As praias do Rio Grande do Norte
enfrentam uma situação crítica, com taxas de erosão de 1,2 a 1,6 metro por ano,
muito acima da média mundial de 0,5 metro anual para praias arenosas como as do
estado. Segundo o coordenador do Laboratório de Geoprocessamento e professor de
geologia da UFRN, Venerando Amaro, as principais praias potiguares estão
altamente vulneráveis, e a tendência é que tanto a qualidade das praias quanto
a proteção da infraestrutura se deteriorem ainda mais nos próximos anos.
O geólogo Venerando Amaro realiza o monitoramento das praias no RN, e os dados
coletados são utilizados pelo Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio
Ambiente (Idema). De acordo com ele, os resultados mais recentes, coletados no
início de 2025, indicam que as praias mais importantes do estado estão
altamente vulneráveis ao processo erosivo. “Aqueles trechos que nós
reconhecemos como praias importantes têm enfrentado uma situação de alta
vulnerabilidade aos processos erosivos”, disse.
As praias mais preocupantes incluem São Miguel do Gostoso, Caiçara, Touros,
Galinhos, Macau e Areia Branca, onde as taxas de erosão chegam a 5 a 6 metros
por ano. A situação mais crítica é em São Miguel do Gostoso, que registrou a
maior taxa de erosão já registrada no estado. Segundo o professor Venerando
Amaro, um artigo detalhando esses dados será publicado em breve.
Há cerca de dez anos, acreditava-se que essa região estava relativamente
protegida, com pouca evidência de destruição causada pelo mar. No entanto, essa
realidade mudou: “A gente já vem recebendo de alguns desses condomínios
horizontais, que chegam muito próximo do mar, já tem infraestrutura destruída,
já tem residências destruídas”, afirmou o professor.
Em nota, a Prefeitura de São Miguel do Gostoso esclareceu que o município
possui características que minimizam os impactos das marés altas: a faixa de
areia nas praias urbanas pode chegar a 300 metros da água às edificações, o que
impede que grandes danos atinjam construções. A prefeitura afirma que não foram
registrados impactos recentes relacionados ao avanço do mar e que a gestão das
praias é feita desde 2018 por meio do TAGP (Termo de Adesão à Gestão das
Praias), em parceria com a SPU.
Segundo o professor Amaro, múltiplos fatores influenciam essa celeridade na
erosão costeira, sendo o aquecimento do oceano um deles: “A temperatura do mar
tem se mostrado cada vez mais elevada”, destaca.
A localização do RN também contribui para o aumento da erosão. O estado fica
localizado a cinco graus abaixo do Equador e recebe grande quantidade de
energias climáticas intensas que são lançadas para a região. “A nossa situação
geográfica não é muito favorável porque a gente tem uma energia oceânica que
vai chegar muito forte para cima do nosso continente”, revelou Venerando Amaro.
Secas severas já enfrentadas pelo Nordeste também contribuem para a erosão,
pois, para enfrentar essa situação, foram construídos grandes reservatórios no
interior para armazenar água. Como resultado, os rios do estado foram barrados.
Essa prática tem uma consequência direta sobre as praias: ao barrar os rios, os
sedimentos não chegam à costa, interrompendo o aporte natural de areia que
ajuda a proteger a orla. “Esse processo de falta de sedimentos na praia é muita
responsabilidade dessa situação. Retemos o sedimento no continente e ele não
chega às praias para alimentá-las naturalmente”, explica.
Outro fator importante é a expansão térmica, que aumenta a umidade na atmosfera
e altera a dinâmica entre oceano e atmosfera. Com isso, os ventos se tornam
mais intensos, provocando ondas mais fortes e contribuindo para a elevação do
nível médio do mar. “As ondas chegam muito fortes no continente, já pegando uma
área em que o continente já tem ali uma infraestrutura e a gente acaba vendo a
destruição desses territórios”, disse Amaro. Na costa do RN, os valores
referentes ao aumento anual do nível médio do mar são de 3,4 a 3,6 mm/ano.
Ocupacão desordenada acelera a
erosão
Além dos processos naturais, a
ocupação humana das áreas costeiras também contribui para o aumento do risco de
erosão. Segundo o professor, políticas de ocupação próximas à linha costeira,
avançando sobre praias e dunas, tornam o território mais vulnerável. “No RN,
tem muitas casas antigas que são casas de veraneio, não são nem mesmo casas
para moradia definitiva de uma família. Ela tem lá a casa quase dentro da
praia”.
Em Caiçara, parte da Escola Municipal Emmanuel Bezerra, construída próxima ao
mar, foi destruída pela erosão costeira. Segundo a Defesa Civil do município, o
fenômeno tem causado destruição na orla caiçarense, afetando ranchos e
residências próximas à praia.
Segundo o geólogo Mateus Ribeiro, pesquisador na rede latino-americana de
erosão costeira, as praias de Caiçara possuem perfil refletivo a intermediário,
com alta declividade, areia mais grossa e baixa capacidade de dissipar a
energia das ondas: “Essas ondas não apenas batem contra a costa: elas
transportam sedimentos. O movimento constante das águas promove aquilo que
oceanógrafos chamam de deriva litorânea, um processo natural em que areia e
sedimentos são carregados ao longo da praia”.
Há cerca de 25 anos, foram instalados 14 espigões — estruturas perpendiculares
à costa que se projetam mar adentro — ao longo das praias de Caiçara. “Ao
bloquear o transporte natural de sedimentos ao longo da costa, os espigões
causam acúmulo de areia a barlavento, mas provocam déficit sedimentar a
sotavento. Esse tipo de intervenção, quando mal planejado e mal dimensionado,
traz mais problemas à região”, disse.
Para o professor Venerando, em diversas regiões do estado as políticas de
ocupação não foram planejadas de forma adequada, e as pessoas se aproximaram
demais de áreas frágeis, próximas ao mar. “Hoje estamos em um dilema, porque as
soluções que pensamos nunca são definitivas; elas não vão durar para sempre.
Todas as soluções têm um prazo de validade”, declara.
Ele cita a praia de Ponta Negra como um desses casos. Próximo ao Morro do
Careca, foram colocadas estruturas para conter a erosão. Segundo o professor
Venerando Amaro: “A gente da área da engenharia costeira já identificou que
essas são as piores soluções do ponto de vista da praia. A praia não é apenas
uma área de recreação ou esporte, ela é também nossa defesa contra o avanço do
mar. Se as praias estão muito debilitadas e já vêm com esse processo de erosão,
a única solução aplicada foi enrocar e enrijecer, e esse enrijecimento só
acelera o problema”.
Conforme Venerando Amaro, existem duas abordagens para lidar com o avanço do
mar. A primeira é construir barreiras para proteger a infraestrutura existente:
“Todas essas soluções de engenharia só tentam defender a infraestrutura atrás
da obra, mas não impedem o processo erosivo e, no fundo, acabam acelerando a
perda da praia”, explica.
Como solução ideal, Amaro aponta a retirada gradual da cidade para áreas mais
internas, evitando que construções fiquem em zonas de risco. Ele ressalta, no
entanto, que essa é a opção ideal, mas nem sempre viável.
Ele também defende obras de contenção complementadas por engordas de praia, ou
deposição de sedimentos, como no caso do Aterro Hidraulico de Ponta Negra, que
ajudam a reforçar a faixa de areia e a proteger a costa de forma mais natural e
eficaz. “O problema é que a gente nunca vai ter mais areia o suficiente para
engordar todas as praias do estado. Então, as soluções vão ter que ser pensadas
do ponto de vista do tempo”, analisa.
Qualidade das praias tende a cair
O professor alerta que as taxas de erosão no litoral potiguar já estão muito
elevadas e a tendência é que se intensifiquem nos próximos anos. Ele explica
que, à medida que as cidades adotam obras de engenharia rígida, como muros de
contenção e enrocamentos, a erosão tende a aumentar ainda mais, pois essas
intervenções reduzem a faixa de praia disponível e impedem que sedimentos
naturais cheguem à costa. Com isso, a qualidade da areia, higiene da praia e
turismo deve cair.
A água da chuva que escorre pelas ruas se mistura com esgoto clandestino e
chega às praias, contribuindo não apenas para a erosão, mas também para a
contaminação da areia. Conforme o especialista, relatórios recentes já indicam
alta frequência de praias com problemas de poluição, oceano mais violento e
descuido com o escoamento urbano.
Para o professor, as praias do RN devem ter uma queda na qualidade. “Não
adianta apenas embelezar a orla com calçadões, quiosques ou passeios públicos.
O que atrai o turista de verdade é a qualidade da praia, e estamos perdendo
isso”, ressalta.
A curto prazo, as infraestruturas existentes não vão suportar a energia crescente do oceano, tornando as soluções futuras mais caras e complexas. “As soluções existem, mas elas vão depender de uma visão, uma mudança de perspectiva dos gestores, uma mudança de visão sobre o que é uma praia com qualidade”, defende.
Ananda Miranda/Repórter
Tribuna do Norte
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