Até setembro de 2025, o Rio
Grande do Norte contabilizou 1.943 processos relacionados a falhas na prestação
de serviços de saúde, segundo dados do CNJ. Esse número reflete uma tendência
nacional crescente, com 72.247 novas ações judiciais registradas em todo o
Brasil por danos materiais e morais relacionados ao setor da saúde nos
primeiros nove meses de 2025. O tempo médio para o julgamento dos processos no
estado é de 373 dias, com casos pendentes chegando a 635 dias.
Aline Albuquerque, doutora em Direitos Humanos e membro da Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente (SOBRASP), observa que a principal falha que contribui para o crescimento da judicialização é a falta de comunicação adequada entre profissionais de saúde e pacientes.
“A formação dos profissionais
de saúde no Brasil ainda é voltada para um modelo de paciente que não
questionava ou buscava informações. O novo paciente, por outro lado, está muito
mais informado, e esse descompasso entre as expectativas dos pacientes e a
resposta dos profissionais tem gerado um número crescente de ações judiciais”,
explicou Aline.
O maior impacto da
judicialização no Brasil ocorre no sistema privado de saúde, onde o volume de
processos é mais alto. Ela também aponta que a judicialização é consequência,
em grande parte, da falta de uma formação mais adequada dos profissionais para lidar
com o paciente moderno, que busca participação ativa nas decisões e acesso à
informação. “82% das ações judiciais nos Estados Unidos decorrem de falhas na
comunicação, e essa tendência é vista também no Brasil. Não se trata de
despreparo, mas sim de uma formação que não se atualizou para o novo perfil do
paciente”, afirmou.
Em alguns casos, os pacientes
não sabem exatamente como o tratamento deveria ser conduzido, ou não entendem
as razões por trás de certas decisões médicas, o que aumenta as chances de
mal-entendidos e, consequentemente, de ações judiciais.
Aline Albuquerque defende que
a formação dos profissionais de saúde deve incluir mais ênfase na comunicação e
no direito à informação do paciente, além de garantir sua participação nas
decisões de tratamento. Ela também sugere a implementação de protocolos de
segurança do paciente mais rigorosos para reduzir os eventos adversos e as
falhas no atendimento.
“Esses números são
sintomáticos de que a saúde está doente. Eles mostram que a qualidade do
atendimento não está sendo garantida e que, infelizmente, a judicialização é
uma das formas que os pacientes encontraram para tentar garantir seus
direitos”, conclui.
Albuquerque destacou a
importância do prontuário médico no processo de judicialização da saúde,
enfatizando que ele é de direito do paciente. Ela argumentou que as informações
contidas no prontuário são pessoais e precisam ser asseguradas por todas as unidades
de saúde, não podendo haver cobrança para o acesso ao mesmo.
Já o coordenador jurídico do
Conselho de Medicina do RN, Klevelando Santos, muitos danos ao paciente
decorrem de falhas administrativas e estruturais, e não de erro médico. “Os
médicos acabam sendo o alvo mais visível de um sistema sobrecarregado, embora
atuem em condições extremamente adversas.”
A judicialização se tornou
consequência da ineficiência estatal, e não de falhas individuais dos
profissionais, conforme defende o coordenador. “Não se tem dúvida também que o
aumento da judicialização tem a ver com o acesso à informação por parte da sociedade
sobre os seus direitos, no tocante ao princípio constitucional do direito à
saúde.”
Judicialização
A advogada Eveline Macena,
presidente da Comissão de Direito à Saúde da OAB/RN e membro do Comitê Estadual
de Saúde do CNJ, observa que o aumento da judicialização é um reflexo das
dificuldades de acesso a tratamentos e medicamentos, tanto no SUS quanto nos
planos de saúde privados.
“No SUS, muitas vezes, o
paciente só consegue o acesso a tratamentos urgentes ou medicamentos de alto
custo por meio de ações judiciais. No âmbito privado, planos de saúde
frequentemente negam tratamentos caros, como cirurgias e medicamentos,
principalmente devido a questões financeiras”, explica Eveline.
Para a advogada, a
judicialização da saúde revela uma “carência estrutural” no sistema de saúde do
estado, pois muitos pacientes buscam na justiça o que deveria ser garantido
pelos hospitais. “Quando a judicialização se torna necessária, é porque o sistema
de saúde não está atendendo de forma eficaz. É um reflexo de uma falha de
acesso”, afirma.
Eveline também menciona a
falta de planejamento e recursos no setor público, como a fila de triagem para
tratamentos como fisioterapia e fonoaudiologia no SUS, que, em alguns casos,
pode chegar a 17 anos. “Esse é o tipo de carência que estamos falando. São
filas tão longas que você não tem acesso ao tratamento necessário. Muitas
pessoas podem morrer ou ter a condição agravada enquanto esperam.”
Ela argumenta que, sem uma
política de prevenção efetiva, o sistema de saúde continuará a tratar doenças
de forma mais cara, perpetuando o ciclo de judicialização, já que os pacientes
recorrem ao Judiciário para resolver falhas no atendimento preventivo.
A presidente defende uma
mudança cultural nas instituições de saúde, propondo a adoção de uma abordagem
preventiva ao invés de reativa, como uma forma de reduzir os custos elevados.
“Muitos pacientes só buscam ajuda quando a doença já está em estágio avançado,
como no caso de doenças crônicas como diabetes. Se o tratamento fosse
preventivo, os custos seriam muito menores e a qualidade de vida maior”,
explica Eveline.
Tribuna do Norte

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