domingo, 2 de novembro de 2025

Bibliotecas lúdicas podem aumentar o interesse pela leitura no Estado

Biblioteca oferece um acervo de 850 livros e seis notebooks, além de jogos pedagógicos e materiais de pesquisa| Foto: Alex Régis

Mais de 500 alunos da Escola Municipal Manoel Vicente de Paiva, em Parnamirim, passaram a contar com biblioteca equipada com livros, notebooks e jogos pedagógicos, em um projeto que integra leitura e educação ambiental de forma lúdica. No entanto, essa realidade ainda é rara na rede pública do Rio Grande do Norte, onde muitas escolas enfrentam falta de estrutura e profissionais bibliotecários, conforme denuncia o Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sinte-RN).

Na Escola Municipal Manoel Vicente de Paiva, a rotina escolar dos alunos do Ensino Fundamental I (6 a 10 anos) ganhou um novo capítulo: mais de 500 estudantes passam a contar com um acervo de 850 livros e seis notebooks novos, além de jogos pedagógicos, brinquedos educativos, instrumentos científicos e materiais de pesquisa.

Além do incentivo à leitura, o espaço, colorido e repleto de recursos visuais interativos estimula alunos e professores a explorar temas sobre sustentabilidade.

A diretora da escola, Elineide Cardoso, conta que, antes da reforma, a biblioteca não despertava tanto interesse nos alunos, que agora formam filas e aguardam ansiosamente para entrar no local. “Cada turma no seu horário e eles ficam ansiosos para ir, eu percebi que o ambiente ajudou. O ambiente ajuda eles a quererem ir para lá”, afirma.

Menina sentada em uma mesa

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Elineide Cardoso, diretora da Escola Municipal Manoel Vicente de Paiva: “A gente tem que começar esse trabalho de base”| Foto: Alex Régis

Ela observa que os alunos da escola não têm o hábito de ler, e que crianças nessa idade preferem utilizar redes sociais e assistir televisão em vez da leitura. “A gente tem que começar esse trabalho de base. Ele [o aluno] chega aqui no primeiro ano e ele já tem essa rotina de estar nesse ambiente, de ter esse momento de leitura com a mediadora. Eu acho que isso fortalece.” A pedagoga defende que a leitura deve ser incentivada de forma prazerosa e não apenas como uma obrigação pedagógica.

Os títulos foram selecionados para serem atrativos, incluindo principalmente clássicos da literatura brasileira. “A gente vai ter que catalogar todos os livros, carimbar. Eles também vão poder fazer o empréstimo, que já era feito. Então existe todo um trabalho de conscientização pra manter esse livro”, pontua a diretora.

O ambiente foi reformado pensado de forma a encantar os alunos. “Ficou mais atrativo para eles. De não ser apenas esse leitor passivo, mas que seja também um lugar de socialização diferente para eles”, disse.

Conforme a Secretaria Municipal de Educação de Parnamirim, 40 escolas na cidade possuem bibliotecas ativas. “A Biblioteca do Futuro vai além do incentivo à leitura: ela integra tecnologia e sustentabilidade ao processo educativo, abordando temas como reciclagem, energias renováveis, o ciclo da água e o sistema solar — tudo de forma lúdica e acessível”, afirmou a prefeitura.

A unidade recebeu, na última terça-feira (21), o projeto Biblioteca do Futuro, uma iniciativa da Rede Educare, com patrocínio da Novelis. Os professores da escola terão capacitação para aprender como incentivar a leitura de forma mais eficiente.

Rede pública de Natal não tem bibliotecários

Segundo dados da Secretaria Municipal de Educação de Natal, nenhuma escola da rede municipal de ensino possui bibliotecas. “Não há bibliotecas em funcionamento nas escolas e não há bibliotecários na Rede”, declarou a pasta.

Ainda de acordo com a secretaria, “as unidades de ensino dispõem de Salas de Leitura e Cantinhos de Leitura”. Diferentemente da biblioteca, que funciona como um centro de pesquisa com acervo variado, catalogado e profissionais para orientar alunos e professores, a sala de leitura é mais limitada: “não denominamos de ‘biblioteca’, pois ainda não existe no quadro funcional da Secretaria Municipal de Educação o cargo de bibliotecário”.

A Secretaria de Estado da Educação, do Esporte e do Lazer do RN (SEEC) informou que todas as escolas da rede estadual têm bibliotecas, mas nenhuma conta com profissionais bibliotecários: “As bibliotecas das escolas estaduais são coordenadas por mediadores de leitura, que são professores e técnicos pedagógicos que recebem orientação e apoio técnico do Núcleo do Livro, Leitura e Bibliotecas (NULLB)”.

Para a coordenadora geral do SINTE-RN, professora Fátima Cardoso, a falta de bibliotecários nesses ambientes prejudica a qualidade do ensino. “Nós temos também uma ausência de profissionais que sejam da área. Apesar de ter o curso na universidade, não existe concurso público e isso faz com que em muitas bibliotecas, se não a maioria, a gente não tenha um bibliotecário”, explica.

Ela acrescenta que o acervo das bibliotecas costuma ser vasto. “Em algumas bibliotecas a gente encontra um acervo bom, um acervo que inclusive tem o investimento do governo federal, porque o salário de educação, uma parte é destinada para transporte e outra é para compra de livros, a compra de livros na biblioteca.”

Em alguns casos, esses espaços não possuem estrutura adequada, com livros mal conservados, ambiente apertado e abafado. “A ausência de estrutura provoca uma ação que leva a escola a não trabalhar com os estudantes como deveria, porque a biblioteca é uma sala de pesquisa, de promoção do conhecimento e que, se ela não for estruturada, se ela não tiver sua infraestrutura adequada, ela não comporta essa ação”, ressalta Fátima Cardoso.

Para ela, essa limitação atrapalha o professor a desenvolver no aluno uma visão crítica sobre o mundo. “O professor muitas vezes deixa de fazer um trabalho mais crítico, mais reflexivo, mais problematizador, porque as bibliotecas não dão conta dessa tarefa. A gente tem visto muita queixa do pessoal com relação a quem atua mesmo, quem atua nas bibliotecas, tem se queixado da estrutura que tem.”

RN é o estado com menos leitores do Brasil

O RN é o estado com o menor número de leitores do país. Conforme a pesquisa mais recente do Retratos da Leitura, de 2024, apenas 33% da população potiguar têm o hábito da leitura, o índice mais baixo do Brasil.

De acordo com dados do MEC, o RN apresenta o terceiro pior índice de alfabetização do país. O Indicador Criança Alfabetizada aponta que, em 2024, 60,7% das crianças da rede pública de ensino não estavam alfabetizadas até o final do 2º ano do Ensino Fundamental.

Segundo a diretora do Núcleo de Educação da Infância (NEI), da UFRN, Denise Bortoletto, o acesso às bibliotecas pode favorecer o processo de alfabetização. “As bibliotecas escolares exercem um papel fundamental na formação de leitores e futuros leitores, em especial quando inserida no contexto das escolas de educação infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental”, afirma a especialista.

Pessoas com hábito de leitura possuem maior capacidade cognitiva e pensamento crítico, podendo ser desenvolvido desde a infância. “As bibliotecas possibilitam a ampliação do contato das crianças com diferentes gêneros textuais, autores e formatos de leitura, favorecendo o desenvolvimento da curiosidade, da imaginação e da compreensão do mundo”, acrescenta.

A especialista cita que diversas ações podem contribuir para melhorar o interesse pela leitura. Entre elas estão: o fortalecimento e a modernização das bibliotecas escolares; a formação continuada de professores e mediadores de leitura; e o acesso das escolas a programas nacionais e municipais de incentivo à leitura, como o PNLD Literário e o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE).

O incentivo à leitura dentro do ambiente familiar também é apontado como uma estratégia fundamental para formar indivíduos com maior pensamento crítico. “O contato livre, porém mediado por um adulto, e sem a ‘obrigação’ da leitura por uma tarefa. Ler pelo deleite, pela satisfação do contato com a obra literária e não para simplesmente relatar o conteúdo de uma obra”, explica.

Ela reforça a importância estratégica da biblioteca escolar nesse processo: “A biblioteca escolar não pode ser vista apenas como um espaço físico, mas como um ambiente de aprendizagem e de encantamento. Quando alinhada aos propósitos pedagógicos do cotidiano pedagógico, ela torna-se fundamental na formação de leitores autônomos, críticos e criativos.”

Recursos lúdicos também desempenham papel central no desenvolvimento do interesse das crianças. “A criança tem nos recursos lúdicos o acesso a informações do mundo social ao qual ela pertence. Assim, o diálogo entre a leitura e a possibilidade de que essa aprendizagem seja favorecida por meio da formação de um ambiente lúdico é extremamente importante na formação das crianças”, conclui.

Tribuna do Norte

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