Infecção Sexualmente Transmissível (IST) causada por uma bactéria, a sífilis atinge principalmente homens adultos, que representam mais de 59% dos casos. No entanto, com a possibilidade de contaminação do feto durante a gestação, a sífilis em gestantes e bebês torna o público feminino o alvo principal de atenção no controle da doença. A chamada sífilis congênita é o mote principal da campanha Outubro Verde, cujo combate requer ações constantes de conscientização, especialmente voltadas às gestantes e seus parceiros sexuais.
A sífilis congênita, transmitida da mãe infectada para o bebê, pode causar
complicações graves durante a gestação ou parto. Em muitos casos, o bebê nasce
sem sintomas, mas as manifestações clínicas podem aparecer nos primeiros meses
de vida. “Essa vertente da sífilis acontece na fase de desenvolvimento humano,
comprometendo os órgãos em sua forma mais precoce e desprotegida, com
repercussões gravíssimas”, diz Patrícia Freire, pediatra neonatal da
Maternidade Escola Januário Cicco.
Segundo a Secretaria de Saúde de Natal, entre janeiro e agosto de 2025 foram
registrados 1.536 casos de sífilis na capital potiguar, sendo 1.105 de sífilis
adquirida, 285 em gestantes, e 146 de sífilis congênita. Quanto mais precoce
for a evolução da doença, maior o risco de transmissão para o bebê. A maioria
dos casos acontece porque a mãe não foi testada para sífilis durante o
pré-natal ou recebeu tratamento inadequado para a doença antes ou durante a
gestação.
“É uma forte causa de abortamento, dado o grande impacto no desenvolvimento da
criança, podendo deixar sequelas irreversíveis. A sífilis congênita se divide
em precoce ou tardia, a depender da idade de surgimento dos sintomas, se antes
ou após os dois anos de idade”, diz.
A pediatra explica que os sintomas da sífilis congênita precoce podem variar
desde lesões cutâneas avermelhadas, indolores e que não coçam, comprometimento
do fígado, baço, anemia, baixo peso, alterações ósseas, abortamento e óbito
neonatal precoce. Já na fase tardia, após os dois anos, observa-se os sinais
das sequelas deixadas pela infecção: alterações dentárias, surdez, perda de
visão, deformidades ósseas e retardo no desenvolvimento neuropsicomotor.
A triagem no exame pré-natal é essencial para detectar a doença, mas sozinha
não é suficiente, segundo a médica. “A erradicação da doença envolve
diagnóstico precoce, tratamento adequado e acompanhamento do parceiro”, diz.
Patrícia explica que podem ocorrer exames “falso negativos”, quando a pessoa é
portadora da doença, mas o resultado do exame é normal. Isso acontece quando a
doença está numa fase muito inicial ou há anticorpos demais contra as
bactérias.
Quando uma gestante é diagnosticada com sífilis inadequadamente tratada, o bebê
– mesmo que assintomático – deve ser examinado minuciosamente, à procura de
algum sinal da doença. A pediatra explica que são realizados exames de sangue,
raio-x dos ossos e coleta de líquor (fluido corporal entre o cérebro e a
medula).
O tratamento é feito com o recém-nascido internado com penicilina cristalina.
“Essa criança deverá ser acompanhada por pediatra e infectologista pediátrico
não só para exames laboratoriais e controle, como também avaliação de possíveis
sequelas, por pelo menos até dois anos”, diz.
O acompanhamento é tão importante quanto o diagnóstico precoce. A pediatra
ressalta que o seguimento clínico e laboratorial deve ser rigoroso, já que a
doença pode se manifestar de forma tardia, o que compromete ainda mais o
desenvolvimento da criança. “O pediatra deve se manter atento às alterações do
neurodesenvolvimento, estado nutricional, à audição, visão, odontologia,
ortopedia, e coleta de exames laboratoriais periódicos”, lista.
Multifatorial
A sífilis é um problema de saúde pública multifatorial. Seu crescimento envolve
a redução no uso de preservativos, mudanças de comportamentos sexuais,
vulnerabilidade social, e a desigualdade no acesso à saúde. No que se refere à
sífilis congênita, acrescenta a médica, tem a ver com o pré-natal inadequado e
o não tratamento dos parceiros, que contribuem para o aumento no número de
casos de crianças infectadas.
A sífilis é uma doença antiga, que acompanha também as mudanças da sociedade. O
perfil das pessoas com sífilis era antes associado a grupos específicos, como
portadores de HIV e trabalhadores do sexo, por exemplo. “Hoje atinge um grupo
heterogêneo de pessoas, acometendo grupos de diversas faixas etárias, gêneros e
níveis socioeconômicos”, afirma Patrícia Freire.
A sífilis pode se apresentar em três fases, além de um período assintomático
(chamado de latente). A fase inicial ocorre em até três semanas após o contato:
se apresenta como uma ferida única, indolor e que desaparece espontaneamente,
sem tratamento. A segunda fase surge em semanas a meses, após a lesão inicial
não tratada, é caracterizada por manchas vermelhas indolores no corpo
(especialmente palma das mãos e planta dos pés), febre, mal-estar, lesões orais
e/ou genitais.
“Essas lesões também somem espontaneamente, o que pode fazer o indivíduo achar
que está curado, não procura tratamento e entra na fase de latência, onde
permanece sem sintomas, de modo que a doença só será detectada por exames”,
explica a médica. Anos depois, a doença entrará na terceira fase, a mais grave,
pois acomete os órgãos nobres, como coração e cérebro (neurossífilis).
A transmissão sexual é a mais comum, acontecendo pelo contato direto com as
lesões genitais ou orais. A transmissão para o feto ocorre quando a mãe possui
previamente a doença não tratada ou tratada inadequadamente, ou ainda quando
adquire durante a gestação. “As formas raras de contágio são através de objetos
contaminados em procedimentos invasivos e profissionais da saúde que têm
contato com exsudato de lesões ativas”, explica.
O terceiro sábado de outubro marca o Dia Nacional de Combate à Sífilis e à
Sífilis Congênita. Durante todo o mês, a campanha Outubro Verde é desenvolvida
nas unidades de saúde de Natal, promovendo ações educativas, realização de
testes, distribuição de materiais informativos e orientação sobre os cuidados
no pré-natal para evitar a transmissão da doença.
Tádzio França/Repórter
Tribuna do Norte
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