A advogada Viviane Barci,
esposa do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes,
concentra atualmente sua atuação na Corte em um processo de cifras milionárias
contra o Município de Natal. A banca da família Moraes representa a empresa
Henasa Empreendimentos Turísticos em uma disputa para garantir o recebimento de
precatórios que somam cerca de R$ 95 milhões.
O litígio tem origem em um acordo firmado com a prefeitura da capital potiguar, decorrente de uma indenização judicial total estimada em aproximadamente R$ 190 milhões. O pagamento das parcelas foi suspenso por uma decisão do Tribunal de Contas do Rio Grande do Norte, o que motivou o recurso à instância máxima do Judiciário.
O processo chegou ao Supremo
em 2023 e foi distribuído ao ministro Nunes Marques. Embora a empresa tenha
obtido uma decisão favorável, o caso ainda aguarda julgamento definitivo devido
à interposição de um recurso interno.
Viviane e o STF foram
procurados, mas não se manifestaram. A Henasa foi procurada por telefone e
e-mail para se manifestar, mas não retornou aos contatos da reportagem até o
momento. O espaço está aberto.
Levantamento do Estadão mostra
que o escritório de Viviane acumula 13 derrotas e 8 vitórias em processos que
tramitam na Corte desde 2013.
Desde 2013, Viviane atuou em
31 processos no Supremo. Entre 2013 e 2016, foram nove ações, das quais o
escritório obteve quatro vitórias, duas derrotas, além de três processos
encerrados sem julgamento de mérito, por razões como nulidade, perda de objeto,
retorno ao tribunal de origem ou reconhecimento de prejuízo em razão de
decisões de outras instâncias.
A atuação do escritório de
advocacia do qual Viviane Barci de Moraes e os dois filhos do ministro são
sócios passou a ser alvo de questionamentos após a revelação de um contrato de
R$ 129 milhões firmado com o Banco Master, instituição que acabou liquidada em
meio a suspeitas de fraudes financeiras.
O caso envolvendo o Banco
Master tramita no STF sob a relatoria do ministro Dias Toffoli. Em novembro,
Toffoli foi alvo de questionamentos após viajar a Lima, no Peru, em um jato
particular ao lado de um advogado ligado ao caso, durante a final da Taça Libertadores.
Após a viagem, o ministro decretou sigilo dos autos e barrou o acesso da CPI do
INSS a documentos obtidos com a quebra de sigilos bancário e fiscal.
Episódios como esses deram
novo fôlego à discussão sobre padrões éticos no Supremo, fortalecendo a
iniciativa defendida pelo presidente da Corte, Edson Fachin, que tem se
manifestado publicamente a favor da criação de um código de conduta para os
ministros do STF, com regras mais claras sobre conflitos de interesse e
transparência na atuação do tribunal.
Como mostrou o Estadão, Fachin
pretende instituir um código de ética para magistrados de tribunais superiores,
incluindo o Supremo, inspirado no conjunto de regras adotado pelo Tribunal
Constitucional Federal da Alemanha.
A proposta prevê, entre outros
pontos, limites mais claros à participação de ministros em eventos, ao
recebimento de cachês por palestras e a outras formas de autocontenção voltadas
à preservação da imagem institucional da Corte.
A posição de Fachin também foi
endossada por uma iniciativa que reúne assinaturas de empresários, acadêmicos,
ex-autoridades e integrantes da sociedade civil, que defendem a adoção de um
código de ética para os tribunais superiores.
Internamente, porém, o
movimento do presidente da Corte enfrenta resistência entre os demais ministros
do tribunal. Para tentar contornar esse cenário, Fachin tem adotado uma
estratégia de conversas individuais, buscando reduzir objeções e construir consenso
em torno da proposta.
Mesmo diante da resistência
interna, Fachin tem reiterado publicamente a defesa do código. Na última
sexta-feira, 19, no discurso de encerramento do ano Judiciário, o presidente do
STF afirmou que os magistrados têm o dever de exercer suas atribuições “com
rigor técnico, sobriedade e consciência histórica”.
“Não poderia, nessa direção,
deixar de fazer referência à proposta, ainda em gestação, de debatermos um
conjunto de diretrizes éticas para a magistratura”, afirmou.
Precatório tem origem no Hotel
Praia Azul
A disputa judicial se arrasta
há quase quatro décadas quando, em 1988, um embargo administrativo imposto pela
Prefeitura de Natal à construção do Hotel Praia Azul, da Henasa Empreendimentos
Turísticos, em Ponta Negra, deu origem a uma longa batalha judicial que
atravessou diferentes instâncias e se transformou em um dos mais controversos
casos de precatórios do Rio Grande do Norte. Naquele ano, a obra foi paralisada
por determinação do então Iplanat, após reclamação do francês Michel Claude
Guicard-Diot, que alegava danos estruturais em sua residência. Técnicos do
instituto teriam constatado irregularidades no projeto.
O embargo administrativo durou
apenas 48 horas após uma liminar judicial tornar sem efeito a decisão do
Município. Ainda assim, a paralisação motivou uma série de ações judiciais.
Michel Claude ingressou com processo contra a Henasa, enquanto a empresa abriu
duas frentes judiciais contra ele e contra a Prefeitura, alegando prejuízos
decorrentes do embargo considerado irregular. O hotel nunca chegou a ser
construído.
Contra o Município, a Henasa
pleiteou indenização pelos danos supostamente causados pela interrupção da
obra. Em 1995 houve a consolidação do título judicial, que fixou a indenização
em R$ 17 milhões. O caso ganhou novo impulso em 2009, quando o Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Norte atualizou o valor do precatório para cerca de R$
191 milhões. No mesmo ano, a Prefeitura de Natal firmou um acordo judicial com
a Henasa para quitação parcelada da dívida, estabelecendo o montante em
aproximadamente R$ 95 milhões, divididos em dez anos.
Mas, em abril de 2012, o
acordo passou a ser questionado após análise do Tribunal de Contas do Estado
(TCE-RN), que apontou indícios de superfaturamento e possíveis irregularidades
nos cálculos do precatório. À época, cerca de R$ 20 milhões chegaram a ser
pagos à empresa. O então procurador-geral do Município, Bruno Macedo, admitiu a
existência de erros de cálculo, mas contestou os valores apontados pelo TCE
negando qualquer conluio e afirmou que seguiu orientação do escritório paulista
contratado pela Prefeitura, comandado pelo jurista Cândido Rangel Dinamarco,
responsável pela condução técnica do processo.
Segundo argumentou, a
conferência dos cálculos não era atribuição da Procuradoria Municipal, sendo
que ele só tomou conhecimento do precatório ao assumir o cargo. Macedo relatou
ainda que o próprio Tribunal de Justiça teria convocado as partes para conciliação
e que, antes de firmar o acordo, esteve em São Paulo, em outubro de 2009, onde
recebeu orientação verbal para celebrar o entendimento. O parecer formal do
escritório, segundo ele, foi anexado posteriormente por cautela administrativa.
Com isso, Bruno Macedo pediu exoneração do cargo, alegando necessidade de se
defender fora da função pública. Em resposta, cerca de 20 procuradores do
Município divulgaram nota criticando o acordo firmado com a Henasa.
No mês seguinte, em maio de
2012, o TCE apontou que o valor correto da dívida, atualizado, seria de
aproximadamente R$ 72 milhões, bem abaixo dos R$ 191 milhões recalculados pelo
Judiciário e determinou a suspensão do pagamento do precatório. A Henasa reagiu
afirmando que a suspensão era ilegal e sustentou que apenas o Judiciário
poderia interferir no pagamento de precatórios. A empresa divulgou parecer
contábil segundo o qual a quebra do acordo elevaria o custo final para os
cofres públicos, já que, com a incidência de juros até 2019, o valor poderia
chegar a R$ 119 milhões. O TCE, por sua vez, contestou os números apresentados
e apontou divergências técnicas, inclusive quanto à incidência de juros em
períodos nos quais o pagamento esteve judicialmente suspenso.
Em março de 2014, o caso teve
um desdobramento decisivo na primeira instância. O juiz Airton Pinheiro, da 5ª
Vara da Fazenda Pública de Natal, determinou que a Henasa deveria restituir o
que já havia sido pago pelo Município e proibiu qualquer novo pagamento
relacionado à indenização. O magistrado reconheceu vício de citação e entendeu
que três dos cinco itens liquidados em favor da empresa nunca haviam sido
objeto da ação original de 1988, afirmando que o embargo administrativo de
apenas 48 horas não justificaria indenização milionária. A sentença dizia que,
caso houvesse reversão em instâncias superiores, a empresa retornaria à posição
original na fila de precatórios do Município.
Em 2015, o Superior Tribunal
de Justiça manteve a decisão do TCE, reconhecendo a competência do órgão de
controle para analisar a legalidade administrativa dos atos relacionados ao
cálculo e processamento da dívida. Agora, o caso segue no Supremo Tribunal
Federal, onde se discute o alcance do controle exercido pelos tribunais de
contas e a validade de acordos judiciais firmados em precatórios que possam
causar prejuízo ao erário.
Tribuna do Norte

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