sábado, 1 de novembro de 2025

Potiguares cruzam o Atlântico e constroem carreiras internacionais na gastronomia

Paulo e Luiza saíram do RN em busca de oportunidades na Europa - Fotos: Cedidas

Pelo segundo ano, as cozinhas do Algarve, no sul de Portugal, recebem o gastrólogo potiguar Paulo Costa, de 35 anos. É por lá que ele aprende novas receitas e mantém contato com outros cozinheiros de diversas partes do mundo. Natural de Assú, no Oeste do Estado, Costa foi um dos selecionados do programa de intercâmbio internacional promovido pelo Senac-RN em parceria com o resort Pine Cliffs, uma das principais redes hoteleiras do País. Em quatro anos, o Senac-RN já “exportou” 50 profissionais para a Terrinha.

Mais do que abrir fronteiras, a iniciativa tem multiplicado conhecimento e fortalecido o mercado local, diz o presidente do Sistema Fecomércio-RN, Marcelo Queiroz. De volta ao Estado, muitos participantes passam a atuar como instrutores, empreendedores e mentores de novos alunos. Assim, o ciclo recomeça. “O intercâmbio de experiências que firmamos tem efeitos concretos e mensuráveis: possibilitamos a inserção de dezenas de egressos em redes hoteleiras”.

Entre novos temperos e idiomas, Paulo aprendeu que um dos maiores desafios da jornada longe de casa não é puramente técnico, mas a convivência. “A gente precisa ter cabeça boa, coração bom e mente aberta para lidar com as dificuldades porque o que é positivo a gente absorve naturalmente. Hoje posso dizer que precisei reaprender várias coisas porque é um mundo completamente diferente”, diz.

Homem com prato de comida

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Paulo é natural de Assú – Foto: Reprodução

Paulo é cozinheiro há 17 anos e atua como instrutor do Senac de forma eventual. Em 2022, decidiu tentar o processo seletivo do programa de empregabilidade internacional do Senac. “Estou terminando agora no começo desse mês a minha segunda passagem por Portugal. Foi uma realização. Pedi para participar do programa como se fosse aluno ou ex-aluno, e deu certo. Passei nas entrevistas e já é o segundo ano que venho pra cá”, conta Paulo, que retorna ao Brasil nesta semana após seis meses fora.

Com experiência na área de bufê, a vivência em Portugal também transformou a maneira como ele enxerga a própria cozinha. Convivendo com profissionais de diversas nacionalidades, Paulo passou a valorizar ainda mais a disciplina, o respeito aos ingredientes e o cuidado com a apresentação dos pratos. “Aprendi muito sobre a forma de trabalho europeia. Eles têm outra relação com o tempo e com os processos.

A adaptação, segundo ele, é uma aula diária. O potiguar divide a cozinha com colegas de 28 nacionalidades diferentes e enfrenta ritmos intensos de trabalho. “Aprendi receitas novas, formas diferentes de trabalhar ingredientes e o comportamento no ambiente de cozinha. No hotel onde atuo, há cerca de 28 nacionalidades, é um choque cultural enorme”, conta.

Nem tudo, porém, é simples. Paulo conta que já vivenciou episódios de preconceito e que a experiência da primeira vez fez com que ele encarasse o problema de maneira diferente. Apesar disso, ele avalia que o intercâmbio foi uma virada na sua trajetória. “Infelizmente, há episódios de xenofobia. Por ser imigrante e brasileiro, a gente enfrenta preconceito. No meu primeiro ano, por exemplo, o chef dizia que eu não sabia nem fazer arroz. Mas eles fazem tudo de forma diferente. Se você não tiver equilíbrio, acaba se frustrando”.

De volta ao Brasil em novembro, ele pretende retomar o trabalho no interior e seguir ensinando. “O currículo agradece. Foi uma experiência incrível”. Agora com as portas abertas pelo Senac-RN, Paulo mantém planos de retornar à Europa, mas a prioridade para 2026 é ficar próximo dos pais. “Pretendo voltar por causa do meu pai, que faz diálise. Ele e minha mãe estão sozinhos. Quero acompanhá-los pelo menos até 2026. Se em 2027 estiver tudo bem, penso em retornar para Portugal e outros países”.

Homem preparando comida em uma cozinha industrial

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Luiza se mudou do RS para o RN em 2016 – Foto: Cedida

Do RN para o Mundo

Se Paulo representa o profissional potiguar que exporta talento, Luiza Junqueira Pasquali, gaúcha radicada em Natal, simboliza o movimento inverso: o de quem encontrou no Rio Grande do Norte o impulso para uma carreira internacional. Graduada em nutrição no RN e formada em Gastronomia pelo Senac-RN, ela hoje trabalha na Irlanda após passagens por Portugal e Itália.

A trajetória de Luiza mostra outro aspecto do programa: o de atrair talentos de fora que acabam incorporando o modo potiguar de se reinventar. “Cheguei a Natal em dezembro de 2016, a convite do meu irmão. Sempre tive uma relação muito saudável com a alimentação, e aqui decidi unir essa paixão à minha profissão”, relembra.

No Senac, Luiza encontrou a formação que faltava para transformar o sonho em carreira. “Ali aprendi sobre técnica, disciplina, trabalho em equipe e dedicação. O Senac foi a minha base, tanto técnica quanto emocional, para tudo o que veio depois”.

Luiza participou do mesmo programa de intercâmbio e passou duas temporadas em Portugal, onde atuou em resorts e restaurantes no Algarve. Depois seguiu para a Itália, onde trabalhou em confeitaria e gelateria. “Na Itália, aprendi o verdadeiro significado de cozinhar com amor. O respeito pelo produto e a tradição me marcaram muito. Cada país me ensinou algo diferente e deixou uma marca na minha forma de cozinhar”, diz.

Hoje, vivendo na Irlanda, ela diz que o intercâmbio foi o ponto de virada. “O Senac me deu base, confiança, oportunidades e abriu as portas do mundo pra mim. Cada aprendizado me tornou uma profissional mais completa. Quero unir nutrição, gastronomia e cultura para desenvolver projetos que conectem saúde e alimentação. O Brasil sempre estará no meu coração”.

Homem sentado em frente a computador

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Foto: Adriano Abreu

Aposta na formação que atravessa fronteiras

Para o presidente do Sistema Fecomércio RN, Marcelo Queiroz, o intercâmbio é um desdobramento natural da política de qualificação profissional que o sistema vem consolidando. “A parceria nasceu de um esforço de internacionalização empreendido pelo Sistema Fecomércio RN, por meio do Senac, para abrir oportunidades de qualificação fora do país. A partir de 2022 estabelecemos contatos e convênios com redes hoteleiras portuguesas interessadas em profissionais qualificados”.

O presidente lembra que o Senac-RN se tornou uma referência em qualificação profissional, com destaque para o Complexo Hotel-Escola Barreira Roxa, em Natal. A instituição hoje é um polo formador de mão de obra qualificada, que capacita cerca de 3,5 mil profissionais por ano. Ele explica que as iniciativas estão alinhadas à agenda do Sistema Fecomércio RN de promover missões técnicas e firmar parcerias estratégicas para abertura de novos mercados.

Ainda segundo Queiroz, o programa é resultado de uma visão de longo prazo que alia formação e desenvolvimento econômico. “Vimos a necessidade de ampliar as possibilidades de colocação e ascensão profissional dos nossos egressos, mas também a oportunidade de fomentar a troca de experiências e boas práticas em turismo, hotelaria e gastronomia. Isso eleva a competitividade do setor de serviços potiguar”, destaca.

Homem pousando para foto

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Pimenta é diretor do Senac-RN – Foto: TN Play

Internacionalização que transforma carreiras

Por trás das histórias individuais de Paulo e Luiza há uma engrenagem institucional que vem ampliando o alcance da formação profissional do RN para além das fronteiras. O diretor regional do Senac-RN, Raniery Pimenta, explica que a escolha de Portugal e das áreas de gastronomia e hotelaria foi estratégica.

“A proximidade linguística e cultural com Portugal facilita a adaptação e a comunicação dos nossos profissionais. Além disso, há uma demanda efetiva do mercado português, que enfrenta forte sazonalidade turística e busca constantemente mão de obra qualificada”, detalha.

Na avaliação de Raniery, o programa já se consolidou como um dos pilares da política de empregabilidade internacional do Senac-RN. “Lá, eles vivenciam experiências práticas em ambientes de alto padrão, o que eleva o nível de qualificação desses profissionais”. O diretor ressalta ainda que o retorno desses trabalhadores ao Brasil gera um ciclo virtuoso. “Os profissionais voltam com novas competências e isso eleva a qualidade do ensino que oferecemos. É um ciclo que se retroalimenta.”

Bruno Vital/Repórter

Tribuna do Norte

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