Com poucos litros de leite,
dezenas de vidas são salvas todos os dias em unidades neonatais do Rio Grande
do Norte. O alimento, considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como
o mais completo para os recém-nascidos, especialmente os prematuros, é ofertado
graças a uma rede silenciosa de solidariedade: as mães doadoras. Através de
bancos de leite, como na Maternidade Escola Januário Cicco (MEJC/UFRN/Ebserh),
em Natal, e o Hospital Maternidade Divino Amor, em Parnamirim, o leite humano
doado chega até bebês que ainda não podem ser amamentados pelas próprias mães,
garantindo imunidade, ganho de peso e a chance de recuperação.
De acordo com Verônica
Feitosa, enfermeira do banco de leite da MEJC, a construção da rede de apoio
começa dentro da própria maternidade. Muitas mães que passam pela experiência e
enfrentam o desafio de ter filhos na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) se
tornam doadoras ao perceberem, na prática, o impacto da doação. “A maioria das
doadoras sai daqui de dentro. É uma mãe que, nos primeiros dias, tem
dificuldades em relação ao aleitamento, porque muitas vezes tem um bebezinho
prematuro e recebe leite doado. Quando ela começa a produzir leite excedente,
além do que o bebê já mama dela mesma, geralmente ela continua doando”, relata.
O alimento é administrado sob
prescrição nutricional e segue protocolos rígidos de coleta, armazenamento e
pasteurização para garantir a segurança. “O leite vai estar atuando na
prematuridade no sentido de proteger o trato gastrointestinal, fazendo com que
o bebê tenha a primeira imunidade. O leite é a primeira vacina que o bebê vai
estar consumindo”, explica a enfermeira Verônica Feitosa.
De janeiro a maio deste ano, a
MEJC coletou 753 litros de leite humano, realizando 615 visitas domiciliares
com o apoio do Corpo de Bombeiros, por meio do projeto Amigo do Peito. No ano
passado, o banco contabilizou 1.649 visitas e 2.524 litros coletados. Para
garantir o estoque, o leite passa por rigoroso processo de triagem e análise
microbiológica. A distribuição beneficia não só os bebês da MEJC, mas também
recém-nascidos de outros hospitais da capital e do interior do Rio Grande do
Norte.
Quem compõe uma parte
significativa desse leite doado é Thais Cristina, doadora que hoje integra essa
rede de solidariedade. Ela é um exemplo de como o surgimento da motivação está
frequentemente ligado à vivência pessoal com a prematuridade. “O que me motivou
foi quando tive minha filha e ela ficou no neonatal e precisou de leite
materno”, conta. A decisão de doar veio há menos de cinco meses e, desde então,
a experiência tem sido transformadora. “Sinto uma felicidade enorme, pois me
coloco no lugar das mães que passam por isso. Sou grata a Deus por conseguir
ajudar e salvar a vida de outros bebês”, relata.
O impacto da doação é sentido
diretamente pelas mães cujos bebês dependem desse leite doado. Milena Vitória é
mãe da pequena Melinda, de apenas um mês, que está recebendo leite humano de
doadoras do banco de leite da MEJC. “É importante porque ajuda as mães. Nem
todo mundo tem leite, e o leite é onde vêm todos os nutrientes e vitaminas”,
diz Milena, que deu à luz com somente 28 semanas. Sensibilizada pela
experiência, ela já considera a possibilidade de retribuir o gesto solidário
quando sua produção de leite permitir.
O processo de doação exige
apenas que a mulher esteja saudável, sem uso de medicamentos que impeçam a
amamentação, e que produza leite em excesso. “Quanto mais você doa, quanto mais
o peito está sendo estimulado ali, maior a produção de leite. É um dos principais
mitos que a gente combate: o de que vai faltar leite para o bebê”, esclarece
Verônica. A adesão, no entanto, varia de acordo com o período do ano. Meses de
férias e festas, como dezembro e junho, costumam registrar queda nas doações.
Por isso, campanhas de sensibilização são fundamentais para manter os bancos
abastecidos.
Além de atender bebês, o Banco
de Leite da MEJC também acolhe mulheres com dificuldades no processo de
amamentação. Pelo projeto SOS Mães, o hospital oferece atendimento externo para
orientação gratuita. Muitas doadoras surgem desse acolhimento inicial. “Ela vem
com mastite, mama engurgitada, e a gente faz todo o cuidado. Na maioria das
vezes, também se torna doadora”, afirma a enfermeira. A coleta pode ser feita
em casa através de potes de vidro, e o leite é transportado em caixas térmicas
com todo o cuidado exigido pelas normas sanitárias.
Depois de coletado, o leite
passa por etapas de triagem visual, pasteurização em banho-maria e análise
microbiológica. Só então, após 48 a 72 horas, é liberado para consumo. “Às
vezes o pessoal acha que chegou o leite aqui já está pronto, e não é. Por isso
a importância de conseguirmos cada vez mais doadoras, para também ter um
estoque de segurança”, alerta Verônica. Cada um litro pode alimentar até 10
recém-nascidos por dia. Segundo o Ministério da Saúde, todos os anos
aproximadamente 150 mil litros de leite humano são processados e distribuídos
no país.
De janeiro a maio deste ano, a MEJC
coletou 753 litros de leite humano, realizando 615 visitas domiciliares | Foto:
Magnus Nascimento
Sistema assegura nutrição para
bebês
Na Maternidade Divino Amor, em
Parnamirim, a rotina de solidariedade também alimenta diariamente dezenas de
recém-nascidos que ainda não podem ser amamentados pelas próprias mães. Com
capacidade para armazenar até 100 litros de leite por mês, o banco de leite da
unidade tem alcançado, em média, 41,6 litros mensais, distribuídos a cerca de
73 bebês internados, principalmente prematuros. O trabalho é conduzido por uma
equipe técnica especializada e segue protocolos rigorosos, que vão desde a
triagem da doadora até a liberação do leite para os recém-nascidos em
tratamento nas unidades.
Viviane Fernandes, enfermeira
coordenadora do banco de leite do Hospital Maternidade Divino Amor (HMDA),
explica que todo o processo começa com o primeiro contato da puérpera
interessada em doar. “Realizamos uma triagem da doadora, que precisa estar saudável,
amamentando e sem uso de medicamentos contraindicados. Fazemos um cadastro,
entregamos os frascos esterilizados e, a partir desse momento, ela começa a
participar de um grupo de doadoras”, afirma.
O leite pode ser coletado na
própria unidade ou por meio da busca domiciliar. O leite doado só é distribuído
aos bebês após passar por uma análise microbiológica criteriosa. Antes disso, é
submetido a etapas como avaliação físico-química, pasteurização em banho-maria,
resfriamento e quarentena por 48 a 72 horas, para posteriormente ser
distribuído prioritariamente aos prematuros da UTI e médio risco.
Para ampliar a funcionalidade,
ainda com condições de alcançar a capacidade máxima, a gestão municipal tem
investido na sensibilização da população por meio de campanhas permanentes. A
intenção é elevar a média de coleta mensal e manter o banco de leite sempre
abastecido, que costuma receber doações não apenas de mães que estão na própria
maternidade, como também aquelas que são atendidas até mesmo em rede privada.
Dados da Rede Global de Bancos de Leite Humano (rBLH Brasil) mostram que a HMDA
saiu de 40,8 litros coletados em janeiro deste ano para 70,3 em maio de 2025.
De acordo com a prefeita de
Parnamirim, Professora Nilda, as ações como homenagens às doadoras e a
realização de eventos educativos têm papel importante na valorização dessas
mulheres e no incentivo à adesão. “Valorizar as doadoras com homenagens, sessões
solenes e medalhas como ‘Gotas da Vida’ fortalece o sentimento de pertencimento
e reforça o papel social dessas mulheres faz toda a diferença”, ressalta.
Ainda segundo informações da
prefeita Nilda, a Prefeitura também mantém uma parceria com o Corpo de
Bombeiros para facilitar o acesso à coleta domiciliar, além de realizar ciclos
formativos, rodas de conversa e encontros com gestantes para promover o aleitamento
e a doação. “Queremos apoiar e incentivar leis como isenção de taxas de
concursos para doadoras, inclusão no calendário oficial do Agosto Dourado, e
ampliação de reconhecimento institucional e assim motivar novas doadoras”,
explica.
Informações divulgadas pelo
Ministério da Saúde reforçam que o leite materno atua na proteção da criança
contra diarreias, reduz em 13% a mortalidade em crianças menores que cinco
anos, e ainda diminui o risco de desenvolver hipertensão, colesterol alto,
diabetes e obesidade durante a vida adulta. Somente 1 ml de leite já é
suficiente para nutrir um recém-nascido a cada refeição.
“A doação de leite materno só
pode acontecer enquanto a mãe amamenta, ou seja, tem um prazo, e assim,
precisamos de novas doadoras. Esclarecemos que qualquer quantidade é válida e
salva vidas, e que doar inclusive estimula a produção.”, afirma Viviane, coordenadora
do banco de leite da HMDA, reforçando que o pote não precisa estar cheio para
ser levado ao banco de leite.
Para quem deseja ser doadora
do banco de leite em Parnamirim, é possível doar se dirigindo à Avenida Tenente
Medeiros, 145, no Centro da cidade, ou entrar em contato através do (84)
3272-4367. Já em Natal, através da Maternidade Escola Januário Cicco, o funcionamento
é na Av. Nilo Peçanha, 259, no bairro Petrópolis, e dúvidas podem ser
solucionadas através do (84) 3342-5800.
Larissa Duarte
Repórter
Tribuna do Norte

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