GELEIRA PERITO MORENO,
Argentina (Reuters) - O som alto de rachaduras que irrompe do interior do gelo
sinaliza a queda dramática que está prestes a acontecer. Segundos depois, um
bloco de gelo de cerca de 70 metros de altura -- equivalente a um prédio de 20
andares -- desaba da face da geleira Perito Moreno para a água azul-marinho
abaixo.
A visão tem atraído visitantes
à geleira mais famosa da Argentina há anos. De pé em plataformas de frente para
o gelo, eles aguardam a próxima rachadura a partir o gelo no ar frio da
Patagônia.
Mas, recentemente, o tamanho
dos pedaços de gelo que se desprendem começou a alarmar os guias locais e os
glaciologistas, já preocupados com a redução do Perito Moreno.
"Eventos de rompimento de
gelo desse tamanho não têm sido muito comuns na geleira Perito Moreno nos
últimos 20 anos", disse Pablo Quinteros, um guia turístico oficial do
Parque Nacional Los Glaciares, na província de Santa Cruz, no sul do país.
Somente nos últimos quatro ou seis anos que começamos a ver icebergs tão
grandes", disse ele à Reuters durante uma visita em abril.
O Perito Moreno contrariou a
tendência global nas últimas décadas ao manter sua massa mesmo quando climas
mais quentes provocaram um derretimento glacial mais rápido em todo o mundo.
A face da geleira, que desce
dos picos andinos e termina nas águas do Lago Argentino, manteve-se mais ou
menos estável durante décadas, com alguns anos avançando e outros recuando. Nos
últimos cinco anos, porém, houve um recuo mais firme.
"Ele estava mais ou menos
na mesma posição nos últimos 80 anos. E isso é incomum", disse o
glaciologista argentino Lucas Ruiz, do órgão estatal de ciência Conicet, cujo
foco de pesquisa é o futuro das geleiras da Patagônia diante das mudanças climáticas.
"No entanto, desde 2020,
sinais de recuo começaram a ser vistos em algumas partes da face da geleira
Perito Moreno."
Ele disse que a geleira
poderia se recuperar, como já aconteceu antes, mas que, no momento, estava
perdendo entre um e dois metros de equivalente de água por ano, o que, se não
for revertido, pode levar a uma situação em que a perda se acelere.
Um relatório de 2024, de
coautoria de Ruiz e apresentado ao Congresso da Argentina, mostrou que, embora
a massa do Perito Moreno tenha se mantido estável em geral por meio século, o
período desde 2015 registrou a mais rápida e prolongada perda de massa em 47
anos, perdendo em média 0,85 metro por ano.
As geleiras em todo o mundo
estão desaparecendo mais rápido do que nunca, com o último período de três anos
apresentando a maior perda de massa glacial já registrada, de acordo com um
relatório da Unesco de março.
"IMENSIDÃO"
Ruiz disse que os instrumentos
que sua equipe de pesquisa usou para monitorar a geleira mostraram um aumento
na temperatura do ar na área de cerca de 0,06 grau Celsius por década e uma
diminuição na precipitação, o que significa menos acúmulo de neve e gelo.
"O problema com o Perito
Moreno é que demorou um pouco, por assim dizer, para sentir os efeitos da
mudança climática", disse Ruiz. Agora, no entanto, o acúmulo de gelo no
topo da geleira estava sendo superado pelo derretimento na base.
"As mudanças que estamos
vendo hoje mostram claramente que esse equilíbrio de forças... foi
interrompido, e hoje a geleira está perdendo tanto em espessura quanto em
área."
Por enquanto, a geleira
continua sendo uma atração inspiradora para os visitantes, que embarcam em
barcos para ver de perto o desprendimento e os enormes icebergs que flutuam
pelo lago ao redor.
"É uma loucura. A coisa
mais incrível que já vi", disse a turista brasileira Giovanna Machado no
convés de um dos barcos, que precisam tomar cuidado com as quedas repentinas de
gelo.
"Mesmo em fotos, não dá
para entender a imensidão, e é perfeito. É incrível. Acho que todo mundo
deveria vir aqui pelo menos uma vez na vida."
(Reportagem de Bernat Parera;
reportagem adicional de Nicolás Cortes e Juan Bustamante)

Nenhum comentário:
Postar um comentário