domingo, 21 de setembro de 2025

Insônia infantil cresce com falta de rotina e uso excessivo de eletrônicos

A insônia é a dificuldade para iniciar ou manter o sono, independente de gênero ou idade. Ela tem sido mais comum em crianças e adolescentes| Foto: Alex Régis

Durante a madrugada, milhares de crianças que deveriam estar dormindo rolam na cama. Irritadas, desafiam a paciência dos pais exaustos, que tentam embalar um sono que teima em não chegar. A insônia infantil, distúrbio ainda pouco discutido fora dos consultórios, preocupa especialistas e representa um obstáculo ao desenvolvimento saudável agravado pela falta de rotina nas famílias e uso de eletrônicos.

Conforme o médico do sono e psiquiatra Bruno Lacerda, a insônia é a dificuldade para iniciar, manter ou despertar precocemente do sono, independente de gênero ou idade. “A diferença clínica que a gente observa entre as faixas etárias é porque na criança, em geral, ela fica mais irritadiça. No adulto, no idoso, a gente observa mais sonolência, mais fadiga. Para a criança, o mais comum é observar a criança mais irritada a princípio”, explica.

A insônia comportamental da infância (ICI) é o distúrbio do sono mais comum em crianças. “Isso ocorre tanto pela falta de limites, que os pais não impõem, como principalmente pela presença dos dispositivos eletrônicos”, diz Bruno Lacerda. Na insônia há um componente genético: “Geralmente os pais ou familiares possuem uma tendência genética à insônia. Mas o que contribui para a cronificação são, principalmente, os maus comportamentos e o ambiente”, afirma.

Segundo o especialista, o número de casos de insônia infantil tem aumentado devido à ausência de limites. “Depois da revolução tecnológica, com a presença do celular, que trouxe várias ferramentas num único aparelho, os pais passaram a deixar as crianças mais tempo nesses dispositivos, pois viram uma forma de acalmá-las”, alerta.

A quantidade de sono necessária varia ao longo da vida: recém-nascidos precisam de muitas horas para o desenvolvimento adequado do corpo e do cérebro. O sono dos recém-nascidos é naturalmente polifásico, ou seja, distribuído em vários períodos ao longo do dia e da noite.

Um bebê pode dormir até 16 horas por dia. “Com o passar do tempo, isso vai diminuindo. Até os 6 anos, mais ou menos, a criança começa a ter um sono semelhante ao do adulto, com maior número de horas concentradas à noite”, explica o médico especialista em sono.

Na adolescência, a demanda por sono aumenta devido a mudanças hormonais. Em geral, os adolescentes precisam de cerca de 9 horas de sono por noite, um fator que se reflete diretamente no rendimento escolar e no desempenho cognitivo. Conforme o médico, fatores comportamentais dessa fase agravam a qualidade do sono: “O adolescente ele já quer ter a sua independência, aí é que ele se coloca mesmo à frente dos dispositivos eletrônicos. Muitas vezes dorme tarde, o que faz com que atrase a fase do sono dele”.

Os aparelhos eletrônicos atrapalham o sono por emitirem luz que engana o cérebro, indicando que ainda é dia e inibindo a produção de melatonina, hormônio que induz o sono. “A gente consegue ritmar o corpo com o claro e o escuro. Se você se expõe logo cedo ao sol, suprime a produção de melatonina e começa a despertar mais cedo”, explica.

Homem sentado em frente a mesa com computador

O conteúdo gerado por IA pode estar incorreto.

Bruno Lacerda: insônia infantil tem aspectos genéticos| Foto: Alex Régis

A exposição à luz artificial durante a noite pode atrasar a fase do sono e alterar o ritmo biológico. Para evitar esses efeitos negativos, Bruno Lacerda recomenda que aparelhos eletrônicos sejam evitados pelo menos uma hora antes de dormir. Além disso, ele sugere criar uma rotina relaxante para dormir, válida para todas as idades: “O ideal é o banho morno e a leitura. A leitura é uma ‘trapaça mental’ para não pensar em problemas e evitar a ansiedade para dormir”.

Para crianças, a recomendação é que os pais leiam livros de histórias. Criar um ambiente com luz quente, música calma e atividades tranquilas são estratégias simples e eficazes para melhorar a qualidade do sono.

Impactos na vida da família

Katie Almondes, psicóloga do Hospital Universitário Onófre Lopes (HUOL/UFRN), especialista em sono, chama atenção para sinais que indicam dificuldades mais profundas no sono infantil. “Quando os pais percebem que a criança resiste a ir para a cama, tem dificuldade para iniciar o sono sem a presença do cuidador, já ficamos atentos a possíveis alterações do sono”, destaca.

Além disso, a psicóloga ressalta que as alterações no sono infantil podem se manifestar durante o dia, por meio de mudanças comportamentais e no nível de energia. Crianças normalmente têm muita disposição, mas a sonolência fora dos horários habituais, especialmente recorrente pela manhã ou no meio da tarde, pode indicar sono insuficiente ou de má qualidade. Alterações como irritabilidade, cansaço, choro fácil, dificuldade de atenção e concentração são sinais importantes para os pais perceberem que o sono da criança está prejudicado.

Uma imagem contendo no interior, computer, computador, mesa

O conteúdo gerado por IA pode estar incorreto.

Insônia em crianças – Foto:Alex RégisUma imagem contendo no interior, pessoa, homem, cama

O conteúdo gerado por IA pode estar incorreto.

Foto:Alex RégisUma imagem contendo no interior, computer, pessoa, computador

O conteúdo gerado por IA pode estar incorreto.

Foto: Alex Régis

Hábitos parentais, como permitir que a criança durma no quarto dos pais, influenciam negativamente. “A criança se acostuma com esse ambiente e depois tem dificuldade para dormir no próprio quarto, sozinha ou sem a presença dos pais”, explica a psicóloga. Ela também destaca a ansiedade relacionada à resistência em ir para a cama sozinha, gerada por hábitos dos pais que reforçam a insegurança da criança. Além disso, ansiedade, estresse e depressão podem estar relacionados a alterações no sono, pois geralmente cursam com algum distúrbio do sono.

O tratamento da insônia infantil envolve uma abordagem não farmacológica que inclui a criança e os pais, pois muitas vezes comportamentos disfuncionais são reforçados pela família. “A insônia é chamada de insônia comportamental porque envolve comportamentos disfuncionais das crianças, reforçados pelos pais. A intervenção é feita por terapia cognitivo-comportamental, que ajuda a reorganizar o padrão de sono e vigília, tornando os comportamentos mais eficientes e trabalhando crenças dos pais na hora da intervenção para colocar a criança para dormir”, esclarece sobre o papel da psicologia.

Problemas respiratórios e a insônia infantil

O otorrinolaringologista Pedro Cavalcanti destaca que a insônia deve ser avaliada a partir de três pilares: saúde mental, qualidade do sono e o relógio biológico. “Quando chega a determinada hora do dia, dá aquele sono. Tudo isso é marcado no relógio biológico”, explica.

Doenças respiratórias são um dos principais fatores que comprometem a qualidade do sono das crianças. “A parte respiratória é um dos principais focos para avaliação, geralmente relacionada à respiração e pressão do ronco”, revela.

Problemas como rinite, sinusite, adenoides aumentados e amígdalas hipertrofiadas podem obstruir as vias aéreas, dificultando a respiração noturna e causando despertares frequentes. “A partir dos dois anos de idade, a criança começa a crescer adenoides e amígdalas, e os roncos podem surgir. Quando a criança entra na escola, esse momento é essencial para observar o que está acontecendo”, explica.

Pais devem observar sinais como roncos, respiração ruidosa e chiados, indicativos de dificuldades respiratórias que interferem na qualidade do sono. Condições como apneia do sono, caracterizadas por pausas respiratórias durante o sono, podem agravar o quadro, causando sono fragmentado e não reparador.

Sintomas como respiração barulhenta, inquietação excessiva à noite, sonambulismo ou terrores noturnos podem estar relacionados a essas dificuldades respiratórias. “Se está começando a roncar, tem que ver o que está acontecendo. Se é um adenoide aumentado ou alergia. Geralmente a partir dos dois anos de idade é o principal fator de alerta”, explicou Cavalcanti.

Outros distúrbios do sono também são comuns em crianças: “É muito comum a criança, por exemplo, entre quatro a seis anos, começar a ter às vezes, ou um terror noturno, ou um sonambulismo — nesses casos, é até natural que ocorra. Normalmente, um terço das crianças, em algum momento, vai apresentar um caso de sonambulismo”, disse.

A avaliação médica é fundamental para identificar problemas físicos que prejudicam o sono e, em alguns casos, pode ser necessário tratamento clínico para restaurar a qualidade do sono. “A gente tem que ter um cuidado de ver se a rotina da casa está ok, se os pais estão tendo os cuidados que são para ter. E muitas vezes, não é nem a criança que é o problema, mas a casa mesmo”, defendeu.

Tribuna do Norte

Nenhum comentário:

Postar um comentário