O número de pessoas com 60
anos ou mais no mercado de trabalho potiguar cresceu quase 20% no comparativo
entre o segundo trimestre de 2024 e o mesmo período de 2025, passando de 86 mil
para 103 mil trabalhadores. Os dados, que fazem parte da Pnad Contínua, do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), indicam uma presença
cada vez maior de idosos na força de trabalho. Especialistas apontam que o
fenômeno está ligado a aposentadorias insuficientes, ao envelhecimento ativo,
alterações nas regras previdenciárias e às mudanças nas dinâmicas familiares e
econômicas.
No segundo trimestre de 2025, o RN contabilizou 7,2% da população 60+ ocupada.
Segundo o analista da Pnad Contínua do IBGE, William Kratochwill, há dois
fatores principais que ajudam a entender esse movimento: “Existe um lado forte,
que é a necessidade de complementar os rendimentos e o outro lado é que a
pessoa que, às vezes, quer se sentir mais útil e quer uma ocupação”, aponta.
Aos 80 anos, Armando Crispim ainda veste a camisa da construção civil todos os
dias. Mestre de obras experiente, ele se mantém ativo como forma de preservar a
saúde mental. “Se a gente fica em casa sem fazer nada, a gente adoece, a gente
fica sem paciência. Continuo na luta ainda. Trabalho com prazer, mesmo com a
idade que eu tenho”, afirma o trabalhador, que em alguns dias chega a trabalhar
por até 10 horas.
Armando começou a trabalhar muito cedo. Aos 13 anos, ingressou em um consórcio
civil e aprendeu o ofício com seus pais, que também eram mestres de obra. “Eu
aprendi e até hoje trabalho. Por sinal, já vou entrar em outro projeto. Começo
a trabalhar na próxima semana em Extremoz”, revelou, com orgulho.
Mesmo aposentado, ele segue trabalhando — em parte por prazer, mas também por
necessidade financeira. “Eu trabalho hoje porque eu gosto de jogar na função e
para melhorar a minha aposentadoria, porque é pouca, né? Enquanto eu tiver com
saúde eu vou batalhar”, disse.
Edlucia Dantas, 66, trabalha 8h por
dia na redação da Agecom, da UFRN, e projeta se aposentar| Foto: ALEX RÉGIS
Edlucia Dantas, de 66 anos, é outro exemplo de quem escolheu continuar no
mercado de trabalho mesmo já tendo direito à aposentadoria. Auxiliar
administrativa da Agência de Comunicação da UFRN (Agecom), ela atua organizando
e auxiliando os bolsistas da redação. “O que me deixa feliz é ver os bolsistas
trabalhando. É muito gratificante. Gosto de estar em contato com o pessoal
jovem. Isso para mim é muito importante”, disse a servidora.
Ela trabalha na Agecom desde a sua fundação, em 1999. Ao todo, soma cerca de
quatro décadas de serviços prestados ao setor público. Todos os dias, ela passa
oito horas na redação e, apesar de gostar do trabalho, sente-se cansada diante
da rotina: “Para mim, trabalhar é prazeroso pela questão da cabeça, eu sair
todo dia. Antes eu não pensava na possibilidade de me aposentar, mas agora eu
estou seriamente já amadurecida, porque tem a questão da saúde, meus netos
estão chegando”, diz.
Diante da perspectiva de encerrar a jornada profissional, ela diz já ter uma
certeza: “Sei que quando me aposentar vou sentir falta dessa rotina, do
trabalho em si. Tenho amigas que se aposentaram e disseram: ‘Ah, foi tudo de
bom’. Eu espero que eu chegue a dizer essa frase”, afirmou, sorrindo.
A maioria da população idosa no estado continua fora da força de trabalho — ou
seja, não trabalha nem procura emprego. Esse grupo soma 491 mil pessoas, o que
equivale a 36,4% do total de pessoas fora da força de trabalho no RN.
O sociólogo Cesar Sanson aponta que a permanência no mercado de trabalho após
os 60 anos está quase sempre relacionada à necessidade financeira. “Eles estão
focando em função da necessidade de renda, da renda de aumentação informal. E
essa renda é muito baixa”, destaca.
Sanson alerta ainda que essa realidade é preocupante e pode ter impactos na
saúde e no bem-estar dessa população. “Isso pode, inclusive, afetar a saúde,
porque é uma pessoa fazendo jornadas de trabalho extensas, algum deslocamento
do local de trabalho para a residência e uso do transporte coletivo. Então, é
um desgaste também emocional para essa pessoa”, aponta.
Envelhecimento populacional
O envelhecimento populacional também tem impacto direto sobre a presença de
pessoas com mais de 60 anos no mercado de trabalho. Segundo o economista Thales
Penha, essa mudança demográfica transforma a composição da força de trabalho no
Brasil. “Hoje, a gente está caminhando para um mundo de mais idosos do que
jovens, então boa parte da população economicamente ativa hoje já tem uma
composição muito grande de pessoas mais idosas. Além disso, tem o aumento da
expectativa de vida”, explica o economista.
Ele chama atenção para o impacto das reformas da Previdência no adiamento das
aposentadorias, o que contribui para o aumento do número de idosos no mercado
de trabalho. Thales lembra que há pouco mais de uma década era possível se
aposentar mais cedo. “Se você voltar a 2012, antes da primeira grande reforma
da Previdência, a gente conseguia se aposentar antes dos 60, com 50 anos. Hoje,
depois dessa última reforma de 2016, isso já é muito mais difícil. Ou seja, a
quantidade de trabalhadores que não conseguem se aposentar com 60, 65 anos é
muito maior”, avalia. O endurecimento das regras, segundo o economista, força
uma permanência maior no mercado, especialmente entre aqueles que ainda não
conseguiram cumprir os critérios para receber o benefício.
Conforme o mais recente Boletim Estatístico da Previdência Social, divulgado em
agosto, no RN um aposentado recebe, em média, R$1.761,97 “O aumento da
população idosa significa que as regras de aposentadoria estão fazendo com que
elas trabalhem mais tempo”, disse o economista.
Além das mudanças nas regras previdenciárias, Thales Penha alerta para um
cenário ainda mais amplo: o fim do chamado bônus demográfico, que ocorre quando
a quantidade de pessoas em idade produtiva deixa de ser suficiente para
sustentar o crescimento econômico. “A gente está perdendo o que se chama de
bônus demográfico, que é a quantidade de trabalhadores que fazem com que a
economia cresça”, afirma o economista.
Segundo Penha, o ritmo dessa transição demográfica está acelerando e os efeitos
já são visíveis no curto prazo. “A gente tem uma crise à vista aí para alguns
anos. Nós falávamos em décadas alguns anos atrás, mas agora já é para alguns
anos. Essa pirâmide está se invertendo rápido demais. Nossa taxa de crescimento
vegetativo, que a gente viu no censo, está muito baixa. Então, isso significa
que a gente vai ter problema: daqui a algum tempo vai ter oferta de trabalho e
não vai ter mais trabalhadores ativos para trabalhar. E aí a gente vai ter que
aumentar as regras de aposentadoria”, prevê.
A analista técnica do Sebrae-RN, Elisete Lopes, revela que o interesse de
pessoas com mais de 60 anos por capacitação e empreendedorismo tem crescido
significativamente. De acordo com ela, esse movimento é impulsionado por
fatores como a busca por autonomia financeira, o aumento da longevidade e o
desejo de permanecer ativo e produtivo na sociedade. “Há uma tendência
crescente de empreender por propósito, para se manter ativo, útil e conectado,
aproveitando a experiência de vida acumulada”, disse ela.
Elisete Lopes acredita que o crescimento da população 60+ está transformando o
perfil do empreendedor. Esse público, segundo ela, tem experiência, tempo
disponível, poder de consumo e movimenta cerca de R$ 1,6 trilhão por ano no
país. “No RN, vemos cada vez mais idosos abrindo pequenos negócios, usando
redes sociais e ferramentas digitais para vender. Essa tendência deve ampliar o
mercado informal, com mais iniciativas voltadas à longevidade, bem-estar,
tecnologia acessível e inclusão digital”, conta.
Informalidade cai entre os
idosos
Dos 103 mil idosos ocupados no 2º trimestre de 2025, 48 mil estavam em situação
de informalidade, número que representa 8,6% do total da população ocupada em
condição informal. O dado aponta para uma queda na taxa de informalidade entre
os trabalhadores 60+, índice que variou de 48,8% no 2º trimestre do ano passado
para 46,7% no mesmo recorte temporal de 2025. Segundo William Kratochwill,
analista da Pnad Contínua do IBGE, essa queda percentual é reflexo de um
fenômeno que vem sendo observado em todo o país.
“Isso acontece porque o trabalho com carteira assinada vem aumentando. Em todo
o país, isso é um dado já constatado pelos números. O mercado se mostra
aquecido, então as pessoas estão animadas com isso. Elas vão buscar, mesmo que
seja como trabalhadoras por conta própria — que em geral são vendedores de rua,
trabalhadores com menor escolaridade”, explica Kratochwill.
O sociólogo Cesar Sanson aponta ainda que o aumento da participação de idosos
no mercado de trabalho está relacionado a uma mudança de comportamento entre os
mais jovens. Com menor interesse por empregos fixos e jornadas rígidas, muitos
preferem atuar de forma independente. “Os jovens de hoje recusam jornadas de
trabalho padronizadas. Então, você vai perceber muitos jovens trabalhando, por
exemplo, nas plataformas aplicativas, como entregadores, motoristas, no mercado
informal”, analisa.
Essa migração para o trabalho autônomo abre espaço no mercado tradicional. “Os
jovens, então, começam a trabalhar por conta própria, têm autonomia no sentido
de controlar o seu horário de trabalho e conseguem auferir uma renda igual ou
superior ao salário mínimo”, conclui o sociólogo.
Ananda Miranda/Repórter
Tribuna do Norte
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