O minério despejado nos rios
entra na cadeia alimentar dos animais e afeta diretamente a saúde das
populações tradicionais, as principais consumidoras desse pescado.
O alerta foi feito por
pesquisadores após a invasão de centenas de garimpeiros na região, nas
proximidades da cidade de Autazes, distante 113 Km de Manaus. Eles formaram uma
"vila flutuante" no local para exploração ilegal de ouro.
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O médico e pesquisador em
Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Paulo Cesar Basta, explicou
ao g1 que o mercúrio
usado pelos garimpeiros afunda no leito do rio e, consequentemente, é consumido
por peixes.
"No fundo do rio, ele
sofre um processo de transformação química mediada por microrganismo. Ele se
transforma numa forma química ainda mais tóxica, o metil mercúrio, e entra na
cadeia alimentar desse pescado", disse.
Mercúrio fica acumulado no
corpo humano
Os povos tradicionais da
Amazônia possuem o hábito alimentar muito marcado pelo consumo de pescado.
Conforme Basta, as comunidades que comem os peixes contaminados todos os dias
também estão sob alto risco de contaminação.
"Quando esse povo
tradicional come o peixe contaminado, ele vai ser absorvido no nosso trato
gastro intestinal e vai entrar na corrente sanguínea, sendo absorvido pelo
corpo. Do jeito que o mercúrio acumula no peixe, ele
também acumula no corpo do ser humano", explicou.
"Se você come diariamente,
duas ou três vezes, peixe contaminado pelo mercúrio, o corpo não tem tempo de
eliminar, e ele vai acumulando. Nisso, ele vai provocando lesões em órgãos,
principalmente no cérebro, rins, fígado, e no coração".
Quais os principais sintomas
nos seres humanos
De acordo com o pesquisador,
em adultos cronicamente contaminados, a pessoa vai ter desde sintomas
sensitivos, até os motores, e também podem causar alterações comportamentais.
Dentre as alterações nos
órgãos de sentido mais comuns estão: diminuição da sensibilidade nas mãos
e pés, deficiência na sensação de calor ou frio, zumbido no ouvido, paladar com
gosto metálico, olfato prejudicado e a visão começa a tubular.
No campo motor, as
pessoas podem sofrer com tremores nas mãos e pés, fraqueza, dificuldade para
segurar copo, subir escada e até ter tontura. As alterações também comprometem
a memória, aprendizado e comportamento, com sintomas de depressão e ansiedade,
por exemplo.
São alterações que muitas
vezes são subclínicas e podem ser confundidas com sintomas de outras doenças.
Em um grau mais grave, que
leva a mortalidade, a maior recorrência é em crianças. "A mulher
grávida, por intermédio do sangue do cordão umbilical, pode transmitir o
mercúrio para o bebê que está em formação na barriga dela. Se as taxas de
contaminação da mãe forem muito altas, a criança pode nascer com sintomas
graves, como má formação, paralisia cerebral e até vir a óbito", alerta.
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Perturbação da vida aquática
O biólogo Jansen Zuanon,
especialista em peixes da Amazônia e doutor em Ecologia, afirma que a invasão
de garimpeiros no rio Madeira prejudica a vida aquática por diversas
razões, desde a pertubação dessa fauna quanto pela contaminação direta da
mesma.
"No momento em que ela
retira os sedimentos do fundo do rio, sugado por uma mangueira, triado ou
filtrado por minérios tóxicos, ele joga um líquido pra dentro da água, onde vão
se formando o que a gente chama de "arrotos de draga", que são
aqueles montes de seixo e areia que ficam acumulados no rio", disse.
Nesse processo, ele suspende o
sedimento do fundo do rio, e acaba deixando a água ainda mais turva. Ele
revolve toda a camada onde os peixes usam para a alimentação, e ainda causa
esse problema pra navegação, por conta desse acúmulo de areia e seixo ao longo
do rio.
Problemas na reprodução e
mortalidade precoce de peixes
O mercúrio metálico, que é a
forma que os garimpeiros usam pra amalgamar o ouro, não é tão prejudicial. O
problema é que, quando ele está no fundo do rio, em condições de pouco
oxigênio, ele se transforma em um composto que é o metil mercúrio.
"Esse metil mercúrio é
absorvido por pequenos animais aquáticos e ele entra na cadeia alimentar. Então
a cada vez que um animal come outros que estão contaminados, ele vai acumulando
mercúrio no seu próprio corpo. Isso faz com que os grandes peixes carnívoros,
por exemplo, os grande bagres, piranhas, tucunarés, acumulem muito
mercúrio", disse.
Há evidências científicas de
que o mercúrio prejudica diretamente os peixes, principalmente atrapalhando na reprodução, causando mortalidade precoce,
deformações e tumores.
"Também
há relatos de problemas neurológicos, e os peixes acabam
morrendo mais rapidamente, porque não consegue se esconder ou se defender de
predadores".
Quanto a diminuição de
populações de peixes, não há estatísticas suficientes para essa afirmação.
"A gente não acompanha como está sendo a quantidade de filhotes que estão nascendo, a idade dos peixes da população que está sendo afetada, se estão morrendo mais cedo ou mais tarde. Se eu não sei o que está acontecendo, não quer dizer que não esteja. Normalmente nossas análises são muito focadas no ser humano", explicou.

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