O Rio Grande do Norte registrou 21 feminicídios entre janeiro e novembro deste ano, um aumento de 23% em relação a 2024, quando foram contabilizadas 17 vítimas, segundo a Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesed). Para a delegada Victoria Lisboa, titular da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher das Zonas Leste, Oeste e Sul (DEAM/ZLOS), o crescimento pode refletir tanto o avanço da violência quanto o maior número de mulheres que buscam ajuda: “Fazemos uma média de 12 boletins de ocorrência por dia”.
“É difícil afirmar a razão
desse aumento: não sabemos se se dá porque as mulheres estão sendo mais
agredidas ou porque estão procurando mais ajuda”, explicou. Para ela, o
movimento revela uma combinação dos dois fatores, impulsionada pela maior
visibilidade de casos recentes.
Outro ponto destacado pela
delegada é a crueldade crescente observada nos episódios investigados. Segundo
ela, não se trata apenas de números maiores, mas de um padrão de agressões mais
brutais. “A violência está ficando mais cruel. O modo como os crimes estão
sendo praticados tem um caráter muito pesado”, disse ela, que também reforçou
que os casos recentes revelam ataques premeditados e insistentes.
A percepção de que a violência
é generalizada também preocupa. Victoria afirma que não há um perfil único de
vítima: as agressões atravessam classes sociais, bairros e realidades
distintas. “Atendemos mulheres de todas as regiões e classes, e o requinte de
crueldade não diverge”, afirmou. Segundo a delegada, a ideia de que
feminicídios acontecem apenas em contextos específicos impede que muitas
mulheres reconheçam sinais de risco.
“Percebemos que mulheres de
classes sociais mais altas acabam tendo o receio de fazer a denúncia pelo medo
da exposição na sociedade, enquanto as mulheres de classes baixas temem pela
não resolução do caso, acabam não acreditando que a denúncia seja uma solução”,
explicou.
As medidas protetivas, embora
fundamentais, dependem de execuções rápidas para serem eficazes. Victoria
enfatiza que a resposta do sistema de justiça — da expedição ao cumprimento —
precisa ser imediata. “A celeridade faz toda a diferença”, afirmou. Quando há
descumprimento, ela reforça que a comunicação rápida à polícia pode resultar em
prisão em flagrante e evitar que o caso evolua para violência letal.
Por fim, a delegada defende
que denunciar cedo pode salvar vidas, inclusive nos casos mais graves, que
ganham repercussão nacional. “Muitas acham que nunca vai acontecer com elas.
Mas acontece”, alertou. Para Victoria, a exposição desses episódios pode incentivar
outras mulheres a romperem o silêncio e procurarem a rede de proteção antes que
a violência atinja níveis irreversíveis.
Casos continuam a chocar
Em julho de 2025, um episódio
de violência de gênero em Natal/RN chamou a atenção de todo o Brasil: Juliana
Garcia dos Santos, de 35 anos, foi brutalmente espancada por 61 socos efetuados
pelo ex-namorado, o ex-atleta Igor Eduardo Pereira Cabral, dentro do elevador
de um condomínio — onde câmeras registraram toda a agressão. O agressor foi
preso e tornado réu por tentativa de feminicídio. O caso ganhou ampla
repercussão nacional e expôs, mais uma vez, como mulheres seguem vulneráveis
mesmo em espaços considerados seguros.
A delegada Victória Lisboa
destacou que o caso de Juliana só pôde ser rapidamente esclarecido devido à
existência das imagens de câmera, que revelaram a violência extrema e foram
determinantes para o enquadramento do crime. “As imagens de câmera foram realmente
muito importantes. Aquilo ali, para mim, foi crucial para ser colocado como
tentativa de feminicídio”, afirmou. Segundo ela, a obtenção imediata dessas
imagens foi decisiva porque “as imagens costumam desaparecer muito rápido”, o
que costuma dificultar investigações semelhantes.
A delegada também avaliou que
a resposta do sistema de proteção funcionou de forma ágil nesse caso. “Tudo
convergiu realmente para auxiliá-la da melhor maneira”, disse, ressaltando que
Juliana tem desempenhado um papel importante ao encorajar outras mulheres a
denunciar.
No decorrer das duas semanas
do mês de dezembro, o país voltou a presenciar mais episódios de brutalidades:
em São Paulo, Tainara Souza Santos, de 31 anos, foi atropelada e arrastada por
cerca de um quilômetro pelo ex-companheiro na Marginal Tietê. A violência
resultou na amputação das duas pernas da vítima. O agressor, Douglas Alves da
Silva, alegou à polícia que “não percebeu” que havia atropelado a
ex-companheira, versão considerada incompatível com a extensão dos ferimentos.
Ele foi preso e tornado réu por tentativa de feminicídio na última quarta-feira
(10).
No Distrito Federal, um caso
envolvendo militares expôs uma outra ambientação da violência de gênero: a cabo
Maria de Lourdes Freire Matos, de 25 anos, foi assassinada a facadas e
encontrada carbonizada dentro de um quartel do Exército na sexta-feira (5). O
soldado Kelvin Barros da Silva, com quem a vítima mantinha um relacionamento,
confessou o crime e foi preso. A investigação aponta feminicídio com ocultação
de cadáver, cometido dentro de um ambiente institucional onde a vítima deveria
estar protegida.
O estado de São Paulo também
registrou outros episódios de violência extrema recentes. Em um deles, a
farmacêutica Daniele Guedes Antunes, de 38 anos, foi morta a facadas pelo
ex-marido dentro de casa no domingo (7), reforçando o padrão de ataques letais
após o fim de relacionamentos — eles tinham dois filhos, de 18 e 11 anos, e o
mais novo presenciou o crime. Em outro caso paulista, Maria Katiane Gomes da
Silva, de 25 anos, morreu após cair do 10º andar de um prédio; o que foi
tratado inicialmente como caso de suicídio, foi dado como caso de feminicídio
após imagens de segurança mostrarem agressões do companheiro pouco antes da
queda.
País falha na prevenção e na
proteção das vítimas
Dados do Ministério das
Mulheres reforçam a urgência de se tratar o tema. O Brasil registrou no último
ano 1.450 feminicídios, além de 2.485 homicídios dolosos e lesões corporais
seguidas de morte contra mulheres. A persistência desses números comprova que o
país falha tanto na prevenção quanto na proteção, e que romper esse ciclo exige
ação imediata, articulada e coletiva.
A dimensão da violência contra
mulheres no Brasil em 2025 ganha contornos ainda mais preocupantes quando
observada a partir do Mapa Nacional da Violência de Gênero, elaborado pelo
Senado Federal. O levantamento mostra que 58% das mulheres que sofreram violência
neste ano não procuraram uma delegacia, revelando um índice de subnotificação
policial que mantém grande parte dos casos fora das estatísticas oficiais. A
Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher reforça esse quadro ao apontar
que 23,6 milhões de brasileiras declaram já ter sido vítimas de violência
doméstica e/ou familiar em 2025.
A pesquisa também destaca que
a maioria destas agressões ocorreu dentro de relações íntimas, com 62% dos
agressores identificados como marido ou companheiro, 11% como ex-companheiro e
8% como namorado. Além disso, os números também apontam que os episódios
raramente acontecem sem testemunhas: 71% das agressões são presenciadas por
outra pessoa, e, em 71% desses casos, quem presencia são crianças. Segundo o
estudo, esse dado evidencia o quanto a violência contra mulheres “ultrapassa a
vítima direta e afeta de forma profunda o ambiente familiar e o desenvolvimento
das próximas gerações”.
Segundo o mesmo levantamento
divulgado pelo Senado Federal, os registros nacionais de segurança pública
confirmam, ainda, perfis distintos de vitimização conforme o tipo de crime. A
maior parte das vítimas de estupro são meninas de até 17 anos, enquanto os
feminicídios atingem principalmente mulheres adultas: 57% das vítimas tinham
entre 30 e 59 anos em 2025. Entre os casos de estupro, a faixa dos 18 a 29 anos
representa 33% dos registros deste ano, indicando que a violência sexual e o
feminicídio atingem perfis etários diferentes, mas refletem o mesmo cenário de
risco contínuo para mulheres e meninas no país.
Procuradoria da Mulher: ALRN
amplia atuação diante da escalada da violência
No Rio Grande do Norte, o
avanço dos feminicídios reacendeu o papel da Procuradoria Especial da Mulher da
Assembleia Legislativa (ProMulher), criada em 2023 como órgão independente
destinado a promover direitos, fortalecer a autonomia feminina e articular
ações de enfrentamento à violência de gênero. Com o aumento dos assassinatos de
mulheres, o órgão busca reforçar mecanismos de prevenção, acolhimento e
interiorização das políticas públicas.
A Procuradoria concentra sua
atuação em duas frentes principais: articulação legislativa — com debates,
projetos e protocolos voltados à prevenção da violência — e ações práticas que
aproximam o Parlamento das mulheres potiguares. Entre essas iniciativas estão a
implantação de Procuradorias Municipais, Salas Lilases, campanhas educativas,
audiências públicas e parcerias com órgãos como TJRN, MPRN, OABRN e
instituições de saúde e educação. O fortalecimento das ações nos municípios
também se tornou prioridade diante das limitações de acesso a serviços
especializados no interior.
Além das medidas em andamento,
o órgão aposta na educação como estratégia de longo prazo para a redução da
violência. Um dos principais projetos em execução é o Maria da Penha vai às
Escolas, que trabalha letramento de gênero com adolescentes da rede pública.
“Quando levamos o debate para dentro das escolas, plantamos sementes de
respeito que protegerão as mulheres do amanhã”, afirma a deputada Cristiane
Dantas.
Gabriela Liberato/Repórter

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