Por causa desses diagnósticos,
Santos precisa tomar um medicamento chamado infliximabe, que é aplicado a cada
oito semanas por meio de uma infusão - e que é de alto custo. O medicamento ele
consegue de forma gratuita na cidade onde mora. Porém, o tratamento é mais
complicado.
Morador de Guarulhos, na
Grande São Paulo, Santos precisava ir até a cidade de Mogi das Cruzes, também
na região metropolitana de São Paulo, para que o medicamento pudesse ser
aplicado com segurança. Esse serviço era oferecido pelo laboratório que fabricava
o remédio e que tinha um acordo com o governo estadual.
“É feito uma infusão que tem
que ser [aplicada] com a equipe especializada”, contou. Quando o contrato entre
o laboratório e o governo foi rompido, ele teve que passar a fazer o
procedimento em uma clínica na zona leste da capital paulista, por meio de
seu convênio médico, já que o serviço não estava disponível pelo
Sistema Único de Saúde (SUS).
“Eu estou afastado do serviço,
então eu tenho essa possibilidade de estar me deslocando [entre Guarulhos e a
capital paulista]. Para mim, isso não é problema. A minha maior dificuldade é o
tratamento em si: pelo SUS eu não consigo [fazer o tratamento]”, disse.
Para a Sociedade Brasileira de
Reumatologia (SBR), a falta de centros de infusão no SUS e de protocolos
para a aplicação de medicamentos coloca em risco o tratamento de doenças
crônicas autoimunes e raras e a perda de medicamentos de alto custo.
Em entrevista à Agência
Brasil durante o Congresso Brasileiro de Reumatologia, realizado entre os
dias 17 e 20 de setembro em Salvador (BA), o reumatologista Vander Fernandes,
coordenador da Comissão de Centros de Terapia Assistida da entidade afirmou
que, embora muitos desses medicamentos sejam ofertados gratuitamente pelo
sistema público, existe hoje “um vazio entre o doente pegar o remédio e ir a
algum lugar que vá atendê-lo e fazer isso com segurança”.
Muitas dessas medicações
advindas de biotecnologia são de alto custo e, apesar
do fornecimento pelo SUS, não há protocolos que determinem a rede de
cuidados para a administração dos medicamentos, que exige atenção especial
na manipulação, manutenção, armazenamento e aplicação.
“Há mais de 25 anos que o SUS
incorporou esta tecnologia no seu hall de atenção farmacêutica, mas qual foi o
erro desde o início? Desde que essa tecnologia de tratamento foi incorporada no
SUS, entendeu-se que se tratava apenas de um remédio e colocou-se [esse
medicamento] no componente especializado da assistência farmacêutica que atende
os pacientes do SUS, fornecendo remédio diretamente aos pacientes. Cada um pega
o seu, leva para casa e o usa. Mas isso não está certo. Estes são medicamentos
que, às vezes, precisa de um soro, de uma equipe de pré-medicação para observar
se não vai dar reação adversa. Alguns desses medicamentos necessitam de infusão
longa, de duas a seis horas. E isso não foi contemplado em nenhum momento até
hoje na história do SUS”, reforçou.
Um dos prejuízos provocados
pela falta desses centros, esclareceu o reumatologista, é que alguns dos
remédios exigem assistência no momento da aplicação e de um local adequado
para diluição e até armazenamento, já que alguns deles necessitam
permanecer em temperaturas específicas. Sem essas condições, o medicamento
perde a eficácia.
“Há medicamentos que tem que
ser armazenados numa determinada temperatura, em uma cadeia de frio, e que fora
da temperatura, ele pode perder a sua qualidade, comprometendo então a sua
eficácia e segurança”, ressaltou.
Além disso, destacou o médico,
esses centros seriam fundamentais para se observar possíveis
intercorrências ou reações alérgicas do paciente.
“Nossa luta é para que o
Ministério da Saúde solte esse regramento [sobre os centros de terapia
assistida], crie um financiamento para isso e para que os estados e municípios
possam aderir a essa política, credenciar serviços e aí sim, pleitear junto ao Ministério
um recurso para pagar esses prestadores porque seria necessário ter isso em
todas as cidades [do país]”, disse Fernandes.
"Tem pessoas que estão
com remédio na mão e não tem onde fazer [a aplicação]. Isso não tem cabimento”,
reforçou.
Um levantamento feito
pela Sociedade Brasileira de Reumatologia revelou que no Brasil
existe apenas 61 centros de terapia assistida, sendo que a maioria
é privada e está concentrada na Região Sudeste,
principalmente em capitais e grandes cidades.
Apesar de fazerem atendimentos
tanto privados quanto públicos, por meio dos programas de apoio da indústria,
somente 11 deles têm algum contrato com o SUS. A estimativa é que cerca de 20
mil pacientes realizem tratamentos fornecidos pelo SUS com medicamentos
imunobiológicos de aplicação infusional endovenosa, o que necessitaria de
assistência especializada para o seu uso.
Em julho de 2023, a Biored
Brasil, uma rede de associações de pacientes, realizou uma pesquisa com 761
pacientes que recebem medicamentos de alto custo do SUS. Esse estudo indicou
que 10% desses pacientes estavam sem acesso a aplicação e 46% afirmavam que não
havia centro de terapia assistida próximo ao local de residência onde poderiam
fazer esta aplicação.
Mais da metade desses
pacientes (55% do total) declararam pagar entre R$ 150 e R$ 200 por
aplicação o que, segundo eles, causava um grande impacto à renda familiar.
Do total de pacientes
entrevistados pela rede, apenas 20% declararam realizar a aplicação
dos medicamentos em centros de terapia assistidas do SUS.
Procurado pela Agência
Brasil, o Ministério da Saúde informou que está analisando a criação de pontos
para se tornarem centros de terapia intensiva. Esse processo se encontra na
fase de estudos técnicos.
* A repórter viajou a convite
da Sociedade Brasileira de Reumatologia.
Agência Brasil
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