Foto: Petrobrás Divulgação
Oito organizações de movimentos ambientalista, indígena, quilombola e de pescadores artesanais entraram na quarta-feira (22) com ação na Justiça Federal do Pará contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Petrobras e a União. O grupo pede a anulação do licenciamento ambiental do Bloco FZA-M-59, que autorizou a Petrobras a iniciar a perfuração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas.
A licença foi concedida pelo
Ibama no último dia 20. A Petrobras informou que iniciou as atividades de
perfuração imediatamente após a liberação. As entidades pedem liminar para
suspender as perfurações, porque entendem que há riscos de danos
ambientais irreversíveis.
A ação, protocolada na 9ª Vara
Federal de Belém, foi movida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
(Apib), Coordenação das das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
(Coiab), Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais
Quilombolas (Conaq), Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas
Extrativistas Costeiras e Marinhas (Confrem), Greenpeace Brasil, Instituto
Arayara, Observatório do Clima e WWF-Brasil.
O Ibama diz que a decisão
ocorreu depois de "rigoroso processo de licenciamento ambiental, que
contou com elaboração de Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), com a
realização de três audiências públicas, 65 reuniões técnicas setoriais em mais
de 20 municípios dos estados do Pará e do Amapá".
A Petrobras diz que a licença
foi "uma conquista da sociedade brasileira" e atendeu a todos os
requisitos estabelecidos pelo Ibama.
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Consulta aos povos
Na avaliação das entidades, o
licenciamento “atropelou povos indígenas e comunidades tradicionais”. Segundo
as organizações, não foram realizados os Estudos de Componente Indígena e
Quilombola, nem houve consulta livre, prévia e informada, como prevê a
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). As entidades
destacam que a região do empreendimento abriga terras indígenas e quilombolas,
colônias de pescadores, reservas extrativistas e unidades de conservação, além
de áreas de pesca artesanal e rotas de navegação.
“Este projeto é predatório,
ignora a voz dos povos indígenas, verdadeiros guardiões da floresta, e
escancara as contradições do governo ao investir em combustíveis fósseis,
principal causa da crise climática, há poucos dias da COP30. Exigimos a revisão
urgente desta autorização, pois a Amazônia e seus povos não podem pagar a conta
de uma destruição que não é nossa”, disse Kleber Karipuna,
coordenador-executivo da Apib.
“Nenhuma decisão que impacte a
vida e os territórios indígenas pode ser tomada sem ouvir quem há milênios
cuida da Amazônia. Autorizar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas sem
esse diálogo é mais um ato de violação e desrespeito aos povos indígenas, que
pagam a conta pelas ações do Estado e da iniciativa privada, que só estão
preocupados com o lucro acima da vida", disse Toya Manchineri,
coordenador-geral da Coiab.
“Nós estamos há três anos
ajuizando essas ações, pedindo para ser ouvidos pela Petrobras para saber sobre
a questão da liberação. E agora a gente vai buscar parceiros na defesa da
Amazônia, defesa dos territórios quilombolas, da nossa costa amapaense que nos
ajude para que não aconteça mais atrocidade e violência”, disse Núbia Cristina,
quilombola do Amapá e coordenadora-executiva da Conaq.
Impacto climático
Na ação, as organizações
apontam ainda a fragilidade dos estudos de modelagem apresentados pela
Petrobras, que deveriam indicar o comportamento do óleo em caso de vazamento.
Segundo o processo, o modelo utilizado ignora fatores críticos, como as
correntes subsuperficiais e a presença de sedimentos, além de subestimar o uso
de dispersantes.
Segundo as entidades, em caso
de acidente grave, até 20% do óleo derramado poderia atingir o Grande Sistema
Recifal Amazônico, um ecossistema único e de alta biodiversidade. As ONGs
afirmam ainda que a Petrobras usou dados de 2013, embora já existam informações
atualizadas de 2024. Mesmo reconhecendo as falhas, o Ibama concedeu a licença,
exigindo apenas que a nova modelagem fosse apresentada posteriormente.
As ONGs questionam o fato de o
licenciamento ignorar os impactos climáticos do projeto. Desde 2021, a Agência
Internacional de Energia alerta que nenhum novo projeto de combustíveis fósseis
deve ser iniciado se o mundo quiser limitar o aquecimento global a 1,5 °C.
Para as organizações, ao
liberar a exploração de petróleo na Amazônia às vésperas da COP30, o Brasil
“tripudia sobre o Acordo de Paris”, contradizendo o discurso de liderança
climática do país.
"A Petrobras se
autoproclama líder da transição energética justa, mas é responsável por 29% de
toda a expansão fóssil da América Latina. Não existe justiça quando povos e
territórios são sacrificados. O próprio Ibama e a Funai já reconheceram os impactos
sobre comunidades tradicionais. Ignorar isso é fechar os olhos para a ciência e
para a lei”, disse Nicole Oliveira, diretora-executiva do Instituto
Internacional Arayara.
“Em plena crise climática e às
vésperas da COP 30, o Brasil joga no fundo do oceano a tentativa de liderar
pelo exemplo e põe em risco o legado climático do país ao autorizar a
perfuração do bloco FZA-M-59 na bacia da Foz do Amazonas, lançando as bases para
a ocupação da região pela exploração petroleira. Ao invés de proteger os
ecossistemas e o sistema climático e prezar pelo cumprimento da Constituição
Federal, liberou-se a perfuração de forma inconsequente”, disse Suely Araújo,
coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima.
O Bloco FZA-M-59, onde a
Petrobras já perfura o poço Morpho, é apenas o primeiro de uma série. Outros
oito blocos estão em licenciamento, e 19 foram arrematados em leilão da ANP em
junho. A expansão da fronteira petrolífera na região, afirmam as ONGs,
aumentará as emissões de gases de efeito estufa, agravando a crise climática
global.
Outro lado
Procurado, o Ibama afirmou que
a emissão da licença ocorre após rigoroso processo de licenciamento
ambiental.
O instituto afirma que,
após o indeferimento da licença em maio de 2023, Ibama e Petrobras
iniciaram discussões que permitiram "significativo aprimoramento do
projeto, sobretudo no que se refere à estrutura de resposta a emergência".
Entre os aperfeiçoamentos, o
instituto destaca: a construção e operacionalização de mais um Centro de
Reabilitação e Despetrolização (CRD) de grande porte, no município de Oiapoque
(AP) e a inclusão de três embarcações offshore dedicadas ao atendimento de
fauna oleada.
O Ibama destaca ainda que,
durante a atividade de perfuração, será realizado novo exercício simulado de
resposta a emergência, com foco nas estratégias de atendimento à fauna.
Já a Petrobras informa
que atendeu a todos os requisitos estabelecidos pelo Ibama, cumprindo
integralmente o processo de licenciamento ambiental.
"Como última etapa de
avaliação, a companhia realizou, em agosto, um simulado in loco,
denominado Avaliação Pré-Operacional (APO), por meio do qual o Ibama
comprovou a capacidade da Petrobras e a eficácia do plano de
resposta à emergência", defendeu, em nota.
"A companhia segue
comprometida com o desenvolvimento da Margem Equatorial brasileira,
reconhecendo a importância de novas fronteiras para assegurar a segurança
energética do país e os recursos necessários para a transição energética
justa", completou.
Procurada,
a Advocacia-Geral da União (AGU) informou que
irá conferir tratamento prioritário à ação judicial, no intuito
de garantir a preservação de todos os aspectos ambientais, sociais e
econômicos que permeiam o caso.
"A AGU reafirma seu compromisso com a legalidade dos processos de licenciamento ambiental e com a defesa do interesse público, o qual será inteiramente observado em sua atuação no caso", destacou, em nota.
*Matéria ampliada às 14h31
para inclusão do posicionamento da AGU
Agência Brasil

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