Em meio a discussões sobre os
cuidados com o meio ambiente e o cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável (ODS) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), a
economia circular vem ganhando espaço e novos contornos na sociedade e no meio
empreendedor brasileiro. Nesta semana, em parceria com o Sebrae RN, o Movimento
Circular promoveu a oficina “Circular Experience”, voltada para empreendedores
interessados em incorporar a sustentabilidade aos seus modelos de negócio.
O evento promoveu uma imersão transformadora nos conceitos e práticas da economia circular — abordagem que busca reduzir desperdícios e otimizar o uso de recursos em todo o ciclo produtivo. “Nosso mote no ano passado foi: a economia circular é uma grande agenda de oportunidades. Ela não é castradora, é a grande mudança de paradigma. Ela veio para falar como fazer as coisas de um jeito mais inteligente e sistêmico”, disse Vinícius Saraceni, diretor-executivo do Movimento Circular. O especialista no tema conversou com a TRIBUNA DO NORTE sobre esse e outros assuntos. Confira o bate-papo.
O que é a economia circular e
qual o papel que ela desempenha nesse programa de transição no Brasil?
A economia circular é uma nova proposta de modelo econômico, de conjunto de
princípios para tudo o que nós extraímos, produzimos, consumimos e atualmente
descartamos. É um conceito que visa gerar o aproveitamento máximo dos recursos
que fazem parte da nossa vida como sociedade. Então é tudo que é compostável,
tudo que vem da natureza, da parte que tem vida e, para outra técnica, é quando
a gente extrai recursos essencialmente de minerais e transformamos isso em
produtos. Enfim, é como nós aproveitamos os recursos da melhor maneira
possível. E isso promove uma reflexão para políticas públicas que fomentem essa
transição. Até então nós vivemos extraindo, produzindo, consumindo e
descartando. Precisamos criar modelos que promovam uma mudança de estratégia,
que faça fechar esse ciclo. E para que isso aconteça, os produtos precisam ser
pensados para serem reciclados.
Quais os desafios da economia
circular?
A oficina de hoje fala essencialmente disso: o que esse modelo de pensamento
promove de reflexão para que a gente possa projetar melhor, para que possamos
consumir com mais consciência, que possamos legislar, fomentando esse tipo de
mecanismo ao invés de um outro que tem um pensamento linear. Então, é um
conjunto de princípios que, para funcionar, precisa ter um estímulo e uma união
de todos os atores. É uma agenda essencialmente colaborativa. Precisamos de
governo, indústria, consumidores, comércio e um conjunto de inovadores, de
empreendedores, de pequenos e médios negócios que estão nessa ponta aqui que
vão promover inovação, que vão criar novos produtos e serviços para pegar o que
ontem era resíduo e que hoje passa a se tornar recurso.
Temos um dos melhores índices
de reciclagem no Brasil, mas ainda assim isso parece ser pouco. Gostaria que
abordasse essa questão e também falasse um pouco sobre os R’s da economia
circular.
Nesses 7 R’s da economia circular, o ‘reciclar’ é apenas um deles. A gente
começa com o ‘Recusando’, ou seja, é quando eu levo a minha garrafinha no avião
e vou me servir uma água. Eu peço para encher a garrafinha e recuso um copo.
Deixei de consumir um recurso específico, estou reutilizando outro. É quando a
gente é convocado a repensar o nosso jeito de funcionar: será que eu preciso
mesmo trocar de celular todo ano? Será que não é melhor eu levar minha
sacolinha de casa ao invés de pegar no supermercado? Ou seja, a gente precisa
ser estimulado a repensar o nosso jeito de funcionar. Sair do automático.
O outro R é ‘reduzir’, ou seja, quando eu estou repensando, quando eu estou
recusando e quando eu já tenho consciência desse conjunto de princípios, eu
passo a reduzir o meu consumo. E quando eu estou reutilizando acima de tudo,
que é o outro R, eu estou gerando novas oportunidades de emprego e renda. No
final das contas, quando eu já reutilizei 10x, não tem mais o que fazer, aí
vamos para a ‘reciclagem’. É quando nada dá mais certo, quando não é possível.
Ao mesmo tempo que a gente tem um outro R aqui, que é o de ‘reparar’. Será que
a roupa não pode ser reparada? O carro você não joga fora quando quebra. Aliás,
o carro em si é um dos maiores cases de circularidade que existe. Um carro
passa de mão em mão, ele dura 30 anos, é feito para durar.
No final da história, o objetivo é alcançarmos o R mais importante, que é o
‘regeneração’, ou seja, fazer com que o planeta se torne melhor do que ele
está.
Qual R você considera mais
desafiador de se implementar no dia-a-dia num pequeno negócio, já que estamos
aqui no Sebrae?
Conectando aqui com o pequeno negócio, o que traz mais oportunidades é o
repensar modelo de negócio. Eu acho que o ‘Repensar’ é o R mais mais amplo que
a gente tem para apresentar para o pequeno negócio. Porque, por exemplo, a
gente está falando de um salão de beleza, uma loja de ferramenta. Uma loja de
ferramenta hoje vive do quê? De vender ferramenta. A economia circular está
propondo também um novo princípio de modelos de negócio. Um deles, que eu acho
que se conecta muito com os pequenos negócios, é o modelo chamado de produto
como serviço. Ou seja, como é que eu forneço um produto, mas na verdade como um
serviço? Em relação à loja de ferramentas, tem casos reais de uma startup que
está montando quadros de ferramenta e alugando para grandes condomínios e
empresas. Então, ele mantém o quadro sempre funcionando, eles pagam uma
mensalidade. Criou fidelização, criou receita recorrente, gera relacionamento,
tem a possibilidade de agregar novos produtos, enfim, cria-se uma relação
transacional de longo prazo com o cliente. A loja hoje tem que sair do ponto. É
como ele se conecta com a comunidade de uma forma mais relacional e menos
transacional.
Como a economia circular
poderia potencializar a cultura local e cadeias específicas do RN?
Hoje na oficina tivemos um exemplo real do que já está acontecendo, de um
exemplo simples, mas que eu acho que pode ser expandido. Tinha um participante
chamado Nazareno que está criando soluções pra o talo da Carnaúba. Porque a
cera é extraída apenas das folhas, sobra o talo da palmeira. É um volume
gigantesco. Com esse talo, estão fazendo caixas de abelha, que também é uma
produção muito grande localmente. Hoje eles recolhem tudo, estão processando
esse talo e o que não dá para usar, eles estão mandando para o Ceará, para
conversão de energia para cerâmicas. O que é um resíduo para mim, na verdade, é
um insumo para o outro. Se não tem ninguém utilizando um recurso que você está
jogando fora, é porque ainda não foi pensado. Mais longe ou menos longe, com
maior ou menor viabilidade econômica, mas tecnicamente hoje já está tendo
solução para praticamente tudo.
Como se tornar um negócio
circular?
Estamos recebendo esse desafio desde que o movimento começou. O Movimento
Circular é a maior iniciativa latino americana de fomento à economia circular.
Estamos ajudando desde governos, entidades setoriais, indústrias e agora com o
Sebrae inaugurando esse contato maior com os pequenos negócios. Sempre somos
demandados: como posso me tornar mais circular? Vamos lançar, dia 4 de
novembro, uma certificação em economia circular, que é exatamente para apoiar
todos os tipos de negócio para entenderem em que nível de maturidade eles estão
em relação à circularidade e, ao mesmo tempo, quando você preenche, você vai
vendo tudo que se pode fazer. É um guia para apoiar um empreendedor na jornada
da circularidade. Nessa certificação estaremos estimulando a pensar em modelos
de negócio, colaborações com o ecossistema local e cadeias de valor.
Fale um pouco da Circular
Experience. Qual o objetivo disso?
Um dos pontos centrais que a gente percebe de desafio na economia circular – e
não só nela, mas em qualquer grande mudança cultural necessária – está no
letramento, ou seja, quando a gente está trabalhando um novo conceito,
precisamos de letramento, e isso é geral: o governo, os empresários, a
sociedade, o consumidor, os professores e os estudantes.
O movimento circular surgiu há 5 anos, mas nasceu de uma trajetória longa da
ATINA Educação, que desenvolveu uma metodologia de contextualizar a
aprendizagem, de trazer os temas urgentes para a sociedade. E essa
contextualização traz para a gente, de forma mais significativa, como que a
gente pode se sentir pertencente e começar a inferir na nossa realidade de uma
forma mais significativa. O letramento em economia circular é chave. Então, é a
promoção de uma aprendizagem significativa da economia circular. São quatro
horas em que fazemos um mergulho em economia circular, para entendermos o que é
economia circular, como eu posso inferir sobre o tema e onde estão as grandes
oportunidades de emprego, renda e empreendedorismo.
Como convencer um empresário
de que a prática circular pode gerar redução de custos e uma vantagem
competitiva?
A sustentabilidade nasceu como um conjunto de princípios que pensa em como
podemos olhar para nossa atuação menos impactante. É um conjunto de ‘nãos’. Não
pode isso, não pode aquilo. Ela é castradora num conceito amplo. A economia
circular é um conjunto de princípios que não são novos, que foram articulados
de um jeito, que endereça aos desafios de sustentabilidade, mas dentro de uma
agenda essencialmente de inovação e econômica. Isso está na agenda da CNI, nas
Federações das indústrias. O Brasil recebeu, trazido pela CNI e pela Fiesp, o
Fórum Mundial de Economia Circular. Ele vai estar na Cop 30. E o plano de
transição ecológica do Brasil, que é liderado pelo Ministério da Fazenda, tem
um capítulo específico de economia circular. Veja que eu falei Ministério da
Fazenda, e não Ministério do Meio Ambiente. O Nova Indústria Brasil, novo
programa estruturante do Governo Federal, tem 18 vezes o termo ‘economia
circular’. Estamos falando do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio, o MDIC. É uma agenda de desenvolvimento, de inovação. Tem uma empresa
de indústria de ração pet que tinha uma série de rejeitos da produção e pagava
um alto valor para retirar do local. Hoje ele vende esse material depois desse
pensamento de circularidade e gera uma receita anual de R$ 500 mil com algo que
ele pagava para retirar. É o pensamento. Isso não é rejeito, é recurso para
alguém. O pensamento circular é esse: é modelo de negócios.
QUEM
Vinícius Saraceni, idealizador
e diretor-executivo do Movimento Circular, atua na formulação e implementação
de projetos educacionais voltados à sustentabilidade e à economia circular. Com
o apoio de diversos parceiros dos setores público e privado, já impactou
positivamente mais de 5 milhões de pessoas por meio de iniciativas educacionais
e de fomento à cultura em diferentes frentes de atuação.
Tribuna do Norte

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