Composta por indivíduos
nascidos entre os anos 1997 e 2012, a geração Z cresceu em um mundo já com
tecnologias avançadas, internet e redes sociais. Segundo a ONU, eles
correspondem a 32% da população mundial e, no Brasil, são 47 milhões de pessoas
nessa faixa etária, conforme dados do IBGE. O que chama a atenção é que essa
geração tem apresentado estilo de vida e interesses opostos à geração anterior,
a millennial (nascidos entre 1981 e 1996).
Os Z valorizam propósito,
saúde física e mental, equilíbrio entre vida pessoal e profissional, são mais
tolerantes à diversidade, buscam a autenticidade, espiritualidade e
relacionamentos duradouros. Além disso, eles curtem menos baladas, menos álcool
e querem um trabalho alinhado aos seus valores e interesses, mesmo que ganhem
menos.
O psicólogo Alexandre Ribeiro
explica que essa geração de jovens entende que liberdade tem menos a ver com
excesso e mais com autonomia emocional. “Eles estão entendendo liberdade como
poder escolher o que os faz bem, mesmo que isso signifique dormir cedo e evitar
ambientes que desgastam”, conta, acrescentando que as vantagens desse cenário
são autocuidado, rotina estável, vínculos mais significativos. “Mas também há
desafios, como risco de isolamento, rigidez nos hábitos e pressão por uma vida
dita como ‘perfeita’, completa.
Um levantamento feito pela
empresa MindMiners apontou que 55% dos jovens da geração Z não consomem álcool
e 61% nunca experimentaram drogas. Esses dados são reflexo da adoção de um novo
estilo de vida, mais leve, consciente e saudável. Além disso, a mesma pesquisa
apontou que 67% apoia e respeita a diversidade sexual, demonstrando serem mais
tolerantes e empáticos.
Quando o assunto é qualidade
de vida, o estudo “Gen XYZ: um estudo através das gerações”, realizado pelo
Ticket Sports, apontou que 55,6% desses jovens veem a prática da atividade
física como parte desse estilo de vida. As redes sociais são a principal fonte
de informação esportiva para 74% dessa geração.
Outro estudo sobre o mesmo
tema, chamado “A Morte Lenta das Madrugadas Urbanas”, realizado pela
consultoria FutureFuture, apontou que esses jovens preferem se relacionar pela
internet. 40% deles destacam como principal vantagem a possibilidade de filtrar
pessoas por interesses e características. Outros 24% valorizam a praticidade e
20% afirmam que o ambiente online amplia o leque de possibilidades, permitindo
conhecer mais pessoas.
As mudanças chegam também ao
âmbito profissional, refletindo também no mercado de trabalho e nas dinâmicas
profissionais. De acordo com uma pesquisa global de 2024 da Deloitte, 86% dos
jovens da Geração Z consideram que ter um senso de propósito é essencial para a
satisfação no trabalho e 44% afirmam que rejeitariam propostas de empresas que
não se alinham com seus princípios éticos.
Há ainda outra característica
que chama a atenção nesses jovens: eles estão se aproximando da fé, mais
especificamente do cristianismo, e especialmente por meio das redes sociais.
Nesse cenário, cresce a
criação de conteúdos devocionais nas plataformas e influenciadores cristãos
ganham visibilidade com vídeos de títulos como “como ler a bíblia”, “como fazer
um devocional” e “arrume-se comigo para a igreja”. No TikTok, a hashtag #CristãoNoTikTok
já possui mais de 2 milhões de vídeos e #JovemCristão acumula mais de 920 mil
posts. No mesmo período, sacerdotes e padres tornam-se referências com lives de
oração, como o Frei Gilson, que acumula mais de 18 milhões de seguidores em
suas redes sociais.
Alexandre Ribeiro: risco de
isolamento e rigidez nos hábitos | Foto: Magnus Nascimento
Vida regrada e religião: novos
e velhos hábitos
Clara Lacerda, 22 anos,
estudante de direito, nunca fumou e ingere álcool raramente. “Costumo beber
socialmente, em doses moderadas, apenas em ocasiões específicas, como alguma
comemoração ou data festiva. Para ser sincera, essas não são práticas do meu ciclo
de amigos”, relata.
Como estudante universitária,
a rotina de Clara é controlada e com planejamento diário. “Costumo dormir entre
23h30 e meia noite. Em dias de semana, acordo por volta das 6h ou 7h”, conta
Clara, ela treina musculação entre 4 e 5 vezes por semana, adora ficar em casa
lendo ou nas redes sociais e vai à missa todos os domingos.
Ela nasceu em uma família
católica, na adolescência se distanciou e nos últimos anos, após estudar a fé e
a igreja, voltou à religião. Atualmente ela se considera uma fiel praticante.
“Tento a cada novo dia estar mais próxima de Deus, inserir na minha rotina
práticas que me aproximem e conectem com as coisas do Alto”, conta ela,
acrescentando que também frequenta terço de jovens e participa de adorações ao
Santíssimo Sacramento.
“Não costumo frequentar
baladas ou festas, não são ambientes em que me sinto à vontade ou sequer sinto
desejo de comparecer. Em ocasiões específicas, como uma festa de integração das
turmas da faculdade ou aniversário de algum amigo, até compareço, mas não fico
tanto tempo”.
Clara compartilha que é
criteriosa na escolha de um parceiro e leva vários fatores em consideração:
“Quando me interesso por algum rapaz, levo em consideração se professa a mesma
fé que eu, se valoriza as mesmas coisas que valorizo, se tem um bom relacionamento
com a família, se busca crescer e evoluir, trabalhar, estudar… essas coisas que
se alinham com aquilo que eu faço por mim e busco alcançar”.
Outro exemplo é Guilherme
Araújo, 23 anos, estudante de medicina, católico. Ele afirma que busca um
estilo de vida que tenha equilíbrio entre corpo, mente e espiritualidade.
“Como estudante de medicina,
acabo entendendo ainda mais a importância de cuidar do corpo. Mas acima disso,
como consagrado na Comunidade Shalom, enxergo meu corpo como dom e instrumento
de Deus”, compartilha, acrescentando que essa mentalidade foi construída com o
tempo, não nasceu pronta, “é fruto de conversão, maturidade e escolhas
diárias”.
Guilherme se considera bem
metódico e tem uma rotina bastante disciplinada, especialmente por causa da
faculdade.
“Eu costumo dormir às 23h30 e
acordar por volta de 5h30 ou 6h. Nos finais de semana eu até posso dormir um
pouco mais tarde, mas tento não fugir muito do padrão para não atrapalhar o
ritmo de estudo, oração e outros compromissos “, conta. Segundo ele, os
horários o ajudam a manter a estabilidade física, mental e espiritual.
O estudante também pratica
musculação cerca de 6 vezes por semana. Ele conta que é algo que realmente
entrou na sua rotina de forma estruturada e virou parte importante da
disciplina pessoal. Para ele, o exercício físico é uma busca por saúde física e
mental ao mesmo tempo. “Fisicamente, quero estar bem, ter energia, melhorar
desempenho e qualidade de vida. Já mentalmente, o treino me organiza, reduz
ansiedade, melhora meu foco e impacta até minha oração”, explica.
Ele não frequenta baladas ou
festas, não fuma e bebe com baixa frequência. “Para mim, faz sentido manter
equilíbrio. Não quero nada que me tire a clareza, a liberdade e a sobriedade
que minha vocação pede”, compartilha.
Sobre festas, ele diz que não
é muito seu ambiente: “Prefiro lugares que favoreçam boas conversas,
convivência saudável e que não tirem minha paz interior. Quando saio, gosto
mais de momentos simples com amigos, ambientes leves e autênticos”, conta.
Segundo ele, sua principal
forma de lazer é treinar, estar com a namorada, família e amigos. No tempo
livre, Guilherme gosta de assistir a séries e filmes.
Quando o assunto é
relacionamento, o jovem conta que valoriza, antes de tudo, alguém que esteja
alinhado com seus princípios e valores e, para ele, isso é inegociável. “Levo
em conta maturidade emocional, propósito, coerência de vida, responsabilidade,
diálogo e a capacidade de amar de forma concreta”, finaliza.
Análise psicológica
O psicólogo Alexandre Ribeiro
explica que esses fenômenos são mais do que apenas uma nova forma de viver a
vida, sendo, na verdade, uma resposta ao ambiente em que esses indivíduos
cresceram e estão inseridos. “A Geração Z cresceu em um ambiente de muito
estímulo, muita pressão e pouca sensação de controle. Então, práticas como
acordar cedo, treinar e manter a rotina passam a funcionar como formas de
organizar o mundo interno”, conta.
Alexandre completa lembrando
que o acesso contínuo, principalmente pela internet, a modelos de vida
orientados ao bem-estar, produtividade e saúde cria novas referências
identificatórias. O psicólogo explica o efeito da criação de novas referências:
“Acaba deslocando o valor simbólico, que antes estava na vida noturna, para
práticas que prometem autocontrole e estabilidade emocional”, explica,
complementando com o papel das atividades físicas na sensação de controle: “Já
o exercício físico e a rotina matinal oferecem sensação de domínio,
previsibilidade e uma identidade”, afirma.
De acordo com ele, muitos
jovens buscam práticas corporais, esportes e meditações como tentativas de
regular esse excesso: “O corpo vira um regulador emocional, um ponto de
ancoragem, um modo de recuperar a experiência do limite e da presença”. Ele
acrescenta que há um elemento adicional importante: essas práticas também
oferecem integração social.
Alexandre explica que essa
geração, ao tentar conciliar a autocobrança e a busca por propósitos alinhados
aos seus valores podem gerar desafios psicológicos. “A Geração Z pode cair numa
forma moderna de ideal do eu, um ideal hiperprodutivo, saudável, equilibrado,
ético, sustentável e bem-sucedido, tudo ao mesmo tempo. Isso produz sofrimento,
porque nenhum sujeito consegue sustentar tantos ideais ao mesmo tempo”,
assinala.
E quanto a aproximação com
religiões e espiritualidade, segundo o psicólogo, pode estar ligado à busca por
suporte emocional: “Em um mundo que oferece poucas certezas, eles procuram um
lugar onde possam ancorar a experiência emocional, seja numa religião formal,
seja em práticas espirituais contemporâneas”.
Raiane Miranda/Repórter

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