De acordo com a advogada Carla
Coutinho, responsável pela ação, o julgamento representa um marco jurídico e
social. “Trata-se de uma decisão inédita no país, porque tomada pelo Pleno de
um Tribunal de Justiça, no caso, o do Rio Grande do Norte, que, por unanimidade,
com 14 votos favoráveis dos desembargadores, concedeu um salvo-conduto para
todos os colaboradores da Associação Reconstruir Cannabis, bem como para todos
os pacientes associados que fazem tratamento de saúde com a planta” explica.
Segundo Carla Coutinho, com a
concessão do salvo-conduto, nenhuma autoridade pública, notadamente as polícias
civil, militar e federal, poderá intervir nas atividades de cultivo, extração e
fornecimento de óleos e inflorescências de cannabis destinadas aos pacientes,
desde que amparadas por prescrição e laudo médicos.
Com a medida, pacientes e
colaboradores passam a ter segurança jurídica para realizar tratamentos à base
da planta, sem o risco de sofrerem abusos ou repressões. “É uma decisão
revolucionária porque abre caminhos para pesquisas científicas sobre os benefícios
medicinais da planta, em parceria com instituições como a UFRN e a EMPARN, que
aguardavam essa segurança jurídica para avançar em projetos fundamentais à
ciência e à promoção da saúde, ambos também direitos fundamentais”, destaca a
advogada.
Obstáculos e argumentos
jurídicos
O processo enfrentou diversos
desafios. Para a advogada, o maior deles foi o receio de uma decisão
desfavorável, alimentado pelo preconceito e pela falta de conhecimento de parte
dos julgadores. A estratégia, então, foi apostar na conscientização, apresentar
as evidências científicas sobre os benefícios da cannabis medicinal e destacar
a qualidade e a segurança dos produtos oferecidos pela Associação Reconstruir.
Essa abordagem se mostrou decisiva para superar resistências e garantir a
vitória jurídica.
O argumento jurídico central,
segundo Carla Coutinho, foi pautado na defesa de direitos fundamentais. “A
proibição do cultivo e do uso da cannabis para fins medicinais e científicos
configura violação ao direito à saúde, à dignidade da pessoa humana e à autonomia
da relação médico-paciente. Além disso, ressaltamos a omissão do Estado
brasileiro, que há quase 20 anos descumpre seu dever constitucional de
regulamentar o cultivo e o uso da planta para esses fins. Essa mora
administrativa não poderia continuar a sacrificar pacientes e pesquisadores”,
afirma.
A decisão do tribunal tem
potencial de abrir precedentes para outras associações em todo o país. “É uma
conquista histórica e coletiva, que servirá de precedente para que outras
associações do Rio Grande do Norte e de todo o Brasil busquem a mesma proteção
judicial. Essa decisão mostra que a justiça está atenta à ciência, à realidade
social e ao direito fundamental à saúde”, avalia Carla Coutinho.
Desafios
Apesar da vitória, a advogada
ressalta que ainda existem dilemas éticos urgentes relacionados à cannabis
medicinal no Brasil. Para ela, negar acesso a um tratamento cuja eficácia já é
cientificamente comprovada é o maior deles. “Sem cultivo nacional regulamentado,
muitos pacientes ficam reféns de produtos importados a preços altíssimos, o que
exclui justamente quem mais precisa”, critica.
Outro ponto sensível é o
preconceito que cerca o tema. “Ainda existe estigma que afasta médicos da
prescrição e famílias do tratamento. A ética exige que o Estado enfrente esses
obstáculos com informação, ciência e políticas inclusivas, garantindo que o acesso
à cannabis medicinal seja tratado pelo que realmente é: uma questão de saúde,
dignidade e justiça social”, completa.
Ao mesmo tempo em que garante
segurança para pacientes e colaboradores, a decisão fortalece a produção de
conhecimento científico no Brasil. Projetos de pesquisa sobre os benefícios da
cannabis medicinal poderão ser desenvolvidos com respaldo legal, ampliando a
compreensão sobre suas aplicações e contribuindo para políticas públicas mais
eficazes.
Tribuna do Norte
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