Convivendo diariamente com os desafios da sala de aula, a professora Maritza Waleska Arruda, que leciona língua portuguesa na rede pública estadual do Rio Grande do Norte, observa com preocupação o uso crescente da inteligência artificial (IA) generativa pelos estudantes. “A situação é extremamente delicada. Muitos alunos já não realizam o trabalho de pensar ou construir um texto próprio. Pegam redações prontas do ChatGPT e entregam como se fossem suas. Isso interfere na produção criativa e no aprendizado real”, afirma.
A preocupação da docente
encontra respaldo em dados da 15ª edição da pesquisa TIC Educação, divulgada em
setembro pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da
Informação. O estudo aponta que sete em cada dez estudantes do ensino médio que
usam a internet recorrem a ferramentas de IA generativa, como ChatGPT e Gemini,
para pesquisas escolares. Apesar da ampla utilização, apenas 32% receberam
algum tipo de orientação sobre uso seguro e responsável da tecnologia. Segundo
a pesquisa, 41% dos estudantes já recorreram à IA para auxiliar na redação de
textos, 38% para resolver questões de matemática e 35% para tirar dúvidas
gerais. Entre os mais velhos, de 15 a 17 anos, o índice de uso é ainda maior.
Os dados da pesquisa coincidem
com os relatos de Maritza. Ela diz que é justamente no ensino médio que o
problema se intensifica, sobretudo na preparação para a redação do Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem), porta de entrada para o ensino superior. “Nós
explicamos todas as competências e discutimos o tema em sala, mas, muitas
vezes, eles recorrem à IA para ter a resposta pronta. Isso prejudica o
desenvolvimento crítico e o esforço intelectual necessário. É como se a
ferramenta estivesse substituindo o pensamento do aluno”, alerta a professora.
Ela observa que o problema
ocorre com mais frequência quando as atividades não são feitas em sala.
Contudo, quando acontece no momento da aula, é possível perceber queda na
produção criativa. “A gente consegue perceber quando o texto é da própria
autoria e quando é realizado, produzido, construído, retirado de uma
plataforma, como o ChatGPT. O vocabulário, por exemplo, é muito diferente do
que a gente já conhece do aluno, além de dificuldades na argumentação”,
explica.
Para o professor de pensamento
computacional do CEI Romualdo/Roberto Freire, Jadson Souza, usar a IA requer um
repertório intelectual, em que se conheça minimamente o que se busca dela para
obter uma resposta adequada. Segundo ele, a dependência tecnológica ou o
empobrecimento do senso crítico dependem da forma como a IA é usada. “O meio,
as formas de utilização vão determinar o fim. Pode causar dependência para quem
está usando apenas para fornecer respostas diretas, sem análises,
conseqüentemente empobrecendo o senso crítico”, aponta.
Os professores orientam que a
IA seja encarada como um consultor ou segunda opinião sobre o que já se domina,
podendo facilitar elaboração de planos de aula, atividades, pesquisas e demais
tarefas pedagógicas. “Para os estudantes, a recomendação é utilizar a IA como
um tutor de estudos, e não como um atalho para entregar tarefas prontas. O mais
importante no processo de aprendizagem é compreender o ‘como’ se chega até
ela”, comenta.
Desafios
A edição 2024 da Pesquisa TIC
Educação revelou pela primeira vez indicadores sobre o uso de IA pelos
estudantes brasileiros. Segundo a coordenadora do levantamento, Daniela Costa,
os estudantes adotam novas formas de acesso à informação, recorrendo não apenas
a plataformas de IA, mas também a canais de vídeo e assistentes virtuais, como
Alexa e Siri. “Isso muda a forma como eles acessam a informação e transformam
isso em conhecimento”, explica.
Alunos com múltiplos
dispositivos em casa utilizam IA com maior frequência (38%), enquanto aqueles
que acessam a internet apenas pelo celular chegam a 19%. “O acesso não é só ter
internet, mas a qualidade do acesso. Isso ainda é um grande desafio”, afirma
Daniela.
A pesquisa também evidencia
diferenças no acesso à educação digital crítica, que inclui compreensão de
direitos digitais, privacidade e uso consciente da tecnologia. Em relação às
escolas, Daniela aponta avanços nos últimos anos, como a diminuição da frequência
com que a internet apresenta falhas ou não suporta múltiplos acessos
simultâneos. No entanto, ainda há unidades escolares com acesso restrito, seja
por limitações de equipamentos, cabeamento ou cobertura regional. “Cada vez
mais, a escola tem um papel relevante para melhorar a qualidade da
conectividade e da educação digital crítica, especialmente para crianças e
adolescentes”, afirma.
Maritza Waleska Arruda diz que
muitos alunos preferem respostas prontas a pensar | Foto: Adriano Abreu
SEEC cria coordenação para
orientar uso de tecnologias
Desde 2024, a Secretaria
Estadual de Educação (SEEC/RN) criou a Coordenadoria de Inovação e Tecnologia
Educacional (COINTE), responsável por integrar novas tecnologias, incluindo a
IA, nas escolas da rede estadual. Também foram criados Núcleos de Apoio em
Tecnologia Educacional (NATs), que dão suporte direto às escolas e professores
em cada regional. A estratégia visa atingir todas as unidades, considerando a
dimensão do estado e a diversidade das localidades.
O coordenador do COINTE,
Josenildo Souza, que até então estava em sala de aula, afirma que, desde a
criação, foram oferecidas formações para cerca de 900 professores,
principalmente do ensino médio, para que atuem como multiplicadores nas
escolas. Entre as ferramentas trabalhadas estão Google for Education e a IA
Gemini, usada oficialmente nas atividades escolares.
Ele destaca que o foco não é
apenas o uso da IA, mas a intencionalidade pedagógica por trás de cada
atividade. “Se você usar com intenção, o aprendizado acontece. Tem que ter
intencionalidade”, ressalta. Ele reforça que a tecnologia não substitui o professor,
mas funciona como aliada, auxiliando alunos a estudar, revisar conteúdos e
desenvolver habilidades de autogestão.
Exemplo disso são práticas em
que os estudantes consultam a IA para resolver questões, mas depois discutem os
conceitos com o professor. “Eu peço que eles vejam o que é uma função com a IA,
mas na aula vamos conversar e compartilhar o conhecimento”, explica. A ideia é
transformar a IA em tutor que complementa a aprendizagem, sem substituir o
raciocínio crítico.
Além da formação docente, a
SEEC trabalha na elaboração de diretrizes curriculares que incluem pensamento
computacional, mundo digital e cultura digital, incorporando orientações para o
uso pedagógico de IA. “Estamos nos preparando para a consulta pública, para que
professores e sociedade contribuam com esse documento”, afirma Josenildo.
Rede privada investe em
letramento digital
Na rede privada, um exemplo de
medidas relacionadas ao uso da IA é o CEI Romualdo Galvão/Roberto Freire, que
investe na integração da tecnologia no currículo escolar, com foco na formação
de alunos críticos e produtores de tecnologia. “Desde 2018, a escola integra a
tecnologia para ser mais precisa, o letramento digital como parte do
currículo”, afirma a coordenadora pedagógica Christiane Duarte.
Desde os anos iniciais até o
ensino médio, a instituição desenvolveu um currículo próprio de pensamento
computacional, baseado em referências internacionais e recentes diretrizes
nacionais para que os alunos desenvolvam habilidades para criar, criticar, problematizar
e resolver situações com apoio da tecnologia, incluindo a IA. “Todo o nosso
trabalho é para que o aluno não seja apenas um consumidor, mas que ele seja
produtor e crítico”, explica.
A partir de 2026, o colégio
vai implementar um currículo específico de IA, que incluirá pilares como
cidadania, resolução de problemas globais e produção de aplicativos. “O
processo avaliativo será guiado por rubricas, permitindo acompanhar a evolução
individual de cada estudante.
No Colégio CEI Romualdo Galvão
e Roberto Freire, a coordenadora pedagógica Christiane Duarte afirma que a
escola reconhece o risco da IA comprometer o processo de aprendizagem e, por
isso, desenvolve um trabalho mais próximo entre professores e alunos, desde a
concepção até a produção textual. Além disso, é usada uma plataforma com
suporte de IA que mapeia o texto e indica se tem características de plágio.
“Além disso, é a aproximação, a personalização do ensino com atividades
desenvolvidas em sala de forma colaborativa, em que o professor foca no
processo de aprendizagem e acompanha todos os passos, permite que a gente possa
identificar essas situações”, explica.
Cláudio Oliveira/Repórter
Tribuna do Norte
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