A condição de Rayanne foi
identificada ainda na infância. “Eu comecei a perceber aos seis meses de idade,
eu já percebia que ela tinha crise”, lembra a mãe, Eliauda Guedes. Ao longo dos
anos, a jovem foi acompanhada por neuropediatras e submetida a diferentes
tratamentos medicamentosos, mas as convulsões não cederam. “Mesmo quando ela
estava na escola, ela caía, desmaiava, e já existia bullying dos colegas que
até evitavam ficar perto por causa das quedas repentinas”, conta a mãe.
As quedas súbitas, que obrigam
vigilância constante, são as que mais limitam a vida da paciente. “Se eu
estiver desapercebida, corro o risco de cair junto em qualquer lugar”,
desabafa.
Segundo o Dr. Thiago Rocha, a
epilepsia refratária é uma das formas mais desafiadoras da doença. “São cerca
de um milhão de pacientes no Brasil, mas apenas 300 mil podem fazer cirurgia de
remoção do foco epilético”, explica. Para os demais, cujas crises se originam
em várias áreas do cérebro, a saída é a neuromodulação. “No caso da Rayanne,
escolhemos a técnica DBS, um implante de chip cerebral acoplado a um gerador”,
acrescenta.
O dispositivo foi colocado
abaixo da clavícula da paciente, conectado por eletrodos até o cérebro. “Esse
marcapasso vai lançar estímulos que chegam a uma área chamada núcleo anterior
do tálamo”, detalha o neurocirurgião. Trabalhos internacionais, como o Estudo
Santé, apontam redução de até 60% na frequência das crises após o procedimento.
A cirurgia foi realizada em
Rayanne há pouco mais de 20 dias e o gerador foi ativado em consultório, na
última quarta-feira (1º), dando início aos estímulos elétricos contínuos.
Antes, a preparação incluiu exames de tomografia, ressonância e avaliação psiquiátrica.
Os efeitos começam a surgir a partir do terceiro mês e evoluem gradualmente.
“Cada mês, a terapia vai evoluindo, a expectativa é muito boa no médio e longo
prazo”, afirma Dr. Thiago.
A tecnologia é semelhante à
usada no tratamento do Parkinson, mas aplicada em outra região do cérebro. “No
caso de Rayanne, implantamos no núcleo anterior do tálamo, que é a área
estudada para epilepsia. Os resultados são duradouros e contínuos”, esclarece o
médico.
Ainda pouco difundido no país,
o DBS é realizado em poucos centros especializados. “Geralmente, os outros
fazem VNS, mas aqui em Natal já realizamos todas as cirurgias de epilepsia”,
ressalta o neurocirurgião. Para ele, o feito consolida o estado como referência
nacional. “É um tratamento que poucos centros no país fazem, e nós conseguimos
oferecer aqui”, destaca.
Rayanne Juliete (direita) realizou
a cirurgia há pouco mais de 20 dias. Esperança é obter resultados após o
terceiro mês | Foto: Adriano Abreu
Para a família, a proposta foi
recebida como uma chance de recomeço. “Eu fiquei feliz, fiquei maravilhada
porque até para o banheiro eu tenho que acompanhar ela”, diz a mãe. A esperança
está em dias com menos crises e mais independência. “É uma perspectiva grande,
uma esperança que surgiu através da tecnologia”, resume Eliauda.
O tratamento de Rayanne foi
autorizado na rede privada por meio do plano de saúde dez meses após a
solicitação. No Sistema Único de Saúde (SUS), o DBS é oferecido em centros de
referência com neurocirurgia funcional para pacientes com Parkinson ou distonia.
Mas nem todos os estados possuem estrutura na rede pública e profissionais
capacitados.
Para Eliauda, que passou décadas acompanhando a filha em cada passo, a cirurgia representa mais do que um procedimento médico. “Todos diziam que eu precisava conviver porque não teria solução. Agora temos essa chance de reduzir as crises em 50%”, afirma, confiante.
Tribuna do Norte
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