Nos últimos anos, o mundo tem dado sinais claros de que a transição energética é um caminho sem volta. Como você avalia a forma como governos, investidores e a sociedade global estão lidando com o avanço das energias renováveis e as metas de descarbonização?
O mundo está cada vez mais consciente da necessidade da transição energética.
No entanto, um índice de 60% do mundo ainda é movido a energias fósseis. Então,
nós temos aqui um grande desafio, embora estejamos criando uma consciência
coletiva muito importante, graças também a debates mais profundos no Brasil em
função da COP30. As transições energéticas tomam muito tempo – a primeira, da
madeira para o carvão, durou 200 anos; a segunda, do carvão para os fósseis,
durou 100 anos. Mas agora estamos vivendo a aproximação de eventos climáticos
extremos, perto de um grau e meio de aquecimento. Logo, é urgente que a nossa
transição assuma uma velocidade muito maior e com bem mais assertividade e
definição, tanto do setor público quanto do privado. Então, no Brasil, a gente
tem alguns desafios, como escala e financiamento, porque é necessário muito
investimento. Sem falar no desafio da regulação. Temos aqui uma complexidade
enorme para tratar, ao passo em que precisamos de regulações claras. Do ponto
de vista dos investidores, nós precisamos cada vez mais de governança e, nesse
sentido, existe uma série de possibilidades de melhorias, como investimentos em
regulação de baterias e de armazenamento da energia e a regulação para o
hidrogênio e a eólica offshore. A gente precisa entender como tudo isso vai se
comunicar. A regulação para os projetos híbridos já existe, mas tem uma série
de regras e procedimentos que ainda não estão claros. São questões que devem
apontar como o solar, o eólico e o hidrelétrico convivem; quem tem prioridade;
como se despacham essas fontes quando elas estiverem atuando juntas no mesmo
parque, e como elas se conectam na rede. A gente precisa desenvolver esses
detalhes com mais celeridade.
Como você enxerga o papel da segurança energética em um cenário global marcado por transições e instabilidades?
É preciso entender que as energias renováveis são intermitentes. Nem sempre tem
sol, nem sempre tem vento. Para isso, precisamos também das hidrelétricas, das
baterias e térmicas a gás. Mas isso é importante de ser enfrentado, como eu já
mencionei, com regras e regulação para que haja avanços de maneira clara e
assertiva.
Quais são os caminhos mais viáveis, na sua visão, para o Brasil fortalecer a diversificação da matriz energética sem comprometer a segurança no fornecimento?
Insisto em dizer que a existência de regras claras é primordial, mas, para além
disso, temos um aspecto interessante: entender como as baterias vão se inserir
nesse sistema [de energias renováveis]; como estabelecer uma sinergia para ter,
no mesmo parque, o eólico e o solar – isso funcionaria bem aqui no Rio Grande
do Norte, onde há bastante vento à noite. É preciso criar mecanismos para gerar
a inovação que irá fazer parte do nosso sistema, trazendo competitividade ao
setor, além de eficiência econômica e social.
O Brasil já possui uma matriz relativamente limpa. Você já mencionou alguns gargalos, mas haveria um desafio adicional quando falamos de transição energética em um país como o nosso?
Apesar de contar com uma matriz predominantemente renovável, o Brasil enfrenta
hoje o desafio do curtailment, que é quando o gerador produz energia, mas ela
não pode ser inserida na rede para chegar à residência das pessoas. Então, essa
energia é produzida, mas jogada fora. Essa é uma questão importante a ser
enfrentada por governos e investidores, porque, como as fontes são
intermitentes, o gerador precisa ter muita clareza do que pode ser produzido e
entregue. Essa situação impõe perdas econômicas e compromete a eficiência dos
investimentos em renováveis. Para avançar na transição energética, será
fundamental alinhar a expansão da geração à infraestrutura de transmissão,
adotando também soluções como armazenamento de energia, usinas híbridas e
modelos regulatórios que valorizem a flexibilidade e a previsibilidade do
sistema.
Vamos falar um pouco sobre a SPIC Brasil. Como o grupo está contribuindo para acelerar a transição energética no país, especialmente no que diz respeito à descarbonização?
A SPIC Brasil contribui para a transição energética com uma estratégia baseada
em crescimento sustentável e investimentos em fontes renováveis. Desde que
chegamos ao país, há sete anos, crescemos 70 vezes. Já são mais de R$ 15
bilhões aplicados, com destaque para os complexos solares Panati (CE),
Marangatu (PI) e Luiz Gonzaga (PE), os novos parques eólicos em construção no
RN, além da hidrelétrica São Simão (na divisa dos estados de MG e GO), que está
sendo modernizada em um plano de dez anos, com investimentos superiores a R$
1,2 bilhão. E por que modernizá-la? Porque assim ela ganha uma produção muito
mais segura e vai poder sobreviver por mais 40 anos.
E quais os projetos em andamento ou já realizados pela SPIC Brasil aqui no RN. Há previsão de novos investimentos?
No RN, a SPIC está construindo dois parques eólicos 100% próprios – Pedra de
Amolar e Paraíso Farol (ambos em Touros) –, com investimento de R$ 755 milhões.
Com 17 aerogeradores, os projetos terão capacidade de 105,4 MW, suficiente para
abastecer 280 mil residências/ano. As obras começaram em janeiro de 2025 e a
operação está prevista para 2026. A empresa avalia oportunidades de expandir a
presença no Rio Grande do Norte, acompanhando todo o projeto do Governo do
Estado que envolve hidrogênio verde e eólica offshore, consolidando um hub
renovável no Nordeste.
O RN está próximo de alcançar 100 mil conexões de energia solar distribuída e já movimentou R$ 3,9 bilhões em investimentos nesse segmento nos últimos anos. Como você enxerga esse avanço e o potencial do RN nesse aspecto?
Os recursos naturais no Rio Grande do Norte, tanto solar quanto eólico, são
muito importantes para condução da transição energética, mas não é apenas isso:
existem mão de obra especializada e investidores que querem estar aqui – nós da
SPIC somos um exemplo disso. Mais uma vez volto a mencionar que o que faltam
são regras claras para o Estado e o País deslancharem.
O Rio Grande do Norte anunciou há poucos dias, por meio do Senai, que conquistou a primeira licença prévia do Brasil para um projeto de energia eólica offshore. Como você avalia o impacto desse marco para o futuro da geração eólica no Brasil e para a diversificação da matriz energética?
A gente olha para o Rio Grande do Norte sempre com muito interesse porque o
estado está na vanguarda das energias renováveis. Aliás, parabéns por isso. Nós
precisamos de um estado liderado por um governo que caminha junto com os
investidores, como acontece aqui, porque a transição energética não se faz sem
essa união.
QUEM
Adriana Waltrick é CEO da SPIC Brasil. O Grupo SPIC está presente em 47 países, com 246 GW de capacidade instalada e investimento constante em energias renováveis. Atualmente, é um dos cinco principais grupos geradores de energia da China e a maior geradora de energia solar do mundo, tendo o Brasil como importante país no grupo. Já Adriana é reconhecida entre os 10 principais executivos da SPIC Global, premiada por três anos consecutivos como uma das 100 Mais Influentes da Energia pela revista Full Energy, na categoria Geração, Transmissão e Distribuição.
Felipe Salustino
Repórter
Tribuna do Norte

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