O dirigente também avalia que
o desacerto entre Planalto e Câmara, no início deste ano, gerou derrotas para o
governo porque, nos primeiros cinco meses de mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não
puxou para si a articulação com os parlamentares. “Agora, a partir deste final
de maio e início de junho, o presidente tomou consciência de que precisa
participar mais dessas negociações com a Câmara dos Deputados e isso acaba indo
por um bom caminho”, afirma Andrade.
A articulação de Lula, diz
ele, será “fundamental” para que a reforma
tributária caminhe na Câmara. Otimista com a perspectiva de
aprovação da reforma, Andrade diz que tem visto entre os deputados “um
sentimento” favorável à aprovação e defende que o governo trabalhe para
aprová-la até o fim de julho na Câmara.
Ele propõe ainda que o governo
se empenhe em aprovar com celeridade o acordo comercial entre Mercosul-União Europeia, em vez de
insistir em ampliar possibilidades de exceção para compras governamentais (um
ponto que poderia beneficiar a indústria). “O acordo já foi discutido por
muitos e muitos anos, é o momento de virarmos essa página”, defende Andrade.
Em artigo publicado no
Estadão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice-presidente Geraldo
Alckmin, que é também ministro da Indústria, defenderam uma
neoindustrialização, como fio condutor de crescimento econômico. A leitura
feita pelo presidente e pelo vice-presidente sobre os problemas e soluções para
a indústria está correta, na visão do setor?
O mais positivo de tudo é que
pela primeira vez nos últimos anos, talvez décadas, você vê o vice-presidente e
o presidente falarem da retomada da indústria, neoindustrialização. O nome pouco
importa, o que importa é a vontade de fazer a indústria ter uma importância
grande no Brasil. A direção está correta, a de que muita coisa tem que ser feita
nessa parte de crédito, do financiamento para investimentos, as exportações.
Tem muito conteúdo naquele artigo que foi publicado mostrando que a indústria é
que é capaz de fazer o Brasil crescer num patamar adequado, de dar
competitividade ao país perante o mundo. Quando se fala de crédito, é
importantíssimo. Principalmente para as pequenas e médias empresas, o crédito é
fundamental. Quando falamos do financiamento de exportações, é fundamental
também inclusive para as grandes empresas. O Brasil precisa ter uma linha de
crédito para financiamento e também as garantias que são dadas (para obter
crédito). Um fundo garantidor para exportação é fundamental. Nós ficamos
animados quando as duas principais autoridades têm um alinhamento de fazer com
que a indústria volte a ter importância significativa no desenvolvimento do
Brasil.
O sr. fala de crédito. Na
semana passada, a presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza,
Luiza Trajano, disse que “vai ter muita gente quebrada” e cobrou o presidente
do Banco Central, Roberto Campos Neto, pela redução da taxa de juros. À frente
da CNI, o sr. tem recebido muitas demandas dos industriais com reclamações
sobre o atual patamar da taxa de juros?
Todos os setores no Brasil
veem essa taxa de juros extremamente elevada. Não existe no Brasil nenhuma
atividade econômica que possa pagar os juros tão elevados como estamos vendo
hoje. Você chega a pagar entre 20% e 30% ao ano, a depender do tamanho da
empresa. O Copom tem uma visão de redução da inflação, mas existem mecanismos
para conter isso. O mundo inteiro está vendo que existe um processo de
desaceleração da inflação e também de desaceleração da elevação das taxas de
juros. Em alguns países, se aposta na sucessiva redução dessas taxas. O Brasil
precisa fazer isso. O Banco Central tem de olhar outros fatores da economia
brasileira. Concordo com a Luiza Trajano. Quando o varejo fala
que muitas empresas vão quebrar, é prejudicial para a indústria também, porque
o varejo é o nosso mercado.
No Dia da Indústria, o governo
oficializou o lançamento de um pacote para o setor automotivo. Qual avaliação o
sr. faz sobre o impacto do pacote?
Positivo sempre é, mas o
impacto acho que será muito pequeno, porque o que gera impacto no negócio de
automóveis e caminhões é o crédito de prazo longo e a taxa de juros baixa.
Montadoras precisam que o financiamento tenha taxas de juros atrativas para o
consumidor. Além disso, vemos que a população está, em todos os setores,
bastante estrangulada com relação aos recursos financeiros. Você vê o consumo
diminuindo não só na indústria automobilística, mas inclusive na indústria de alimentos. Isso está
acontecendo de maneira geral, porque o Brasil precisa de crédito de médio prazo
com taxas de juros condizentes com a remuneração dos trabalhadores, senão não
vamos ter demanda pelos produtos industriais e também pelos serviços. A
prioridade passa a ser alimentação, e mesmo alguns setores têm tido dificuldade
com seus produtos. A reforma tributária é fundamental, porque hoje o custo para
qualquer empresa é extremamente elevado.
O sr. está otimista com a
perspectiva de aprovação de uma reforma tributária?
Estamos otimistas. O relatório
lido pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) ficou
muito bom, está sendo muito bem avaliado. Existem críticas que vêm de pessoas
que não leram, não analisaram o impacto que pode ter na atividade econômica do
país, mesmo para as regiões do Norte e Nordeste, que têm mais consumo do que
produção. E a redução da burocracia, desse emaranhado que nós temos, vai
realmente melhorar bastante. Estou otimista, porque vejo um movimento na Câmara
que é um sentimento de que os deputados estão compreendendo bastante a
necessidade de aprovação de uma reforma tributária, e o governo está empenhado
nisso também. O que o governo melhor pode fazer neste momento é trabalhar junto
com a Câmara para aprovar essa reforma até o fim de julho.
Nem todos os setores estão tão
satisfeitos quanto o industrial. Ainda há resistências.
A indústria brasileira representa
quase 23% do PIB, mas paga 34% dos impostos federais. O setor da agropecuária - e aí
estou falando de grãos e pecuária, e não da agroindústria - paga muito pouco,
quase nada, e vai continuar praticamente dessa forma. O setor de serviços paga
menos também. O que está sendo colocado é que determinados setores como
educação, saúde não terão elevação da carga tributária. E grande parte das empresas
de serviços está no simples, e também não terá impacto. O primeiro grande
objetivo da reforma é a simplificação e segurança jurídica. Hoje, quase tudo
acaba indo para o Judiciário, e acaba indo para o Supremo. Isso leva anos e anos,
muitas vezes décadas, deixa insegurança para quem tem imposto a pagar, e a
Receita, por sua vez, também não recebe. Vai reduzir enormemente a questão da
sonegação, porque à medida que você simplifica, simplifica também para quem
fiscaliza. O setor de serviços e o setor
agropecuário não serão impactados por uma elevação que vá desestruturar o
setor. As pessoas que estão fazendo esses comentários não estão olhando, por
exemplo, quanto vão passar a ter de crédito. Isso tem de ser considerado.
A articulação do Executivo com
o Congresso tem se mostrado difícil neste início de governo e ameaçado pautas
caras ao Planalto. O quanto isso ainda é um problema em Brasília atualmente?
Realmente, para algumas pautas
importantes para o governo e para a economia, os próprios projetos que o governo
tem colocado, esse desacerto entre governo e Câmara é ruim. Nesses primeiros
cinco meses, faltou um pouco da articulação do próprio presidente da República,
que faz isso com maestria, de entrar nessa discussão. Agora, a partir desse
final de maio e início de junho, o presidente tomou consciência de que precisa
participar mais dessas negociações com a Câmara dos Deputados, e isso acaba
indo por um bom caminho. Temos na Câmara uma liderança bastante forte do
presidente Arthur Lira (PP-AL) e isso é bom, porque precisamos de lideranças
expressivas. Na democracia, os temas têm de ser discutidos, e isso é bom. O
presidente entrando nessa articulação vai fortalecer as pautas importantes para
o governo e que são importantes para todos nós: ajuste fiscal, reforma
tributária. Agora, quando a gente coloca questões como a do Carf, a questão
relativa a pagamento de impostos sobre bens no exterior, elas devem ser bem
discutidas e analisadas. Temos muitas vezes posições muito próximas às do
governo e outras contrárias. Isso faz parte das negociações. Tudo vai cair na
reforma tributária, que vai resolver muitos dos problemas que temos hoje. A
participação do presidente Lula nessa articulação é fundamental para que essas
pautas caminhem na Câmara.
O sr. falou do papel do presidente.
Como tem sido a articulação do setor industrial com o vice-presidente e
ministro da Indústria, Geraldo Alckmin?
Temos tido diversos encontros.
Ele tem muitas qualidades, depois de quatro mandatos no maior Estado do país,
que é um Estado industrializado. Ele está muito consciente da necessidade de
apoio para a neoindustrialização, que é o termo de que ele mais gosta, sabendo
que nós precisamos de crédito, que nós precisamos ter um Plano Safra para a
indústria, financiamento para exportações, acordos internacionais. Ele está
atento e atuante, levando em todos os pronunciamentos essas ideias e propostas
e é muito respeitado na Câmara.
O acordo Mercosul-União
Europeia ainda está emperrado, e o governo Lula aproveita o fato de europeus
terem reaberto discussões neste ano para tentar emplacar mais exceções para as
chamadas compras governamentais. A questão da preferência nacional para compras
públicas, defendida por Lula, em tese beneficiaria a indústria nacional, mas
isso também pode atrasar mais o acordo. Qual deve ser a prioridade do governo?
Eu falei nesta semana com a
presidente da Comissão Europeia, Ursula von der
Leyen, que espero ver esse acordo concluído ainda neste ano. Vai colocar em um
outro patamar todos os setores da economia brasileira. Nós temos a
possibilidade de, com esse acordo, ter acesso a um mercado de mais de 700
milhões de pessoas. Isso é fundamental para nós. O acordo já foi discutido por
muitos e muitos anos, é o momento de virarmos essa página. Precisamos
urgentemente desse acordo. A questão das compras governamentais, que envolve
principalmente a micro e pequena empresa, tem formas de desenvolvermos no
Brasil sem interferência com o que está no acordo Mercosul-UE. Precisamos
avançar no acordo, é fundamental para a economia toda do País. Não temos mais
tempo para ficar discutindo e gastar mais anos e anos. Temos de aproveitar o
momento em que a Europa está mais favorável.
Fora do País há expectativa de
que o atual governo brasileiro olhe para a questão climática como uma
prioridade. A indústria brasileira está preparada para entrar na jornada de
descarbonização e para aproveitar oportunidades nessa área?
A questão climática não é mais
uma opção (para as empresas considerarem), é uma obrigação. O mercado que
consideramos no Brasil, de Europa, Estados Unidos e Canadá, exige que tenhamos
ações concretas com relação à descarbonização e ao meio ambiente. Não só para
exportar, mas começa a ser também uma exigência no Brasil o comprometimento com
as questões ambientais. Mercado de carbono pode ser para
nós um grande ativo nas negociações internacionais. Também na transição
energética, o Brasil é dos que têm energia mais limpa do mundo e temos um
potencial enorme de energia verde, principalmente no Nordeste. Teremos um
mercado enorme na Europa.
Estadão

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