O documento Ineficiências
e Iniquidades do Imposto de Renda: Da Agenda Negligenciada para a Próxima Etapa
da Reforma Tributária, é do pesquisador da Diretoria de Estudos e Políticas
Macroeconômicas do Ipea Sérgio Wulff Gobetti, cedido à Secretaria de Fazenda do
Rio Grande do Sul.
Gobetti explica que o estudo
se propõe a mostrar que “iniquidades perpetuadas” nas regras de cobrança de
impostos geram ineficiência econômica, além de enfraquecer o princípio da
progressividade, isto é, ricos pagarem mais que os pobres, proporcionalmente.
O estudo, disponível no site do Ipea,
fomenta o debate sobre justiça tributária enquanto tramita na Câmara dos
Deputados o projeto de lei (PL) que isenta do Imposto de Renda (IR) quem
ganha até R$ 5 mil e prevê tributação mínima das altas rendas, pessoas
com rendimento superior a R$ 600 anuais.
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No STF, foi parar uma
discussão sobre decreto do governo que aumenta a alíquota do Imposto sobre
Operações Financeiras (IOF), após o Congresso ter derrubado a medida, alegando
que o esforço para adequar as contas públicas deve ser feito por meio
de corte de gastos.
Regime tributário
Uma das principais críticas
apontadas pelo estudo é a diferença entre os regimes de tributação do lucro
empresarial, o Simples, lucro presumido e lucro real.
O Simples Nacional é
direcionado a micro e pequenas empresas que faturam no máximo R$ 4,8 milhões
anuais. O lucro presumido é para empresas que têm como limite uma receita de R$
78 milhões. O regime lucro real se aplica a todas as demais empresas.
O Simples e o lucro presumido
são regimes optativos. Essas empresas pagam Imposto de Renda Pessoa Jurídica
(IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) não proporcional ao
seu lucro, mas ao seu faturamento.
A diferenciação dos regimes é
uma forma de incentivar e simplificar negócios menores mas, segundo Gobetti,
“houve desvirtuamento do propósito”, o que permite injustiças tributárias a
partir do momento em que o sistema perde o vínculo com a real capacidade
contributiva de cada indivíduo.
“Entre os proprietários de
micro e pequenas empresas, há pessoas com capacidades contributivas muito
diferentes. Duas ‘pequenas empresas’ de igual faturamento podem revelar graus
muito distintos de remuneração e de capacidade contributiva dos respectivos
sócios completamente distintos”, aponta o estudo.
Para Gobetti, a proposta não é
eliminar o regime simplificado, é resgatar a vocação original, tentando
proporcionar simplificação e não uma vantagem.
“Essa vantagem beneficia menos
o empresário empreendedor, aquele que está investindo, se arriscando. Estou
beneficiando o menos empreendedor, aquele que investe menos e lucra mais”.
Lucro menor
Outra falha, segundo o autor
do estudo, é que empresas podem buscar brechas para fazer com que o lucro
presumido seja bem menor que o real.
“Na atualidade, muitos
conglomerados são formados por empresas que estão enquadradas no lucro real e
outras no lucro presumido. E há evidências de que por trás dessa organização
empresarial existe uma estratégia de alocar o máximo de custos nas unidades submetidas
ao lucro real e, por outro lado, registrar o máximo de faturamento possível nas
unidades sujeitas ao lucro presumido. Assim, por meio de uma divisão artificial
de custos e receitas entre empresas do mesmo grupo, consegue-se minimizar o
pagamento de impostos”, explica.
O técnico do Ipea aponta que o
percentual médio de presunção do lucro é de 15,8%, enquanto o percentual médio
efetivo aferido pela Receita Federal foi de 30,4% entre 2015 e 2019.
Gobetti estima que a diferença
entre o imposto devido e o imposto teórico representa a renúncia de receita
decorrente da política tributária especial, e totalizou em 2019, ano mais
recente do cálculo, mais de R$ 200 bilhões, sendo R$ 87,7 bilhões para o Simples
e R$ 115,9 bilhões para o lucro presumido.
O pesquisador conclui que,
assim como diz o jargão da economia, “não existe almoço grátis”, isto é, alguém
tem que pagar pelo benefício. Nesse caso, “quanto mais tratamentos favorecidos
forem mantidos para certos bens e serviços maior teria de ser a alíquota do
Imposto sobre Valor Agregado (IVA, novo imposto previsto na reforma tributária)
sobre os não favorecidos para manter a arrecadação atual”.
“Uma alíquota mais baixa e
uniformemente aplicada ou com menos exceções e discrepâncias do que temos hoje
seria extremamente positiva para a competitividade da economia brasileira”,
avalia Sérgio Gobetti.
Dividendos
Outro ponto destacado pelo
pesquisador é a não tributação de dividendos, a fatia do lucro que as empresas
distribuem para os acionistas. No Brasil os dividendos não são alvo do IR.
Gobetti sugere que tributar esse valor tornaria o sistema de cobrança de impostos
mais progressivo e permitiria compensações de forma a diminuir tributos em cima
das empresas, melhorando o ambiente de negócios, inclusive atraindo
investidores estrangeiros.
"Pode proporcionar mais
competitividade à economia brasileira e maior progressividade ao Imposto de
Renda, ao transferir o foco da empresa para o acionista”, defende o autor do
estudo.
Segundo a pesquisa, dos 38
países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
conhecida como clube dos países ricos, por reunir as economias mais
desenvolvidas do mundo, apenas Estônia e Letônia mantêm a isenção dos
dividendos. O Brasil é candidato a entrar para a organização.
Gobetti alerta também para
que, caso o país decida tributar os dividendos, sejam pensadas formas de evitar
que as empresas encontrem outros meios de distribuir recursos aos acionistas,
assim como acontece atualmente pelo chamado juros sobre capital próprio (JCP).
Com o JCP, a empresa distribui valor ao acionista como se fosse uma despesa, ou
seja, são deduzidas do lucro tributável.
De acordo com o estudo do
Ipea, o efeito fiscal do JCP foi uma perda de receita da ordem de R$ 24 bilhões
em 2023.
Para ilustrar o efeito de
concentração de renda, Gobetti aponta que a renda apropriada pelo 1% mais rico
cresceu de 20,5% para 24,4% nos últimos 6 anos. Desse aumento de
concentração, 88% foram "abocanhados" pelo 0,1% mais rico.
"O lucro das empresas
cresceu muito, então podemos imaginar que passamos para um novo patamar de
concentração de renda", avalia Gobetti.
Petróleo
O pesquisador da Diretoria de
Estudos e Políticas Macroeconômicas aproveita o estudo para sugerir uma forma
de aumentar a arrecadação de um setor específico da economia, o petrolífero,
descrito por ele como de “obtenção de lucros extraordinários”.
Gobetti aconselha que haja uma
cobrança extraordinária adicional quando o preço do barril de petróleo encostar
na média histórica de US$ 70. Ao longo de 2025, o petróleo tipo Brent tem
sido negociado em um intervalo de US$ 64 e US$ 75.
Segundo ele, na faixa de US$
45 e US$ 57 por barril, as companhias do setor obtêm “retornos atrativos”, de
pelo menos 10% sobre o capital investido. Ele aponta que poderia haver a
cobrança adicional a cada patamar de alta do petróleo, com a alíquota variando
de 10% a 20%.
“Com o preço internacional em
torno da média histórica, o ganho de receita seria moderado, em torno de R$ 8
bilhões anuais, mas em situações extremas, como a de 2022, com Brent a US$ 100,
o ganho poderia chegar a R$ 40 bilhões”, calcula.
Para ele, essa cobrança
adicional “não eliminaria o ganho extraordinário dos investidores em momentos
de alta do preço do petróleo, mas apenas capturaria uma pequena parte desse
lucro extraordinário”.
Agência Brasil

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