A queda no consumo do
feijão pode ser um fator importante para o aumento da incidência de
doenças crônicas como obesidade e diabetes entre os brasileiros nos
últimos anos. Isso é o que afirmam pesquisadores da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG) a partir da análise de dados da Vigilância de Fatores de
Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel).
🫘A relação entre o feijão
e a prevenção dessas doenças pode parecer incomum, mas o alimento é considerado
um marcador da alimentação saudável. A partir do momento em que ele passa
a sumir do prato dos brasileiros, isso pode indicar um maior consumo de
produtos ultraprocessados, muito associado a problemas de saúde a longo prazo
A pesquisa, que utilizou dados
de mais de 800 mil entrevistas da Vigitel entre os anos de 2006 e 2023, mostrou
que o consumo regular de feijão caiu tanto entre homens quanto entre
mulheres. Entre o sexo feminino, passou de 61% para 54,1% e, entre o
masculino, de 73,7% para 63,8%.
Ao mesmo tempo, o estudo
também analisou a ocorrência de doenças crônicas entre a população e concluiu
que obesidade, diabetes e hipertensão também cresceram entre homens e mulheres
nesse período. (veja no infográfico abaixo)
Menos feijão, mais doenças —
Foto: Arte/g1
Deborah Malta, médica
epidemiologista, professora do curso de Enfermagem da UFMG e coordenadora da
pesquisa, explica que muitos fatores podem ter influenciado o resultado
observado ao longo dos anos. Mas que o consumo de feijão é sim um ponto muito
relevante a ser levado em consideração.
"A redução de um marcador
de alimentação saudável como é o feijão, aliado à estabilidade do consumo de
frutas e verduras, também observado na pesquisa, está altamente associado à
obesidade e à hipertensão", analisa a professora.
Mudança no padrão alimentar
De acordo com a pesquisadora,
a queda no consumo do feijão pelos brasileiros nos últimos anos tem diversas
causas e marca uma mudança no padrão de alimentação da população.
👉Ela destaca três
principais fatores para essa redução:
Associação do alimento a um
alto teor calórico
Frequentemente o feijão vem
sendo colocado, de maneira equivocada, como um alimento que engorda, o que
acarreta a redução no consumo, especialmente entre a população com maior
escolaridade.
Nesse contexto, dietas
restritivas e modismos podem influenciar negativamente na presença desse item
tradicional no prato dos brasileiros.
"A popularidade de dietas
restritivas em carboidratos ou focadas em proteínas e vegetais específicos pode
desestimular o consumo de alimentos como o feijão", pontuam os
pesquisadores na discussão do estudo.
Demora no preparo
Por ser um alimento com um
modo de preparo mais lento, que exige deixar o grão de molho e cozinhar na
pressão, isso pode desencorajar a inclusão do feijão na alimentação do dia a
dia – feita muitas vezes em meio a uma rotina corrida e sem o planejamento adequado.
"Cada vez mais as pessoas
comem fora e não têm tempo para o preparo do alimento em casa", comenta
Malta.
Substituição por alimentos
ultraprocessados
A rotina acelerada é o que
também contribui para um dos principais fatores para a redução do consumo do
feijão: a substituição por alimentos ultraprocessados.
➡️Segundo o Guia Alimentar para a
População Brasileira, produtos ultraprocessados são "formulações
industriais à base de ingredientes extraídos ou derivados de alimentos (óleos,
gorduras, açúcar, amido modificado) ou sintetizados em laboratório (corantes,
aromatizantes, realçadores de sabor, etc.)".
Esses produtos, de alto valor
calórico, ricos em gordura e sal, são muito palatáveis, práticos e convenientes
para serem consumidos rapidamente. Mas, a longo prazo, trazem diversos
malefícios para a saúde.
Durval Ribas Filho, médico
nutrólogo e presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN), explica
que a alimentação com produtos naturais, como o feijão, é essencial
para a manutenção de um padrão de vida saudável.
"A alimentação
tradicional brasileira, baseada em arroz, feijão e hortaliças, é uma estratégia
eficaz, acessível e culturalmente enraizada para prevenir doenças crônicas e
promover a saúde pública", defende.
Segundo ele, a partir do
momento em que há um afastamento das dietas tradicionais e o aumento do consumo
de ultraprocessados, a tendência é que se observe um aumento de doenças
crônicas entre a população e uma piora na qualidade de vida.
Alimentos
gordurosos e doces: por que dão prazer e ao mesmo tempo fazem mal
Ultraprocessados e as doenças
crônicas
O aumento do consumo de
alimentos ultraprocessados é, na avaliação dos especialistas, um dos principais
fatores responsáveis pelo crescimento das doenças crônicas observado no país –
especialmente em um contexto em que esses produtos substituem a alimentação
tradicional, rica em alimentos naturais e minimamente processados.
"A alta na ingestão de
ultraprocessados – refrigerantes, biscoitos recheados, salgadinhos, embutidos,
por exemplo –, principalmente entre os jovens, tem sido associada a uma série
de riscos para a saúde como obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares,
depressão e até alguns tipos de câncer", destaca Durval.
Esses produtos, ao mesmo tempo
em que são ricos em açúcar, gordura de má qualidade, sódio e aditivos
artificiais, são pobres em fibras, vitaminas e minerais. Ou seja, são muito
calóricos e têm baixo valor nutricional.
"Além disso, interferem
na regulação do apetite, favorecendo o comer em excesso, o que contribui para o
ganho de peso e inflamação no corpo", analisa o nutrólogo.
Deborah Malta ainda acrescenta
que o que se observou na pesquisa é uma tendência cada vez maior de redução do
saudável e aumento dos ultraprocessados, o que justifica o aumento das doenças
crônicas registrado.
E, nesse cenário, a
pesquisadora alerta para a necessidade de uma retomada da alimentação
tradicional, com o preparo do alimento em casa e o uso de produtos minimamente
processados.
"Os resultados mostram
que é preciso revalorizar a alimentação tradicional visando a melhoria dos
comportamentos alimentares e a saúde da população", afirma a professora.
Por Júlia Carvalho, g1
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