Instituições que representam
os principais setores produtivos do Rio Grande do Norte – indústria e comércio
– não participaram da elaboração dos projetos de lei para instituição da nova
Lei Orgânica da Administração Tributária e do novo Estatuto dos Auditores
Fiscais do Estado, mas se dispõem a colaborar na discussão das duas propostas,
que aguardam parecer na Comissão de Finanças e Fiscalização (CFF) da Assembleia
Legislativa. A Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte (Fiern) e a
Federação do Comércio do Rio Grande do Norte (Fecomércio-RN) pedem uma análise
aprofundada da matéria.
O presidente da Fiern, Roberto Serquiz, disse que o setor produtivo não foi consultado para a elaboração do projeto. No entanto, entende que tem contribuições determinantes a dar. “Podemos colaborar, sobretudo com relação a um processo decisório isonômico, no qual possamos ter um conselho de recursos paritário, com o mesmo peso decisório para auditores e contribuintes”, explica.
Segundo ele, esse é um dos pontos de atenção. “O outro, tão importante quanto, seria a modelagem da distribuição dos processos, que defendemos que seja por sorteio ou eletrônico, e não por indicação”, afirmou Roberto Serquiz. Para o dirigente da Fiern, o projeto precisa de maior discussão. “Estamos buscando o diálogo com a Assembleia Legislativa”, acrescenta.
A Fecomércio-RN também acompanha com atenção o PL nº 20/2025 e reconhece que modernizar a administração tributária é importante, mas tem ressalvas a fazer. “Nos preocupa a forma como o projeto chegou à Assembleia sem ouvir previamente os setores produtivos e em regime de urgência, o que praticamente inviabiliza um debate mais amplo e qualificado sobre um tema que afeta diretamente empresas e cidadãos”, diz o presidente Marcelo Queiroz.
Ele acrescenta que um ponto sensível é o artigo que permite a entrada de fiscais em estab elecimentos a qualquer hora do dia ou da noite. “Imagine uma padaria de bairro ou um supermercado recebendo uma fiscalização de madrugada. Esse tipo de dispositivo, sem limites claros, abre espaço para situações que podem acarretar abusos e inseguranças, que acabam prejudicando quem já cumpre suas obrigações”, pontua Marcelo Queiroz.
Além disso, o dirigente da Fecomércio avalia que preocupa “a rigidez na vinculação de receitas para determinadas áreas do Fisco, num momento em que o Estado enfrenta dificuldades financeiras graves”. “Isso pode engessar o orçamento público e comprometer serviços essenciais em áreas como saúde e segurança”, diz.
A Fecomércio-RN ainda chama atenção para as regras do Tribunal Administrativo Tributário. “Da forma como estão postas, não garantem equilíbrio de representação. De um total de sete cadeiras, são quatro votos ligados ao Estado e o presidente ainda tem poder de desempate. Desse modo, é notório o desequilíbrio entre a participação do contribuinte e do Estado, fragilizando a segurança jurídica”, esclareceu Marcelo Queiroz.
Por isso, o presidente da Fecomércio-RN defende que a Assembleia Legislativa
promova uma análise técnica aprofundada, sem atropelos, ouvindo a sociedade e
os representantes do setor produtivo. “A Fecomércio RN se coloca à disposição
para colaborar com sugestões que ajudem a construir uma lei equilibrada, que
fortaleça a fiscalização sem sufocar quem empreende, gera empregos e movimenta
a economia do Estado”, adiantou o presidente da entidade que representa o
comércio potiguar.
Urgência
Em sua mensagem governamental enviada em 25 de agosto à Assembleia, a governadora Fátima Bezerra (PT) justificou a necessidade de adequação da Lei Orgânica de Administração Tributária à Reforma Tributária, já aprovada no Congresso Nacional e que está para ser regulamentada esta semana no Senado Federal. A reforma, explica a mensagem, “trouxe mudanças estruturais que exigem adequações profundas na gestão fiscal dos Estados”.
Já o novo estatuto, segundo a chefe do Executivo, “fortalece a atuação dos profissionais do Fisco, assegurando condições para uma fiscalização mais eficaz e combate mais eficiente à evasão fiscal”.
A proposta do governo reduz de 590 para 390 os cargos públicos de provimento efetivo do Fisco estadual e assegura que 1,2% das receitas tributárias dos impostos estaduais, além de outras fontes, serão destinados às atividades da administração tributária do Estado.
Em documento ao qual a TRIBUNA DO NORTE teve acesso, na semana passada, tributaristas afirmam que, da maneira como a proposta chegou para discussão dos deputados, traz riscos de excessos de autonomia concedida ao Fisco estadual, sem contrapartidas de controle, transparência ou prestação de contas, o que pode levar ao fortalecimento de interesses corporativos em detrimento da sociedade.
O ponto mais questionado é a ampliação de poderes de fiscalização sem salvaguardas adequadas, como no caso do art. 15, inciso I, que autoriza o ingresso em estabelecimentos a qualquer hora do dia ou da noite, sem necessidade de autorização administrativa ou judicial prévia, configurando risco de abuso de poder e afronta a garantias constitucionais. O interessante, apontam as entidades, é incluir no PL uma readequação para o art. 15, I, garantindo limites proporcionais ao poder de fiscalização, resguardando direitos fundamentais e evitando práticas abusivas.
Outra mudança questionada é a valorização de carreira desvinculada de metas de eficiência e resultados, o que pode gerar impactos relevantes nas despesas de pessoal e comprometer o equilíbrio fiscal do Estado, medida que poderá provocar aumento indireto da carga tributária, seja pela intensificação de autuações, seja pela pressão fiscal decorrente da expansão de despesas de pessoal.
O Executivo pediu a aprovação da matéria em regime de urgência, ou seja, no
prazo de 45 dias, o que está sendo criticado por não permitir ampla discussão e
ajustes, como a inclusão de mecanismos de transparência e prestação de contas
do Fisco, com relatórios periódicos acessíveis à sociedade, bem como a criação
de canais de diálogo institucional com o setor produtivo, permitindo maior
cooperação e alinhamento de expectativas, a vinculação da valorização de
carreira a metas de desempenho, como celeridade processual, redução de litígios
e simplificação de obrigações acessórias e, ainda, a inclusão de cláusulas
expressas de responsabilidade fiscal, assegurando que as medidas não impliquem
aumento de gastos incompatíveis com as finanças públicas.
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