Conforme explicou à Agência
Brasil o idealizador do projeto, Wellinton Souza, a região em que o Bixiga
fica é chamada oficialmente de Bela Vista. Mas, quando alguém utiliza o nome
Bixiga está subjacente o vínculo afetivo que mantém com o lugar. "Bixiga é
um nome de pertencimento", sintetiza ele.
O curador ressalta que a
iniciativa gera um debate importante: o de que nem sempre o termo periferia se
refere a uma localidade distante do centro da cidade, podendo remeter à falta
de garantia de direitos básicos. Souza lembra que a fundação do Bixiga coincide
com a história do Quilombo Saracura, algo que voltou à tona
recentemente, de forma mais intensa, com a necessidade de preservação diante
dos danos que as obras da Linha 6 - Laranja do metrô poderiam ocasionar.
Morador do Bixiga há 17 anos,
Souza observa que, permitindo que pessoas de fora de São Paulo compreendam que
o discurso prevalecente é de que a região é associada à imigração italiana,
perspectiva que o afroturismo busca transformar. "É mais bonito e mais
vendável contar a história branca", critica.
Favelização
Outro exemplo de apagamento
existente na capital, bastante conhecido, é o do processo de favelização da
comunidade de Paraisópolis, que vive na penúria ao lado do bairro Morumbi, de
classes média e alta.
Uma segunda comparação comum é
a da tentativa de destruição do passado das populações negra e indígena que
viveram escravizadas e deixaram sua marca no bairro da Liberdade. Também
localizado na zona central da cidade, o bairro é fortemente identificado como
um endereço da cultura japonesa.
"Lá a história negra
ficou apagada, abafada. No Bixiga, isso também acontece, mas não com as pessoas
que moram no bairro. Esse apagamento histórico não é feito por pessoas que
moram no Bixiga, mas por conta da sociedade. Pessoas que não conhecem o bairro,
que vêm de fora, até mesmo de outros bairros de São Paulo, conhecem por ser um
bairro italiano, um bairro branco, não por ser um bairro negro. É um universo
paralelo, um multiverso, quando você vem para um restaurante italiano, para
a Achiropita, e quando você vem para um ensaio da [escola de samba]
Vai-Vai, um samba do bairro", afirma.
"São coisas diferentes, o
público é diferente, a história que é contada é diferente, as narrativas são
outras, o pertencimento é outro", acrescenta.
Também em 2018, os integrantes
do projeto engrenaram a produção de um documentário com diversas figuras
importantes para narrar essas histórias sobre o Bixiga, trabalho que se estende
até os dias de hoje.
Uma pessoa que contribui com
seus relatos é uma mulher de 83 anos que recupera recordações da Pastoral
Afro da Paróquia da Nossa Senhora Achiropita, a primeira pastoral afro do
Brasil, segundo Souza.
"Essa produção
audiovisual não é para falar do bairro, é para falar das pessoas. Mas, como a
pessoa tem uma ligação muito afetiva com o bairro, acaba falando dele de uma
forma diferente", diz.
Outra fonte de importantes
reminiscências, também abordada no contexto de uma "oralidade que não está
presente no livro da história e não é ensinada", é um musicista que morou
em pensões e mencionou que a rua Santa Madalena foi, outrora, caracterizada por
um conjunto de cortiços, algo que talvez não se imagine ao se ver os prédios
que o substituíram. Desse modo, destaca Souza, é que o coletivo vai juntando
valiosos retalhos, recortes históricos de diversas épocas.
Para este domingo (4), o
coletivo organizou uma conversa com a escritora, artesã, professora e pedagoga
Maria Aline Soares. O tema foi a literatura e o território como lugar de
afirmação e memória negra. O
evento teve início às 15h, na Livraria Simples.
Agência Brasil

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