terça-feira, 16 de novembro de 2021

HIV: Segunda paciente com HIV pode ter se curado da infecção sem tratamento; entenda

Uma argentina de 30 anos pode ser a segunda pessoa no mundo que se infectou e conseguiu se curar do vírus HIV sem a necessidade de tratamento, aponta uma pesquisa publicada nesta terça-feira (16) no "Annals of Internal Medicine".

Segundo o estudo – de pesquisadoras em Buenos Aires e em Boston, nos Estados Unidos –, a mulher vem mantendo uma carga viral indetectável do HIV tipo 1 (HIV-1) há 8 anos, mesmo sem terapia antirretroviral nem transplante de medula óssea.

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Nesta reportagem, você vai entender:

A questão em torno do "tipo de cura" alcançado pela paciente – e por que ela nunca poderá ser totalmente comprovada

Os detalhes do caso (a paciente engravidou e deu à luz um bebê sem HIV)

O mecanismo dos 'controladores de elite' para deter o vírus

A diferença entre esse caso e outros dois que também foram curados do HIV – só que com um transplante de medula óssea

Por que o HIV é tão difícil de curar

1. 'Tipo de cura'

Para chegar à conclusão de que a paciente havia, possivelmente, se curado do HIV, as cientistas examinaram 1,5 bilhão de células da paciente. Elas não encontraram nem partículas do vírus que fossem capazes de se replicar nem provírus do HIV – o vírus com o material genético em DNA, que se integra ao DNA das nossas células.

Até agora, só um outro caso do tipo – em uma mulher de 67 anos – havia sido identificado pela ciência (veja detalhes mais abaixo). As duas pacientes se tornaram conhecidas por serem o que se chama de "controladoras de elite" do vírus – pessoas capazes de obter uma "cura funcional" do vírus mesmo sem receber medicamentos (entenda melhor no tópico 3).

"A cura funcional é aquela em que você controla o vírus e não tem mais nenhuma evidência de que ele possa fazer algum mal à saúde. É aquela daquelas pessoas que a gente chama de controladores de elite – não é uma coisa infrequente, acontece em 1% a 3% das pessoas", explica Ricardo Diaz, infectologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que, no ano passado, liderou um grupo de pesquisadores que conseguiram eliminar o HIV de um paciente com um novo coquetel de medicamentos.

"Essas pessoas têm carga viral indetectável – então, aparentemente, o vírus não está se multiplicando de uma forma que a gente consiga enxergar com os métodos de laboratório que tem. E elas não têm uma diminuição da imunidade – não cai o CD4 [tipo de célula de defesa]", completa Diaz.

Só que esses dois casos chamam atenção mesmo entre esses "controladores de elite". Isso porque essas pacientes foram capazes de controlar o vírus de maneira tão eficiente que não há mais nenhum sinal de que ele tenha capacidade de se multiplicar, explica Diaz.

Mas as próprias autoras do estudo alertam que, apesar de ser provável que a paciente tenha obtido o que chamam de "cura esterilizante" do HIV, não é possível provar isso com absoluta certeza.

"No contexto da pesquisa do HIV-1, isso significa que será impossível provar empiricamente que alguém alcançou a cura esterilizante", dizem. "Tudo o que pode ser feito razoavelmente é mostrar que alguém não está curado, isolando provírus intactos e/ou HIV-1 competente para replicação", explicam na pesquisa.

Elas esclarecem que, "embora isso possa parecer insatisfatório, reflete uma limitação intrínseca da pesquisa científica: os conceitos científicos nunca podem ser provados por meio da coleta de dados empíricos; eles só podem ser refutados".

Nesse ponto, Diaz faz uma crítica: para ele, como as cientistas encontraram vestígios do HIV na paciente, não é possível dizer que o que ocorreu foi uma "cura esterilizante" (entenda melhor a diferença mais abaixo nesta reportagem).

As cientistas reconhecem que os "mecanismos que permitem um resultado tão notável da doença são difíceis" e que os resultados são extremamente raros, mas possíveis.

A autora sênior da pesquisa, Xu Yu, explicou em um comunicado à imprensa que as descobertas podem sugerir uma resposta específica de células do sistema de defesa que abre possibilidade de que outras pessoas com HIV também tenham alcançado a cura sozinhas. Se esses mecanismos imunológicos puderem ser entendidos, a ciência pode desenvolver tratamentos que ensinem o sistema imunológico de outras pessoas a imitar essas respostas em casos de infecção por HIV.

2. A paciente de Esperanza: detalhes do caso

O caso ocorreu na cidade de Esperanza, na Argentina, cerca de 500 km a noroeste de Buenos Aires. A mulher – que ficará conhecida como a "paciente de Esperanza", como o "paciente de Berlim" e o "paciente de Londres" – teve o primeiro resultado positivo para o HIV em março de 2013.

Nos 8 anos seguintes em que foi acompanhada, os resultados de 10 testes comerciais apontaram carga viral abaixo do limite de detecção, ou seja, indetectável. Também não houve sinais clínicos ou laboratoriais de qualquer doença associada ao HIV-1.

Em 2019, a mulher engravidou e fez um tratamento com a terapia antirretroviral para evitar que o bebê se infectasse, até o parto, em 2020. A criança nasceu e permanece, até hoje, sem o vírus.

Mas por que começar o tratamento se a paciente era uma controladora de elite?

Há pelo menos dois motivos, segundo Ricardo Diaz: o primeiro é que nem todos os controladores de elite permanecem assim para sempre. O outro é que a própria gestação pode fazer com que a mulher perca essa capacidade de controlar o vírus.

"Nem todo controlador de elite é controlador de elite pra sempre. Em 8 anos, um terço deles perde o controle", esclarece o pesquisador.

"A gente não sabe exatamente o que é que faz eles perderem o controle. Mas, seguramente, é alguma coisa que ao mesmo tempo estimula o vírus e modifica o teu sistema imune. Então você vai ficar menos responsiva. Sabe uma coisa que estimula o vírus e modifica o teu sistema imune? Gestação. Então, mesmo sendo controladora de elite, na gestação, a gente trata", explica.

Depois que deu à luz, a paciente parou de usar a terapia antirretroviral, mas continuou a controlar a doença naturalmente.

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