sábado, 1 de novembro de 2025

‘Quando reutilizo, estou gerando novas oportunidades de emprego e renda’, diz Vinícius Saraceni

A economia circular repensa modelos de negócios, transforma rejeitos em receita e impulsiona pequenas e grandes empresas| Foto: Adriano Abreu

Em meio a discussões sobre os cuidados com o meio ambiente e o cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), a economia circular vem ganhando espaço e novos contornos na sociedade e no meio empreendedor brasileiro. Nesta semana, em parceria com o Sebrae RN, o Movimento Circular promoveu a oficina “Circular Experience”, voltada para empreendedores interessados em incorporar a sustentabilidade aos seus modelos de negócio.

O evento promoveu uma imersão transformadora nos conceitos e práticas da economia circular — abordagem que busca reduzir desperdícios e otimizar o uso de recursos em todo o ciclo produtivo. “Nosso mote no ano passado foi: a economia circular é uma grande agenda de oportunidades. Ela não é castradora, é a grande mudança de paradigma. Ela veio para falar como fazer as coisas de um jeito mais inteligente e sistêmico”, disse Vinícius Saraceni, diretor-executivo do Movimento Circular. O especialista no tema conversou com a TRIBUNA DO NORTE sobre esse e outros assuntos. Confira o bate-papo.

O que é a economia circular e qual o papel que ela desempenha nesse programa de transição no Brasil?
A economia circular é uma nova proposta de modelo econômico, de conjunto de princípios para tudo o que nós extraímos, produzimos, consumimos e atualmente descartamos. É um conceito que visa gerar o aproveitamento máximo dos recursos que fazem parte da nossa vida como sociedade. Então é tudo que é compostável, tudo que vem da natureza, da parte que tem vida e, para outra técnica, é quando a gente extrai recursos essencialmente de minerais e transformamos isso em produtos. Enfim, é como nós aproveitamos os recursos da melhor maneira possível. E isso promove uma reflexão para políticas públicas que fomentem essa transição. Até então nós vivemos extraindo, produzindo, consumindo e descartando. Precisamos criar modelos que promovam uma mudança de estratégia, que faça fechar esse ciclo. E para que isso aconteça, os produtos precisam ser pensados para serem reciclados.

Quais os desafios da economia circular?
A oficina de hoje fala essencialmente disso: o que esse modelo de pensamento promove de reflexão para que a gente possa projetar melhor, para que possamos consumir com mais consciência, que possamos legislar, fomentando esse tipo de mecanismo ao invés de um outro que tem um pensamento linear. Então, é um conjunto de princípios que, para funcionar, precisa ter um estímulo e uma união de todos os atores. É uma agenda essencialmente colaborativa. Precisamos de governo, indústria, consumidores, comércio e um conjunto de inovadores, de empreendedores, de pequenos e médios negócios que estão nessa ponta aqui que vão promover inovação, que vão criar novos produtos e serviços para pegar o que ontem era resíduo e que hoje passa a se tornar recurso.

Temos um dos melhores índices de reciclagem no Brasil, mas ainda assim isso parece ser pouco. Gostaria que abordasse essa questão e também falasse um pouco sobre os R’s da economia circular.
Nesses 7 R’s da economia circular, o ‘reciclar’ é apenas um deles. A gente começa com o ‘Recusando’, ou seja, é quando eu levo a minha garrafinha no avião e vou me servir uma água. Eu peço para encher a garrafinha e recuso um copo. Deixei de consumir um recurso específico, estou reutilizando outro. É quando a gente é convocado a repensar o nosso jeito de funcionar: será que eu preciso mesmo trocar de celular todo ano? Será que não é melhor eu levar minha sacolinha de casa ao invés de pegar no supermercado? Ou seja, a gente precisa ser estimulado a repensar o nosso jeito de funcionar. Sair do automático.

O outro R é ‘reduzir’, ou seja, quando eu estou repensando, quando eu estou recusando e quando eu já tenho consciência desse conjunto de princípios, eu passo a reduzir o meu consumo. E quando eu estou reutilizando acima de tudo, que é o outro R, eu estou gerando novas oportunidades de emprego e renda. No final das contas, quando eu já reutilizei 10x, não tem mais o que fazer, aí vamos para a ‘reciclagem’. É quando nada dá mais certo, quando não é possível. Ao mesmo tempo que a gente tem um outro R aqui, que é o de ‘reparar’. Será que a roupa não pode ser reparada? O carro você não joga fora quando quebra. Aliás, o carro em si é um dos maiores cases de circularidade que existe. Um carro passa de mão em mão, ele dura 30 anos, é feito para durar.

No final da história, o objetivo é alcançarmos o R mais importante, que é o ‘regeneração’, ou seja, fazer com que o planeta se torne melhor do que ele está.

Qual R você considera mais desafiador de se implementar no dia-a-dia num pequeno negócio, já que estamos aqui no Sebrae?
Conectando aqui com o pequeno negócio, o que traz mais oportunidades é o repensar modelo de negócio. Eu acho que o ‘Repensar’ é o R mais mais amplo que a gente tem para apresentar para o pequeno negócio. Porque, por exemplo, a gente está falando de um salão de beleza, uma loja de ferramenta. Uma loja de ferramenta hoje vive do quê? De vender ferramenta. A economia circular está propondo também um novo princípio de modelos de negócio. Um deles, que eu acho que se conecta muito com os pequenos negócios, é o modelo chamado de produto como serviço. Ou seja, como é que eu forneço um produto, mas na verdade como um serviço? Em relação à loja de ferramentas, tem casos reais de uma startup que está montando quadros de ferramenta e alugando para grandes condomínios e empresas. Então, ele mantém o quadro sempre funcionando, eles pagam uma mensalidade. Criou fidelização, criou receita recorrente, gera relacionamento, tem a possibilidade de agregar novos produtos, enfim, cria-se uma relação transacional de longo prazo com o cliente. A loja hoje tem que sair do ponto. É como ele se conecta com a comunidade de uma forma mais relacional e menos transacional.

Como a economia circular poderia potencializar a cultura local e cadeias específicas do RN?
Hoje na oficina tivemos um exemplo real do que já está acontecendo, de um exemplo simples, mas que eu acho que pode ser expandido. Tinha um participante chamado Nazareno que está criando soluções pra o talo da Carnaúba. Porque a cera é extraída apenas das folhas, sobra o talo da palmeira. É um volume gigantesco. Com esse talo, estão fazendo caixas de abelha, que também é uma produção muito grande localmente. Hoje eles recolhem tudo, estão processando esse talo e o que não dá para usar, eles estão mandando para o Ceará, para conversão de energia para cerâmicas. O que é um resíduo para mim, na verdade, é um insumo para o outro. Se não tem ninguém utilizando um recurso que você está jogando fora, é porque ainda não foi pensado. Mais longe ou menos longe, com maior ou menor viabilidade econômica, mas tecnicamente hoje já está tendo solução para praticamente tudo.

Como se tornar um negócio circular?
Estamos recebendo esse desafio desde que o movimento começou. O Movimento Circular é a maior iniciativa latino americana de fomento à economia circular. Estamos ajudando desde governos, entidades setoriais, indústrias e agora com o Sebrae inaugurando esse contato maior com os pequenos negócios. Sempre somos demandados: como posso me tornar mais circular? Vamos lançar, dia 4 de novembro, uma certificação em economia circular, que é exatamente para apoiar todos os tipos de negócio para entenderem em que nível de maturidade eles estão em relação à circularidade e, ao mesmo tempo, quando você preenche, você vai vendo tudo que se pode fazer. É um guia para apoiar um empreendedor na jornada da circularidade. Nessa certificação estaremos estimulando a pensar em modelos de negócio, colaborações com o ecossistema local e cadeias de valor.

Fale um pouco da Circular Experience. Qual o objetivo disso?
Um dos pontos centrais que a gente percebe de desafio na economia circular – e não só nela, mas em qualquer grande mudança cultural necessária – está no letramento, ou seja, quando a gente está trabalhando um novo conceito, precisamos de letramento, e isso é geral: o governo, os empresários, a sociedade, o consumidor, os professores e os estudantes.

O movimento circular surgiu há 5 anos, mas nasceu de uma trajetória longa da ATINA Educação, que desenvolveu uma metodologia de contextualizar a aprendizagem, de trazer os temas urgentes para a sociedade. E essa contextualização traz para a gente, de forma mais significativa, como que a gente pode se sentir pertencente e começar a inferir na nossa realidade de uma forma mais significativa. O letramento em economia circular é chave. Então, é a promoção de uma aprendizagem significativa da economia circular. São quatro horas em que fazemos um mergulho em economia circular, para entendermos o que é economia circular, como eu posso inferir sobre o tema e onde estão as grandes oportunidades de emprego, renda e empreendedorismo.

Como convencer um empresário de que a prática circular pode gerar redução de custos e uma vantagem competitiva?
A sustentabilidade nasceu como um conjunto de princípios que pensa em como podemos olhar para nossa atuação menos impactante. É um conjunto de ‘nãos’. Não pode isso, não pode aquilo. Ela é castradora num conceito amplo. A economia circular é um conjunto de princípios que não são novos, que foram articulados de um jeito, que endereça aos desafios de sustentabilidade, mas dentro de uma agenda essencialmente de inovação e econômica. Isso está na agenda da CNI, nas Federações das indústrias. O Brasil recebeu, trazido pela CNI e pela Fiesp, o Fórum Mundial de Economia Circular. Ele vai estar na Cop 30. E o plano de transição ecológica do Brasil, que é liderado pelo Ministério da Fazenda, tem um capítulo específico de economia circular. Veja que eu falei Ministério da Fazenda, e não Ministério do Meio Ambiente. O Nova Indústria Brasil, novo programa estruturante do Governo Federal, tem 18 vezes o termo ‘economia circular’. Estamos falando do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, o MDIC. É uma agenda de desenvolvimento, de inovação. Tem uma empresa de indústria de ração pet que tinha uma série de rejeitos da produção e pagava um alto valor para retirar do local. Hoje ele vende esse material depois desse pensamento de circularidade e gera uma receita anual de R$ 500 mil com algo que ele pagava para retirar. É o pensamento. Isso não é rejeito, é recurso para alguém. O pensamento circular é esse: é modelo de negócios.

QUEM

Vinícius Saraceni, idealizador e diretor-executivo do Movimento Circular, atua na formulação e implementação de projetos educacionais voltados à sustentabilidade e à economia circular. Com o apoio de diversos parceiros dos setores público e privado, já impactou positivamente mais de 5 milhões de pessoas por meio de iniciativas educacionais e de fomento à cultura em diferentes frentes de atuação.

Tribuna do Norte

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