A origem desses imigrantes também mudou. Em 2000, os “estrangeiros potiguares”
vinham principalmente de Angola, França e Estados Unidos. Enquanto em 2010 os
principais grupos eram compostos por italianos, portugueses e espanhóis, no
último censo os argentinos assumiram a liderança, seguidos pelos estadunidenses
e venezuelanos. O Rio Grande do Norte passou a atrair perfis diversos de
imigrantes, tanto aqueles que se encantam com o estilo de vida local quanto os
que buscam refúgio de crises humanitárias.
A dinâmica potiguar segue um comportamento nacional, analisa o demógrafo
Ricardo Ojima, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
“A migração internacional passou por muitas décadas não sendo tão importante
para a dinâmica demográfica nacional e vem aumentando mais recentemente, então
aqui também não tem essa tendência. A identificação do terceiro país como a
Venezuela sendo a origem desses migrantes, tem a ver com esse movimento de
problemas e crises humanitárias que acabam mudando a geopolítica
internacional”.
Entre os argentinos que se fixaram no Estado está Elena Cilleruelo, de 54 anos,
que vive com a família há 18 anos na Praia da Pipa, em Tibau do Sul. “Foi uma
decisão em família. Viemos direto para morar, mesmo sem conhecer o lugar
pessoalmente, só por fotos. A ideia era buscar um lugar mais tranquilo, longe
da correria das grandes cidades como Buenos Aires, onde morávamos. Queríamos
criar nossos filhos em um ambiente com mais contato com a natureza. Moramos na
Praia da Pipa há 18 anos”, relata.
A história de Elena, que hoje trabalha como costureira, é um exemplo da
migração por escolha, em busca de qualidade de vida. “O estilo de vida. A
tranquilidade, a proximidade com a natureza e a possibilidade de viver de forma
mais simples e presente foram fundamentais para decidirmos fincar raízes por
aqui”, diz. No entanto, a conexão afetiva com o país de origem permanece.
“Sinto falta dos afetos: da família, dos amigos, das longas conversas de
domingo depois de um bom churrasco. E, claro, das comidas, doces e da enorme
variedade de guloseimas argentinas”, lembra.
Crises provocam novos
fluxos
Em contraste, há quem venha ao Rio Grande do Norte por motivos muito
distintos. Edgar González, venezuelano de 29 anos, chegou ao RN em 2018 com a
família para fugir de uma crise. “Nós viemos de lá da Venezuela em 2018,
atravessamos até outro país. Nosso país é muito difícil para todos. Nossa
aldeia, nossa comunidade é diferente. Já estava acabando escola, trabalho. Não
conseguia receber Bolsa Família, como aqui. O governo nos deixava assim, como
se estivesse abandonando a nossa comunidade. Por causa dessa situação nos
mudamos de lá”.
A chegada de González ao RN é reflexo da crise humanitária na Venezuela, um dos
principais fatores de deslocamento da população. A escassez de alimentos e
medicamentos levou 7,7 milhões de venezuelanos a buscarem refúgio em outros
países, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados
(ACNUR). González é um indígena, pescador, pertencente aos Warao – conhecido
como o “Povo da Canoa” pela vocação pesqueira. Tradicionalmente, vivem em
comunidades fluviais na região do delta do rio Orinoco e têm na pesca, no
artesanato e na coleta de frutos a base de subsistência, além de organização
comunitária própria e forte ligação com a natureza.
A realidade enfrentada pela família de Edgar é marcada por desafios de
sobrevivência e adaptação. “Aqui no Rio Grande do Norte eu gostei muito, não
vamos voltar para o nosso País, nós vamos estar para sempre aqui. Minha família
também gostou. Precisamos de uma casa para a nossa vida, porque há muito tempo
estamos assim, já passei por muitos bairros, morando, pagando aluguel, nas
ruas, depois nós tentamos falar de novo com o governo para conseguir um abrigo,
já conseguimos um abrigo. A situação continua difícil”.
As barreiras linguísticas e culturais dificultam a reinserção profissional.
“Não temos trabalho, é muito difícil para nós. Somos indígenas Warao. Nós não
entendemos muito português, fica muito difícil para conseguir trabalho. Preciso
continuar para o meu sonho para conseguir uma casa, trabalhar. Eu preciso de um
trabalho, sou da pesca. Eu sou pescador, então preciso de uma canoa, talvez uma
rede para trabalhar. Muitas mulheres que estão aqui fazem artesanato, assim
como a minha esposa. Pedimos que entendam que nós somos diferentes, que temos
uma cultura diferente”, afirma.
Rede de apoio acolhe
imigrantes no Estado
A presença crescente de
imigrantes levou à criação de iniciativas de acolhimento e apoio, como a
Associação em Solidariedade ao Imigrante no Rio Grande do Norte (Asirn),
fundada por Muhamad Taufik, 60, comerciante e imigrante palestino. “Eu nasci na
cidade de Nazaré, em Israel, em 1965. Digo isso porque em 1948 Israel ocupou a
minha cidade, que antes de 1948 era Palestina. Por exemplo, meus pais que
nasceram em 1940 nasceram na Palestina, em Nazaré. Eu nasci na mesma cidade, 25
anos depois, mas em Israel. Sou cidadão israelense, mas sou palestino e cidadão
brasileiro, recentemente”, conta.
Taufik chegou ao Brasil em 1996 com a esposa, potiguar de Campo Grande. Desde
então, se estabeleceu em Natal e empreendeu. “Eu conheci a Ana Maria em 1987,
na antiga União Soviética, onde eu saí do meu País para estudar psicologia, e
ela saiu no mesmo mês, em setembro de 1987, para estudar jornalismo, depois ela
mudou para filosofia. Então, nós conhecemos na antiga União Soviética, e no
primeiro mês que chegamos, nós conhecemos e casamos. Um ano depois, nasceu
nossa filha, em Moscou, e terminamos os estudos em 1993”.
Além de viver com a família e tocar um negócio próprio, Muhamad também se
engajou no apoio a imigrantes. “Em 2008, aqui em Natal, a comunidade muçulmana
começou a trabalhar e ajudar imigrantes africanos. Ainda em 2008, um barco
naufragou na praia de Caiçara do Norte, onde tinham africanos que estavam indo
para a França, mas o barco acabou quebrando e chegou aqui. Naquela época,
tivemos o conhecimento que tinham, acho que 12 pessoas, oito muçulmanos e
quatro cristãos”, pontua.
A partir dessas experiências, nasceu a ideia da associação. “Em 2015, começou a
migração, o refúgio da Venezuela e os venezuelanos descobriram a gente, e nós
estamos ajudando imigrantes. Naquele ano começamos com alunos da UNP, do curso
de Relações Internacionais, que é um grupo de alunos que começaram o trabalho
deles da faculdade, com imigrantes. Então, eles nos procuraram, então, juntos
começamos a ajudar imigrantes ou refugiados da Venezuela”, acrescenta.
RN tem 9% de moradores de
outros estados
Outro dado do levantamento do
IBGE revela que cerca de 9% da população residente no Rio Grande do Norte
nasceu em outros estados. O estudo aponta que 297.696 pessoas que vivem no RN
vieram de outras partes do Brasil, número que representa um leve aumento em
relação ao último censo, quando 8,6% da população potiguar era nascida em
outras localidades do País. A maior parte dos migrantes internos vem da
Paraíba, que responde por quase 96 mil residentes, seguida pelo Ceará, com 41
mil; e São Paulo, com 37 mil.
Para Ricardo Ojima, o fluxo demonstra a posição histórica do RN como um polo de
atração regional moderado no Nordeste, mesmo em um cenário de saldos
migratórios baixos. “O Rio Grande do Norte sempre foi um estado que teve saldos
migratórios positivos ao longo dessas últimas décadas. Sempre foi diferenciado
em relação aos outros estados por chegar mais gente do que sair”, pontua Ojima.
Ele destaca também que a dinâmica migratória do RN é marcada por deslocamentos
de curta distância. “Principalmente dos estados vizinhos, como o Ceará,
Pernambuco, que também é a origem das pessoas que aqui residem. É interessante
ter essa dinâmica interna, que eu acho que é o principal fator que faz com que
o RN seja importante nas migrações”, comenta.
Os dados do IBGE mostram também que o RN manteve saldo migratório estável, com
uma saída de 4.633 no período. O saldo negativo é resultado da operação entre a
chegada de pessoas ao RN (61.447) e a saída (66.080) entre os anos de 2017 e
2022. O demógrafo Ricardo Ojima explica que esse resultado tem pouco impacto no
tamanho total da população do Estado, estimada em 3,3 milhões de habitantes.
Segundo ele, historicamente, o
RN apresenta saldos próximos de zero e o saldo negativo de 4 mil é considerado
baixo frente a outros estados.
“É um saldo migratório, embora negativo, um saldo migratório baixo, perto do
que os outros estados têm. O estado do Rio Grande do Norte, em 1991, teve saldo
positivo, em 2000 também teve saldo positivo. Então, nos outros censos tem um
saldo muito próximo de zero, então os valores, embora pareçam, se você olhar,
quatro mil pessoas no total da população do Rio Grande do Norte é um volume
muito baixo, impacta muito pouco no tamanho da população”, detalha. Estados
como Rio de Janeiro e Maranhão tiveram saldo migratório negativo de 165 mil e
129 mil respectivamente.
NÚMEROS
Migração internacional no
RN
2000: 1.578 pessoas
2010: 2.824 pessoas
2022: 4.472 pessoas (2.770
homens e 1.702 mulheres).
Principais países de origem
2022
Argentina
Estados Unidos
Venezuela
2010
Itália
Portugal
Espanha
2000
Angola
França
EUA
Migração interna no RN
2022: 9,03% da população
nasceu em outros estados (297.696);
2010: 8,61% (272.643);
2000: 8,36% (232.001);
1991: 8,36% (201.752).
Principais estados de
origem (2022):
Paraíba – 95.985
Ceará – 41.001
São Paulo – 37.398
Pernambuco – 33.415
Rio de Janeiro – 27.964
Bahia – 9.131
Minas Gerais – 7.023
Distrito Federal – 6.042
Pará – 4.791
Goiás – 4.265
Fonte: IBGE/Censo 2022
Bruno Vital
Repórer
Tribuna do Norte

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