sexta-feira, 31 de outubro de 2025

RN tem 1,9 mil processos por falhas na saúde

Principal falha que contribui para o aumento de processos é a falta de comunicação | Foto: Arquivo TN

Até setembro de 2025, o Rio Grande do Norte contabilizou 1.943 processos relacionados a falhas na prestação de serviços de saúde, segundo dados do CNJ. Esse número reflete uma tendência nacional crescente, com 72.247 novas ações judiciais registradas em todo o Brasil por danos materiais e morais relacionados ao setor da saúde nos primeiros nove meses de 2025. O tempo médio para o julgamento dos processos no estado é de 373 dias, com casos pendentes chegando a 635 dias.

Aline Albuquerque, doutora em Direitos Humanos e membro da Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente (SOBRASP), observa que a principal falha que contribui para o crescimento da judicialização é a falta de comunicação adequada entre profissionais de saúde e pacientes.

“A formação dos profissionais de saúde no Brasil ainda é voltada para um modelo de paciente que não questionava ou buscava informações. O novo paciente, por outro lado, está muito mais informado, e esse descompasso entre as expectativas dos pacientes e a resposta dos profissionais tem gerado um número crescente de ações judiciais”, explicou Aline.

O maior impacto da judicialização no Brasil ocorre no sistema privado de saúde, onde o volume de processos é mais alto. Ela também aponta que a judicialização é consequência, em grande parte, da falta de uma formação mais adequada dos profissionais para lidar com o paciente moderno, que busca participação ativa nas decisões e acesso à informação. “82% das ações judiciais nos Estados Unidos decorrem de falhas na comunicação, e essa tendência é vista também no Brasil. Não se trata de despreparo, mas sim de uma formação que não se atualizou para o novo perfil do paciente”, afirmou.

Em alguns casos, os pacientes não sabem exatamente como o tratamento deveria ser conduzido, ou não entendem as razões por trás de certas decisões médicas, o que aumenta as chances de mal-entendidos e, consequentemente, de ações judiciais.

Aline Albuquerque defende que a formação dos profissionais de saúde deve incluir mais ênfase na comunicação e no direito à informação do paciente, além de garantir sua participação nas decisões de tratamento. Ela também sugere a implementação de protocolos de segurança do paciente mais rigorosos para reduzir os eventos adversos e as falhas no atendimento.

“Esses números são sintomáticos de que a saúde está doente. Eles mostram que a qualidade do atendimento não está sendo garantida e que, infelizmente, a judicialização é uma das formas que os pacientes encontraram para tentar garantir seus direitos”, conclui.

Albuquerque destacou a importância do prontuário médico no processo de judicialização da saúde, enfatizando que ele é de direito do paciente. Ela argumentou que as informações contidas no prontuário são pessoais e precisam ser asseguradas por todas as unidades de saúde, não podendo haver cobrança para o acesso ao mesmo.

Já o coordenador jurídico do Conselho de Medicina do RN, Klevelando Santos, muitos danos ao paciente decorrem de falhas administrativas e estruturais, e não de erro médico. “Os médicos acabam sendo o alvo mais visível de um sistema sobrecarregado, embora atuem em condições extremamente adversas.”

A judicialização se tornou consequência da ineficiência estatal, e não de falhas individuais dos profissionais, conforme defende o coordenador. “Não se tem dúvida também que o aumento da judicialização tem a ver com o acesso à informação por parte da sociedade sobre os seus direitos, no tocante ao princípio constitucional do direito à saúde.”

Judicialização

A advogada Eveline Macena, presidente da Comissão de Direito à Saúde da OAB/RN e membro do Comitê Estadual de Saúde do CNJ, observa que o aumento da judicialização é um reflexo das dificuldades de acesso a tratamentos e medicamentos, tanto no SUS quanto nos planos de saúde privados.

“No SUS, muitas vezes, o paciente só consegue o acesso a tratamentos urgentes ou medicamentos de alto custo por meio de ações judiciais. No âmbito privado, planos de saúde frequentemente negam tratamentos caros, como cirurgias e medicamentos, principalmente devido a questões financeiras”, explica Eveline.

Para a advogada, a judicialização da saúde revela uma “carência estrutural” no sistema de saúde do estado, pois muitos pacientes buscam na justiça o que deveria ser garantido pelos hospitais. “Quando a judicialização se torna necessária, é porque o sistema de saúde não está atendendo de forma eficaz. É um reflexo de uma falha de acesso”, afirma.

Eveline também menciona a falta de planejamento e recursos no setor público, como a fila de triagem para tratamentos como fisioterapia e fonoaudiologia no SUS, que, em alguns casos, pode chegar a 17 anos. “Esse é o tipo de carência que estamos falando. São filas tão longas que você não tem acesso ao tratamento necessário. Muitas pessoas podem morrer ou ter a condição agravada enquanto esperam.”

Ela argumenta que, sem uma política de prevenção efetiva, o sistema de saúde continuará a tratar doenças de forma mais cara, perpetuando o ciclo de judicialização, já que os pacientes recorrem ao Judiciário para resolver falhas no atendimento preventivo.

A presidente defende uma mudança cultural nas instituições de saúde, propondo a adoção de uma abordagem preventiva ao invés de reativa, como uma forma de reduzir os custos elevados. “Muitos pacientes só buscam ajuda quando a doença já está em estágio avançado, como no caso de doenças crônicas como diabetes. Se o tratamento fosse preventivo, os custos seriam muito menores e a qualidade de vida maior”, explica Eveline.

Tribuna do Norte

Nenhum comentário:

Postar um comentário