, essas coisas, sabe? Mudou muita coisa por aqui”, disse Alaise Lemos, moradora da região. Ela destaca ainda que, como parte das ações do projeto, a comunidade passou a contar até com aulas de jiu-jitsu voltadas para os jovens.

Docente mais antigo da UnP, o professor Paulo Gerson está em fase de conclusão do doutorado em Biotecnologia na Saúde. “É exemplo vivo de como o conhecimento pode ultrapassar os muros da sala de aula, impactar as pessoas e transformar realidades. Nossos alunos também têm a sorte de participar desse projeto e aprender, na prática, o verdadeiro sentido de responsabilidade social e cidadania”, disse a reitora da UnP, Bárbara Azevedo.

De Inferninho para Paraíso

A virada de chave na história da comunidade começou por um gesto simbólico: a mudança de nome. Antes conhecida como “Inferninho”, a região passou a se chamar Paraíso, após um processo de escuta e planejamento coletivo conduzido por Paulo Gerson.

“Era uma comunidade conhecida por ser cheia de problemas, de brigas, de som alto, de pessoal matar os animais da floresta”, relembrou. “Assim que cheguei ao local, reuni a comunidade toda para um momento, para ouvi-los, e a gente definir objetivos, o que eles queriam de mudanças, e eu planejei todos”. Na reunião, estiveram presentes 19 pais de crianças da comunidade para traçar metas e prioridades. A primeira meta era mudar o nome.

Segundo o professor, a mudança de nome teve efeito direto na autoestima e no senso de pertencimento dos moradores: “Antes eles, quando iam no centro da cidade, o pessoal dizia, ‘ei, tu mora no inferninho?’ Isso não soava bem, incomodava”, contou. Além disso, a ação trouxe a sensação de pertencimento para a comunidade: “vem a mudança, vem a sensação de pertencimento pelo local onde vivem, que hoje eles se sentem pertencentes.”

Pouco tempo depois, uma área vizinha que sequer tinha nome foi batizada pela própria comunidade de “Mata Verde”, após perceberem a importância da cobertura florestal do local.

A comunidade Paraíso, situada em uma região de recursos limitados, tem perfil praieiro e tradicional, preservando hábitos simples e sustentáveis, como o consumo de peixes locais e o respeito aos ciclos da natureza. De acordo com o professor, a longevidade dos moradores é uma prova da harmonia construída com o ambiente: “A maior parte da população morre de velhice”, afirmou.

Tribuna do Norte

Nenhum comentário:

Postar um comentário