domingo, 7 de dezembro de 2025

Geração Z redefine estilo de vida e chama atenção por novos hábitos

Os Z valorizam propósito, saúde física e mental, equilíbrio entre vida pessoal e profissional e diversidade | Foto: Magnus Nascimento

Composta por indivíduos nascidos entre os anos 1997 e 2012, a geração Z cresceu em um mundo já com tecnologias avançadas, internet e redes sociais. Segundo a ONU, eles correspondem a 32% da população mundial e, no Brasil, são 47 milhões de pessoas nessa faixa etária, conforme dados do IBGE. O que chama a atenção é que essa geração tem apresentado estilo de vida e interesses opostos à geração anterior, a millennial (nascidos entre 1981 e 1996).

Os Z valorizam propósito, saúde física e mental, equilíbrio entre vida pessoal e profissional, são mais tolerantes à diversidade, buscam a autenticidade, espiritualidade e relacionamentos duradouros. Além disso, eles curtem menos baladas, menos álcool e querem um trabalho alinhado aos seus valores e interesses, mesmo que ganhem menos.

O psicólogo Alexandre Ribeiro explica que essa geração de jovens entende que liberdade tem menos a ver com excesso e mais com autonomia emocional. “Eles estão entendendo liberdade como poder escolher o que os faz bem, mesmo que isso signifique dormir cedo e evitar ambientes que desgastam”, conta, acrescentando que as vantagens desse cenário são autocuidado, rotina estável, vínculos mais significativos. “Mas também há desafios, como risco de isolamento, rigidez nos hábitos e pressão por uma vida dita como ‘perfeita’, completa.

Um levantamento feito pela empresa MindMiners apontou que 55% dos jovens da geração Z não consomem álcool e 61% nunca experimentaram drogas. Esses dados são reflexo da adoção de um novo estilo de vida, mais leve, consciente e saudável. Além disso, a mesma pesquisa apontou que 67% apoia e respeita a diversidade sexual, demonstrando serem mais tolerantes e empáticos.

Quando o assunto é qualidade de vida, o estudo “Gen XYZ: um estudo através das gerações”, realizado pelo Ticket Sports, apontou que 55,6% desses jovens veem a prática da atividade física como parte desse estilo de vida. As redes sociais são a principal fonte de informação esportiva para 74% dessa geração.

Outro estudo sobre o mesmo tema, chamado “A Morte Lenta das Madrugadas Urbanas”, realizado pela consultoria FutureFuture, apontou que esses jovens preferem se relacionar pela internet. 40% deles destacam como principal vantagem a possibilidade de filtrar pessoas por interesses e características. Outros 24% valorizam a praticidade e 20% afirmam que o ambiente online amplia o leque de possibilidades, permitindo conhecer mais pessoas.

As mudanças chegam também ao âmbito profissional, refletindo também no mercado de trabalho e nas dinâmicas profissionais. De acordo com uma pesquisa global de 2024 da Deloitte, 86% dos jovens da Geração Z consideram que ter um senso de propósito é essencial para a satisfação no trabalho e 44% afirmam que rejeitariam propostas de empresas que não se alinham com seus princípios éticos.

Há ainda outra característica que chama a atenção nesses jovens: eles estão se aproximando da fé, mais especificamente do cristianismo, e especialmente por meio das redes sociais.

Nesse cenário, cresce a criação de conteúdos devocionais nas plataformas e influenciadores cristãos ganham visibilidade com vídeos de títulos como “como ler a bíblia”, “como fazer um devocional” e “arrume-se comigo para a igreja”. No TikTok, a hashtag #CristãoNoTikTok já possui mais de 2 milhões de vídeos e #JovemCristão acumula mais de 920 mil posts. No mesmo período, sacerdotes e padres tornam-se referências com lives de oração, como o Frei Gilson, que acumula mais de 18 milhões de seguidores em suas redes sociais.

Homem sentado em frente a parede branca

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Alexandre Ribeiro: risco de isolamento e rigidez nos hábitos | Foto: Magnus Nascimento

Vida regrada e religião: novos e velhos hábitos

Clara Lacerda, 22 anos, estudante de direito, nunca fumou e ingere álcool raramente. “Costumo beber socialmente, em doses moderadas, apenas em ocasiões específicas, como alguma comemoração ou data festiva. Para ser sincera, essas não são práticas do meu ciclo de amigos”, relata.

Como estudante universitária, a rotina de Clara é controlada e com planejamento diário. “Costumo dormir entre 23h30 e meia noite. Em dias de semana, acordo por volta das 6h ou 7h”, conta Clara, ela treina musculação entre 4 e 5 vezes por semana, adora ficar em casa lendo ou nas redes sociais e vai à missa todos os domingos.

Ela nasceu em uma família católica, na adolescência se distanciou e nos últimos anos, após estudar a fé e a igreja, voltou à religião. Atualmente ela se considera uma fiel praticante. “Tento a cada novo dia estar mais próxima de Deus, inserir na minha rotina práticas que me aproximem e conectem com as coisas do Alto”, conta ela, acrescentando que também frequenta terço de jovens e participa de adorações ao Santíssimo Sacramento.

“Não costumo frequentar baladas ou festas, não são ambientes em que me sinto à vontade ou sequer sinto desejo de comparecer. Em ocasiões específicas, como uma festa de integração das turmas da faculdade ou aniversário de algum amigo, até compareço, mas não fico tanto tempo”.

Clara compartilha que é criteriosa na escolha de um parceiro e leva vários fatores em consideração: “Quando me interesso por algum rapaz, levo em consideração se professa a mesma fé que eu, se valoriza as mesmas coisas que valorizo, se tem um bom relacionamento com a família, se busca crescer e evoluir, trabalhar, estudar… essas coisas que se alinham com aquilo que eu faço por mim e busco alcançar”.

Outro exemplo é Guilherme Araújo, 23 anos, estudante de medicina, católico. Ele afirma que busca um estilo de vida que tenha equilíbrio entre corpo, mente e espiritualidade.

“Como estudante de medicina, acabo entendendo ainda mais a importância de cuidar do corpo. Mas acima disso, como consagrado na Comunidade Shalom, enxergo meu corpo como dom e instrumento de Deus”, compartilha, acrescentando que essa mentalidade foi construída com o tempo, não nasceu pronta, “é fruto de conversão, maturidade e escolhas diárias”.

Guilherme se considera bem metódico e tem uma rotina bastante disciplinada, especialmente por causa da faculdade.

“Eu costumo dormir às 23h30 e acordar por volta de 5h30 ou 6h. Nos finais de semana eu até posso dormir um pouco mais tarde, mas tento não fugir muito do padrão para não atrapalhar o ritmo de estudo, oração e outros compromissos “, conta. Segundo ele, os horários o ajudam a manter a estabilidade física, mental e espiritual.

O estudante também pratica musculação cerca de 6 vezes por semana. Ele conta que é algo que realmente entrou na sua rotina de forma estruturada e virou parte importante da disciplina pessoal. Para ele, o exercício físico é uma busca por saúde física e mental ao mesmo tempo. “Fisicamente, quero estar bem, ter energia, melhorar desempenho e qualidade de vida. Já mentalmente, o treino me organiza, reduz ansiedade, melhora meu foco e impacta até minha oração”, explica.

Ele não frequenta baladas ou festas, não fuma e bebe com baixa frequência. “Para mim, faz sentido manter equilíbrio. Não quero nada que me tire a clareza, a liberdade e a sobriedade que minha vocação pede”, compartilha.

Sobre festas, ele diz que não é muito seu ambiente: “Prefiro lugares que favoreçam boas conversas, convivência saudável e que não tirem minha paz interior. Quando saio, gosto mais de momentos simples com amigos, ambientes leves e autênticos”, conta.

Segundo ele, sua principal forma de lazer é treinar, estar com a namorada, família e amigos. No tempo livre, Guilherme gosta de assistir a séries e filmes.

Quando o assunto é relacionamento, o jovem conta que valoriza, antes de tudo, alguém que esteja alinhado com seus princípios e valores e, para ele, isso é inegociável. “Levo em conta maturidade emocional, propósito, coerência de vida, responsabilidade, diálogo e a capacidade de amar de forma concreta”, finaliza.

Análise psicológica

O psicólogo Alexandre Ribeiro explica que esses fenômenos são mais do que apenas uma nova forma de viver a vida, sendo, na verdade, uma resposta ao ambiente em que esses indivíduos cresceram e estão inseridos. “A Geração Z cresceu em um ambiente de muito estímulo, muita pressão e pouca sensação de controle. Então, práticas como acordar cedo, treinar e manter a rotina passam a funcionar como formas de organizar o mundo interno”, conta.

Alexandre completa lembrando que o acesso contínuo, principalmente pela internet, a modelos de vida orientados ao bem-estar, produtividade e saúde cria novas referências identificatórias. O psicólogo explica o efeito da criação de novas referências: “Acaba deslocando o valor simbólico, que antes estava na vida noturna, para práticas que prometem autocontrole e estabilidade emocional”, explica, complementando com o papel das atividades físicas na sensação de controle: “Já o exercício físico e a rotina matinal oferecem sensação de domínio, previsibilidade e uma identidade”, afirma.

De acordo com ele, muitos jovens buscam práticas corporais, esportes e meditações como tentativas de regular esse excesso: “O corpo vira um regulador emocional, um ponto de ancoragem, um modo de recuperar a experiência do limite e da presença”. Ele acrescenta que há um elemento adicional importante: essas práticas também oferecem integração social.

Alexandre explica que essa geração, ao tentar conciliar a autocobrança e a busca por propósitos alinhados aos seus valores podem gerar desafios psicológicos. “A Geração Z pode cair numa forma moderna de ideal do eu, um ideal hiperprodutivo, saudável, equilibrado, ético, sustentável e bem-sucedido, tudo ao mesmo tempo. Isso produz sofrimento, porque nenhum sujeito consegue sustentar tantos ideais ao mesmo tempo”, assinala.

E quanto a aproximação com religiões e espiritualidade, segundo o psicólogo, pode estar ligado à busca por suporte emocional: “Em um mundo que oferece poucas certezas, eles procuram um lugar onde possam ancorar a experiência emocional, seja numa religião formal, seja em práticas espirituais contemporâneas”.

Raiane Miranda/Repórter

Tribuna do Norte

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