BRASÍLIA – O Banco Central (BC) quer
tornar efetiva a portabilidade das dívidas do rotativo do cartão de crédito para enfrentar
os juros altos desse tipo de
empréstimo. Essa é uma modalidade que funciona como crédito de “emergência”,
mas que tem uma das taxas de juros mais altas do mercado. O BC também prepara
novidades para o Pix, meio de pagamento
instantâneo criado no final de 2020 que caiu no gosto dos brasileiros e foi o
principal instrumento de transações em 2022.
Rotativo do cartão de crédito
Em abril, último dado
disponível, os juros do rotativo do cartão de crédito chegaram a 447,7% ao ano
-- o maior valor desde 2017. Como os juros são elevados, a inadimplência também
subiu e bateu 51,7% no mesmo período.
Ao Broadcast/Estadão, o diretor de
Organização do Sistema Financeiro e de Resolução, Renato Dias de Brito Gomes, diz que é muito
preocupante que os juros do rotativo estejam em níveis inflados.
Segundo ele, a portabilidade do rotativo, que aumenta a concorrência, já existe
nos Estados Unidos.
A portabilidade permite ao
consumidor escolher o banco que quer pagar suas dívidas e, com isso, negociar
taxas mais baratas. “Se o sujeito não passa a dívida do cartão de uma
instituição para outra, tem pouca pressão sobre os juros”, diz.
No Brasil, a portabilidade já é possível, mas o BC considera que há muitos entraves para a dívida do rotativo de cartões. O BC também trabalha numa segunda medida para que os bancos deixem transparente na fatura os juros dessas operações. Para o BC, isso ainda não acontece hoje. A previsão do diretor é que as medidas sejam lançadas ainda neste ano.
“Os juros do rotativo estão em
níveis bastante elevados. Isso gera muita preocupação no governo. Aqui no BC
também existe uma preocupação diante desses números tão inflados”, diz Gomes.
Segundo ele, falta
transparência dos juros. “Quer dizer que, no momento da contratação, quando o
consumidor contratar o cartão de crédito, quando ele toma a decisão de consumo,
ou mesmo quando ele entra no rotativo, ele tem pouca visibilidade dos juros que
vai pagar”, avalia. O diretor enfatiza que hoje é difícil discriminar qual é a
taxa de juros cobrada na fatura.
O número de cartões de crédito
quase dobrou nos últimos três anos no Brasil. São 200 milhões de cartões. E o
cartão de crédito virou uma ferramenta de concorrência entre os neobancos
(totalmente digitais), bancos mais tradicionais e as fintechs. O limite do
cartão passou também a se usado como ferramenta de competição.
No passado, o governo tentou
reduzir os juros limitando o prazo do rotativo, mas o impacto não foi o
esperado, na avaliação do diretor do BC.
Pix automático
É uma versão melhorada do
débito automático. O débito automático hoje em dia funciona na base do convênio
entre a prestadora de serviços e os bancos. Normalmente, são poucos bancos. Se
a pessoa quiser fazer o débito automático, tem que ser cliente dos bancos que
têm convênio. Isso é uma barreira à entrada no mercado.
Com o Pix Aumotático, o
pagamento poderá ser feito diretamente. Para o BC, a medida terá um impacto
concorrencial grande. O Pix automático vai servir, por exemplo, para serviço de
telefonia, energia, streaming,
pagamentos recorrentes e até mesmo para a compra de uma produto com
parcelamento longo. Está previsto para o fim do ano. “O sujeito vai conseguir
estabelecer o Pix automático no balcão da academia com o celular”, explica o
diretor do BC. Se fizer uma compra online, haverá um iniciador que permitirá a
ele contratar esse serviço.
BolePix
É uma versão do Pix para o
boleto. Ele replica o boleto. O QR Code aparece como boleto e pessoa terá a
oportunidade de fazer esse pagamento via Pix. A liquidação será instantânea. O
diretor do BC diz que a iniciativa alinha as funcionalidades do boleto com a
instantaneidade do Pix. Na hora do pagamento, o sistema já avisa se boleto foi
pago ou não. E, se necessário, faz o recálculo dos valores a serem pagos.
Poderá ser pago sábado e domingo. O BC prevê que já estará funcionando no ano
que vem.
Pix garantido
Está em fase de
desenvolvimento. “Há soluções que (o consumidor) vai finalizar uma compra e a
firma liga (conecta) às instituições financeiras que vão oferecer a opção de
crédito para a finalização da compra via Pix”, explica o diretor do BC. A ideia
é que estimule a competição para a operação de crédito no ponto de compra. O BC
está monitorando o mercado para definir o modelo. “Como existem muitas
oportunidades e não sabemos exatamente como o modelo de negócios vai avançar,
demos um passo atrás, estamos observando como avança. Mas é algo que nós vermos
como vemos com bom olhos”.
Salvamento de bancos
O BC vai trabalhar o projeto
de lei de resolução bancária, parado desde 2019 na Câmara. Para o BC, o Brasil
está atrasado em relação a outros países, que após a crise financeira de 2008
mexeram nas regras de reestruturação de instituições financeiras “quebradas”.
O BC considera que mudança é
necessária, inclusive, para proteger os recursos dos clientes e do Tesouro
Nacional, hoje rapidamente acionado em caso de problemas com bancos
importantes. O projeto enviado pelo BC tem uma série de linhas de defesa. Hoje,
são poucas saídas. Se uma solução de mercado não é encontrada quando uma
instituição entra em crise, o próximo passo já é muito provavelmente um aporte
do Tesouro, especialmente se o banco tiver grande importância sistêmica.
Conforme a proposta, a primeira
linha de defesa seria um plano de reestruturação, que as instituições
financeiras seriam obrigadas a enviar ao BC. Depois, viria um plano de
estabilização e medidas prudenciais e extraordinárias para esse fim, o que
seria, segundo o diretor, um “paralelo vago” com os processos de recuperação
judicial realizados por empresas.
Caso essas opções não sejam
suficientes, o próximo passo seria uma capitalização interna, quando os
acionistas do banco entrariam com recursos próprios para bancar o prejuízo -- algo
que não existe no Brasil e já é parte do processo em várias economias
avançadas.
Só depois das tentativas de
capitalização interna é que os fundos garantidores e de resolução entrariam em
cena. Hoje, já existe um fundo de resolução, mas Gomes afirma que para ser mais
robusto, é necessário que a lei sobre o tema seja aprovada.
“Hoje, até tem um fundo de
resolução, mas tem tamanho pequeno, em parte porque está faltando o projeto
para que o regulador possa alimentá-lo e tomar medidas para que ele cresça. Se
nenhuma dessas linhas de defesa for suficiente, o Tesouro poderia ser chamado
para fazer empréstimo ao fundo de resolução. Por último, o Tesouro poderia
fazer empréstimo direto à instituição”, explicou.
O tema é “espinhoso”, mas a lentidão no andamento do projeto se deve à mudança de prioridades com a pandemia de covid-19 no País. O diretor do BC ponderou, contudo, que, no Brasil, não há as fragilidades observadas recentemente no mercado norte-americano e europeu. “Estamos em uma situação de muita robustez. A regulação prudencial no Brasil e a fiscalização funcionam muito bem.”.
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