Mãos sempre ocupadas costurando tapetes de retalhos dentro de uma casa humilde de um povoado em Parelhas. Quando se pensa em uma atriz cotada ao Oscar, essa não é a cena que se espera — mas é exatamente o que qualquer visitante encontra ao chegar na casa de Tânia Maria, artesã potiguar que pode se tornar uma das indicadas ao Oscar 2026, na categoria Melhor Atriz Coadjuvante, por sua atuação no filme O Agente Secreto.
Natural de Cobra, distrito de Parelhas, no interior do RN, Tânia Maria, de 78 anos, nunca fez curso de teatro — e nem sequer sonhou em ser atriz. Até pouco tempo atrás, ela nem sabia o que era o Oscar. Autêntica, carismática e de personalidade forte, Tânia vive uma realidade bem distante dos holofotes: “Eu quero o Oscar, mas não quero ser famosa. Eu quero filmar muitos filmes. Mas só filmar”, disse a artista, que começou a carreira aos 72 anos.
A possibilidade da indicação foi revelada pela revista americana Variety, que incluiu seu nome em uma lista de possíveis indicadas — a mesma publicação este ano acertou na aposta da atriz Fernanda Torres para uma vaga na premiação.
Em O Agente Secreto, Tânia interpreta Dona Sebastiana, uma personagem marcante cuja presença tem chamado a atenção da crítica. Com sua atuação potente, a potiguar conquistou elogios internacionais e entrou no radar da indústria cinematográfica, graças ao talento espontâneo.
Na trama, Sebastiana é a proprietária de um prédio em Recife que abriga refugiados. Ela explica que se identifica muito com a personagem e, por isso, improvisou muitas cenas: “Ela é acolhedora como eu”, disse, orgulhosa enquanto se lembrava das gravações. “Eu quero que Dona Sebastiana transmita muito amor e muita animação. Eu quero que todo mundo goste de Dona Sebastiana”, acrescentou. “Ela é desse jeito, do jeito que ela mostra no filme, ela é pessoalmente”, disse a neta Jácylla Kenya.
Para viver a personagem, Tânia precisou de muita dedicação e uma boa memória para decorar os textos distribuídos em quatro apostilas. O processo exigiu tempo de estudo e concentração. Mas principalmente improviso, facilitado pela espontaneidade surpreendente da artista: “Ela não precisa de papel. O papel já é dela. Ela é criativa. Ela é o que encaixa diretamente no que as pessoas querem”, disse a filha Shirley Azevedo.
Antes mesmo de estrear nos cinemas brasileiros, o filme O Agente Secreto já chama a atenção por conta de um de seus personagens: Dona Sebastiana| Foto: Divulgação
O Agente Secreto é dirigido por Kleber Mendonça Filho e conta com um elenco de peso, estrelado por Wagner Moura ao lado de Maria Fernanda Cândido, Udo Kier e Gabriel Leone. Dona Tânia não conhecia ninguém. “O único que eu ainda conhecia, mais ou menos, foi Pedrinho por causa do Picapau Amarelo (João Vitor Silva). Wagner… eu não sabia nem quem era Wagner”, disse sorrindo.
Carismática, Tânia fez amizade com grande parte do elenco e chegou até a costurar tapetes para Wagner Moura, protagonista do filme com quem ela divide as cenas. “Eu dizia a Wagner que fabricava coisas de banheiro. Ele disse ‘faça um pra mim’ e eu fiz. Ele é uma das pessoas mais humanas que eu já vi”, relembra.
Ao acabar as cenas, eles se reuniam e deitavam na cama das cenas, cansados do longo dia de trabalho: “quando a gente terminava, Wagner dizia, ‘Tânia, vamos nos deitar ali’. Aí a gente se deitava na cama e conversava. Falava sobre as cenas”, disse a atriz que lembra da amizade com carinho.
Ela já foi atriz em seis filmes: Bacurau, Seu Cavalcanti, O Delegado, Yellow Cake, O Agente Secreto e Almeidinha. Mas seu sonho já foi realizado.
Trabalhadora desde nova
Caçula de três irmãs, a atriz cresceu em um lar cheio de amor e afeto. “Eu fui criada com muito carinho. Eu era a caçula. Era mimada pelos meus pais. Eu era pobre, mas me deram uma infância boa”, disse.
Durante a infância, já demonstrava criatividade e habilidade manual: confeccionava os próprios brinquedos, como bonecas feitas de sabugo de milho.
Quando adulta teve o desejo de ser mãe, mas nunca quis seguir os caminhos tradicionais. Nunca se casou e enfrentou os desafios da maternidade mantendo a autonomia que sempre valorizou. Na época, ela trabalhava no setor de saúde do povoado. “Ela engravidou sem ser casada. Foi mãe solteira. Imagine essa questão, você ser mãe solteira naquela época. A própria comunidade fez o abaixo-assinado para ela sair do cargo. E ela saiu”, revelou a sobrinha Cicely Lígia da Silva.
Mãe de Shirley, avó de Jácylla e tia de incontáveis sobrinhos, Tânia também criou como filha a sobrinha Maria Aparecida da Silva. “Sempre foi um pilar importante da família”, disse Aparecida, emocionada.
Para conseguir sustentar a família, Tânia começou a costurar. “Ela costurava desde jovem, para sustentar a filha. Sempre costurou, e por sinal costurava divinamente bem. Fazia roupa de homem principalmente”, mencionou Régia Caldas, amiga de Tânia há mais de 40 anos.
“Ela também trabalhava em casa de família para poder me dar alguma coisa melhor. Mas eu era cuidada também pelos meus avós, porque eu tinha que estudar. Mas aí, nas férias, ela me buscava. Uma mãe muito guerreira, desde que eu nasci.”, disse a filha, Shirley Azevedo.
Que roupa é essa, menino?
A carreira de Tânia Maria como atriz começou tardiamente, aos 72 anos, com a estreia no premiado filme Bacurau. Até então, ela nunca havia pisado em uma sala de cinema. “A primeira vez que eu fui foi para me ver em Bacurau”, contou. Ela também não tem o hábito de assistir a filmes em casa, o universo do cinema era completamente novo para ela.
O convite para participar do filme também surgiu de forma espontânea e inusitada, como relembra a neta, Jácylla. “Veio um pessoal da produção aqui em casa. E estávamos conversando na mesa, conversando numa boa. E vó apareceu, veio e disse: ‘Boa noite’. Quando disse essa palavra, Rodger Rogério disse: ‘É da senhora que nós estamos precisando’. Aí perguntou se ela aceitava participar do filme. Ela disse que aceitava”, contou. Bacurau foi gravado no povoado da Barra, a 30 km de Cobra.
Tânia Maria, inicialmente escalada para ser apenas uma figurante, acabou se destacando no set — e fora dele. Sua participação viralizou nas redes sociais graças à frase espontânea que soltou no meio de uma cena: “Que roupa é essa, menino?”
A fala, que ficou marcada na memória do público, foi fruto da naturalidade que Dona Tânia trouxe para o personagem. “Quando foi fazer o filme Bacurau, Kleber foi no ouvido dela e disse: ‘Dona Tânia, quando o Seu Lunga vier, diga alguma coisa com a roupa dele’. Ela disse que não sabia o que dizer com a roupa dele, e disse: ‘Que roupa é essa, menino?’”, relembra Jácylla, rindo da espontaneidade da avó.
Em uma das filmagens, um mal-entendido durante uma cena acabou causando um pequeno acidente no set: ela quebrou uma das câmeras em uma das cenas de velório.
“Sempre quando a gente tá filmando, o diretor fica cochichando no ouvido da gente. Em Bacurau, todo dia morria gente. Quando eu ia passar do velório, Kleber Mendonça sempre dizia uma coisa pra eu passar naquele velório. Aí teve um dia que eu ia passando, ele cochichou algo no meu ouvido, eu não escutei direito. Fechei meus olhos e passei no velório. Aí tropecei no tripé da câmera, a câmera caiu, quebrou.”
Sorrindo, Tânia conta que, após o acidente, foi tirar satisfação com o diretor. “Kleber, o que foi isso? Você não mandou eu passar cega?”, perguntou. E ele respondeu: “Não, mandei você passar séria.”
Todos os personagens que Tânia interpretou, mesmo que brevemente, carregam traços da sua personalidade. “Ela é braba. Se eu colocar o nome de ‘Tânia’ em alguma coisa, tá dizendo ‘ninguém pega’. Ela é respeitada”, resume a neta, com orgulho, sobre a avó de 1,50 metro de altura, que agora pode chegar ao palco mais cobiçado do cinema mundial.
Não demoraram a chegar os convites para outros filmes. Foi ainda nos bastidores de Bacurau que o cineasta Leonardo Lacca se aproximou de Dona Tânia e pediu que ela contasse um pouco da sua história de vida. “Então ele disse: ‘Eu tô precisando da senhora pra fazer um filme do meu avô’”, relembra Tânia.
A personagem dela no filme Seu Cavalcanti é inspirada em sua trajetória pessoal. Nesta produção, Tânia divide cena com a neta Jácylla.
Tânia Maria prova que nunca é tarde para recomeçar
Em maio deste ano, o elenco de O Agente Secreto viajou para representar o filme no prestigiado Festival de Cannes, na França. A delegação contou com a presença do elenco, incluindo os potiguares Kaiony Venâncio e Alice Carvalho, que também atuam no filme. Mas Dona Tânia não foi.
“Ela podia ir, porque ela não é doente. Mas só que ela ia ter que passar muitas horas sem fumar, no avião. Ela ficou triste, porque queria ir”, explicou a filha Shirley.
A frustração, no entanto, se transformou em motivação. Desde então, Tânia tomou uma decisão radical: parar de fumar. Colou adesivos de nicotina e abandonou o hábito sem o uso de medicamentos. “65 anos fumando. E ela parou de fumar. Ela parou dia 31 de maio”, concluiu Shirley, orgulhosa.
A neta Jácylla também se emociona ao falar da avó, que se tornou inspiração dentro e fora das telas. “Com ela, eu aprendi sobre persistência. Nunca desistir. Nunca é tarde para recomeçar.”
As expectativas para o Oscar são altas entre os moradores da cidade onde Dona Tânia vive — um lugar que ela guarda com muito carinho no coração. “Aqui tem de tudo, tem um pouco. Tem escola. Tem muito doutor… Gente boa e inteligente é o povo da Cobra. Não quero sair daqui”, afirma, com orgulho da região da cidade localizada no Seridó.
Mesmo com a empolgação em torno da possível indicação, a filha Shirley lembra que é importante para Tânia manter o equilíbrio emocional: “Ela não fica com muita expectativa. Porque tem a medida de ansiedade também. Toda a família, os amigos, todo mundo torcendo por ela.”
Já a sobrinha Cicely destaca que o talento artístico sempre esteve presente: “Tia sempre teve uma veia muito cômica, uma veia muito artística. Acho que nem ela se imaginava vivendo isso, assim.”
Ananda Miranda/Repórter
Tribuna do Norte
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