Projeto leva conexão para
lavouras e ensina agricultores a usar ferramentas digitais. O g1 foi até
Caconde (SP), para ver de perto essa transformação.
“Pertencimento”, “inclusão
social”, “revolucionário”: esses são alguns dos termos usados por moradores da
cidade de Caconde,
no interior de São Paulo, após terem acesso à internet — o que só aconteceu em
2021.
O g1 foi até o município para
ver como a chegada da tecnologia transformou a rotina de quem vive e trabalha
no campo.
➡️ Esta reportagem faz parte do
quarto episódio da série "PF:
Prato do Futuro", onde o g1 mostra
soluções para desafios da produção de alimentos no Brasil.
Para o agricultor, a internet
não é apenas para entretenimento ou trabalho, ela também é fundamental para a
segurança, a saúde e para o seu aprimoramento, aponta Aziz Galvão, professor na
Universidade Federal de Viçosa (UFV).
O uso de internet no campo é
importante, inclusive, para a sustentabilidade. Existem aplicativos que
orientam o produtor sobre a dose certa de agrotóxicos, evitando desperdícios e
reduzindo a poluição.
A falta de conectividade não
foi (nem é) exclusiva de Caconde. Em 2024, 15% dos domicílios rurais
brasileiros ainda não tinham acesso à internet, segundo o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE).
🛜Internet
no campo cresce, mas qualidade da conexão é baixa
Mesmo onde a internet chega, a
qualidade ainda é um problema. Apenas 52% dos domicílios rurais possuem
conexão 4G e 5G. Nas lavouras, a cobertura é ainda menor: só 34% têm esse tipo
de conexão, aponta o levantamento da Associação ConectarAGRO em parceria com a
Universidade Federal de Viçosa (UFV).
Para mudar este cenário, o
projeto Semear Digital, encabeçado pela Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa), busca levar conectividade a algumas cidades rurais do
Brasil. Desde 2020, 10 cidades já foram beneficiadas por ele.
Como levar internet para o
campo
Levar internet para
comunidades rurais amplia a comunicação delas com o mundo, afirma Luciana
Romani, coordenadora de parcerias do Semear Digital.
Um exemplo disso é o aumento
de vendas pela internet entre os produtores que passam a usar redes sociais.
Para eles, há ainda outras novidades que, para quem é da zona urbana, são
corriqueiras, como usar aplicativos de banco.
“O pessoal não consegue
mensurar o quanto isso faz falta. Até uma previsão do tempo: a gente não
conseguia ver em que dia eu poderia fazer uma adubação”, afirma Ademar Pereira,
que também é presidente do Sindicato Rural de Caconde.
Caconde, no interior de São
Paulo, foi a cidade piloto do Semear Digital.
O projeto é desenvolvido pela
Embrapa, em parceria o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações
(CPQD), a Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" da
Universidade de São Paulo (Esalq/USP), o
Instituto Agronômico (IAC), o Instituto de Economia Agrícola (IEA), o Instituto
Nacional de Telecomunicações (Inatel) e
a Universidade Federal de Lavras (UFLA).
Foto: Arte / g1
Para escolher qual município
vai ser beneficiado, a equipe analisa mais de 34 indicadores, como o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), o número de propriedades, o nível de
conectividade, entre outros.
Cada cidade possui uma razão
diferente para não ter internet, por exemplo, por ser área de floresta ou de
relevo difícil.
No caso de Caconde, a cidade é
rodeada de montanhas, com a altitude variando entre 800 e 1.300 metros.
Por isso, cada local exige uma
solução diferente. Em Caconde, a internet chegou via rádio, com antenas
repetidoras.
Mais da metade das quase 2.500
pequenas propriedades do município já tem internet.
Foto: Arte g1
No caso da ilha do Marajó, no
Pará, foi necessário levar a conectividade usando satélites, por causa da
floresta.
Foto: Arte / g1
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brasileira insere DNA bovino em microrganismos para produzir leite
Tem que ter tecnologia
Além de decidir qual será o
meio ideal para levar internet, a Embrapa busca saber as necessidades do agro,
para fazer sugestões de tecnologias que serão mais uteis para a cidade.
No caso de Caconde, a decisão
foi apoiar o cultivo de café e as criações de tilápia e de gado leiteiro.
Para disseminar o uso de
tecnologia, são escolhidas algumas propriedades para servirem de exemplo para
os vizinhos.
Nesses locais, a Embrapa
oferece treinamentos para mostrar como usar as inovações e quais são os
benefícios de aderir a elas.
“Sempre tem aqueles que são
incrédulos, acham que isso não funciona. Mas, se você mostra, demonstra com
números e ele começa a sentir isso no convívio, ele acaba vindo também”, afirma
a coordenadora do projeto.
Uma das tecnologias levadas
pela Embrapa a Caconde foi o drone de pulverização. Ele aplica defensivos
agrícolas (agrotóxicos ou biológicos) e fertilizantes.
Em Caconde, o drone foi
essencial por causa do relevo. A cidade tem montanhas com cerca de 45 graus de
inclinação. Isso tornava o trabalho manual difícil, considerando também que os
equipamentos são pesados. Além disso, o declive impede a entrada de
maquinários.
Somado ao drone, o Semear
Digital ajudou a instalar uma fábrica de defensivos
biológicos no Sindicato Rural de Caconde. Isso permitiu aos
produtores de café trocar os agrotóxicos por alternativas mais sustentáveis.
“A gente não tem mais a
jornada exaustiva do trabalhador, não tem mais essa exposição química do
trabalhador junto a esses produtos toxicológicos. Tem a questão da preservação
ambiental, de não contaminar as águas”, diz Pereira, presidente do sindicato.
Porém, essa tecnologia é
cara: cada kit com três baterias, uma estação de recarga e o drone custou
R$ 135 mil para o sindicato. Em Caconde, os produtores se revezam no uso
do equipamento.
Mas, segundo Pereira, valeu a
pena. Com o drone, ficou mais fácil controlar pragas no tempo certo, o que
melhorou a produção e a qualidade do café.
Os drones também podem ser
usados de outras formas na agricultura e na pecuária.
Na Embrapa Agricultura
Digital, em Campinas, pesquisadores desenvolvem um drone que usa câmera e
inteligência artificial para contar o rebanho.
O líder do estudo, Jayme
Barbedo, explica que pecuaristas com propriedades grandes têm dificuldades em
controlar o rebanho.
“Os animais são roubados, são
perdidos, morrem e eles nem ficam sabendo”, exemplifica o pesquisador.
Essa contagem conseguiu ser
melhorada com uma solução simples: a câmera do drone fica em um ângulo
inclinado, ou seja, diferente de quando está apenas virada para baixo. Assim, o
drone consegue ver uma área maior e contar mais animais de uma vez.
Foto: Arte g1
O estudo está na segunda e
última fase de desenvolvimento. A ideia é que o drone também identifique o
estado de saúde dos animais e suas medidas corporais. Isso ajudaria a definir o
melhor momento para o abate, diz Barbedo.
Técnica na palma da mão
O Semear Digital também
apresenta aplicativos de precisão desenvolvidos pela Embrapa para os
agricultores e criadores de animais. Eles são gratuitos e funcionam em
celulares Android.
Na criação de peixes, o
aplicativo se chama “Aquicultura Certa”. Já para a pecuária leiteira, é o “Roda
da Reprodução”.
Apesar de diferentes, os dois
funcionam de forma parecida: os criadores inserem informações básicas
sobre os animais e o sistema oferece orientações.
Por exemplo, o produtor
informa quanto os animais comem, peso e dados mais específicos, como o pH da
água, no caso dos peixes, e o período de lactação, para as vacas.
A partir dessas informações, o
sistema informa se os parâmetros são os ideais e, caso não sejam, diz como eles
devem proceder.
“A gente não tem um técnico
aqui na piscicultura diariamente. Então, o aplicativo nos auxilia demais. [Com
a internet], no meio da água, eu consigo ter informações”, afirma Tiago
Oliveira, criador de tilápias.
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alteram a genética do milho e deixam ele mais resistente a secas e altas
temperaturas
Conectividade e segurança
A internet também é
fundamental para a segurança no campo. Na piscicultura do Tiago, por exemplo,
aconteciam roubos constantemente. As perdas chegavam a R$ 20 mil por gaiola com
tilápias perdida.
Depois da chegada da internet,
ele instalou um monitoramento por câmeras, acompanhadas por uma central. Quando
algo suspeito é identificado, a polícia é acionada.
Desde 2022, quando ele comprou
o equipamento, os roubos não aconteceram mais.
A conectividade também é uma
arma no combate aos incêndios no campo. “É uma verdadeira catástrofe quando
você não tem a conectividade: você demora para saber onde tem o fogo, você não
sabe o que você vai fazer”, diz Galvão, da UFV.
Isso porque é por meio do
celular que os grupos de combate são mobilizados e coordenam a ação.
Mais tecnologia
A tecnologia tem se tornado
cada vez mais presente no campo: em 2024, o número de startups que oferecem
soluções tecnológicas inovadoras para o setor, conhecidas como agtechs, cresceu
mais de 75% na comparação com 2019, aponta a pesquisa Radar Agtech Brasil 2024,
elaborada pela Embrapa, Homo Ludens e SP Ventures.
O estudo divide essas empresas
em três grupos:
Antes da fazenda: oferecem
tecnologias para processos anteriores à produção, como compra de insumos e
máquinas. Essa categoria responde por 18,6% das startups mapeadas.
Dentro da fazenda: agtechs
que trabalham com soluções dentro da propriedade, como monitoramento do uso da
água e controle de insumos. O grupo é o maior entre o setor, representando
41,5% do total.
Depois da fazenda: categoria
mais voltada para processos como logística, distribuição e comercialização. É o
segundo tópico mais visado pelas startups, sendo 39,9% das agtechs.
A expansão acontece também com
o Semear Digital. O próximo passo do projeto é levar a estratégia para a
Argentina, o Chile, o Paraguai e o Uruguai, com a implementação de 1 Dat por
país a partir de 2026.
A iniciativa é financiada pelo
Programa Cooperativo para o Desenvolvimento da Tecnologia Agroalimentar e
Agroindustrial do Cone Sul (Procrisur), formado por institutos de pesquisa dos
4 países e do Brasil e o Instituto Interamericano de Cooperação para a
Agricultura (IICA).
No Brasil, o projeto está em
fase de discussão com órgãos brasileiros para chegar a mais estados,
principalmente no Nordeste.
O Semear Digital é financiado
pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) desde 2023.
A Fapesp forneceu R$ 26,7 milhões à Embrapa, para serem usados até 2027.
Antes disso, a aplicação do
projeto em Caconde foi feita com recursos do Ministério
da Agricultura.
Além dos projetos como o
Semear Digital, o Governo Federal tem o programa Rural + Conectado, com o
objetivo ampliar o acesso à internet em povoados e cidades de baixa densidade
demográfica.
A última novidade do programa
aconteceu em 2023, quando foi anunciada uma linha de crédito de R$ 1,2 bilhão
para ampliação do acesso, aumento da velocidade e qualidade dos serviços de
internet. O foco era em 2.315 pontos no Norte e no Nordeste do país.
O g1 procurou o Ministério da
Agricultura para saber os resultados do programa, mas não obteve resposta até a
publicação desta reportagem.
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Para levar internet a Caconde (SP), Semear Digital usou tecnologia de
rádio — Foto: Fábio Tito / g1
Caconde passou a ter acesso a internet após
participação no projeto Semear Digital — Foto: Fábio Tito / g1
Foto: Bárbara Miranda | Arte g1
Por Vivian Souza
G1
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