O setor de pesca de atum do
Rio Grande do Norte enfrenta uma crise. Desde que a sobretaxa de 50% dos
Estados Unidos passou a valer, em agosto, as exportações para o país
norte-americano despencaram em 72%. Em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, Arimar
França Filho, presidente do Sindicato da Indústria da Pesca do Rio Grande do
Norte (Sindipesca-RN) e diretor da Produmar, contou como a indústria sobreviveu
aos últimos três meses e por que, com o início da safra principal, o setor pode
colapsar.
Ele explicou que a crise é agravada pela impossibilidade de exportar para a Europa, principal mercado alternativo, devido a questões sanitárias, desde 2018. Sem acesso ao mercado europeu e com a sobretaxa americana, e considerando a inviabilidade de exportar pescado fresco para a Ásia, o presidente do Sindipesca-RN projeta um futuro negativo para a exportação de atum potiguar. Confira o bate-papo.
Dados do MAIS RN da Fiern apontam que desde agosto, quando começou a valer o tarifaço norte-americano de 50%, houve uma retração de 72% nas exportações do atum para os EUA.
Como o setor tem conseguido sobreviver nos últimos três meses?
Os últimos três meses foram muito complicados para o setor. Algumas empresas
tentaram se adaptar, fizeram manutenção de embarcação, demos férias coletivas e
férias normais. Mas o maior problema é a partir de agora. Esses últimos três
meses foram meio que de adaptação. Como a produção estava na safra menor, a
gente destinou boa parte ao mercado interno, mas foi absorvido.
O problema começa a partir de agora, porque a safra do atum do Rio Grande do
Norte, da pesca de longline, começa em outubro e vai até abril [de 2026]. Agora
acontece a primeira chegada das embarcações com a produção maior. A gente já
está enfrentando muita dificuldade de venda. Esse número, eu acho que chegou a
mais de 80% no último mês, a queda da exportação em relação ao ano passado.
Acho que esses números ainda vão aumentar.
Ainda segundo o levantamento do MAIS RN, a frustração do setor nesse período foi de US$ 2,4 milhões. Quais as consequências desse resultado tão negativo para a economia? O sr. até falou sobre as férias coletivas, mas também houve demissões, por exemplo?
Ainda não houve demissões, mas algumas embarcações não estão saindo ao mar, e
muitas empresas do sindicato estão realmente preocupadas, se vão continuar
pescando ou não, caso o tarifaço continue.
Quais as principais medidas que o setor da pesca vem adotando para driblar a crise?
A gente está tentando realocar o mercado. A gente buscou o mercado asiático,
mas é inviável chegar lá com pescado fresco. O nosso maior problema é que a
gente não tem o mercado europeu. Se a pesca tivesse o mercado europeu, nosso
problema estaria 90% solucionado. Só que, desde 2018, o Brasil é impedido de
exportar para a comunidade europeia.
Porque houve uma barreira sanitária, econômica e política em 2018, e desde
aquela época o governo brasileiro não conseguiu recolocar a pesca, os pescados,
dentro dos produtos que podem ser exportados para a Europa.
E a verdade tem que ser dita: a pesca é o patinho feio do Ministério da
Agricultura. A gente tem a carne, tem o frango, tem o porco, tem a soja, tem
várias coisas, e a pesca sempre é deixada por último.
As medidas adotadas pelos governos estadual e federal têm ajudado de alguma forma? Têm sido suficientes?
Não são suficientes. Têm ajudado algumas empresas. Algumas empresas tiveram
acesso ao crédito. Só que, diferente da época da pandemia, o governo naquela
época avalizou as empresas. Talvez por inadimplência, [agora] ainda não
avalizou.
As empresas que tinham crédito puderam tomar, mas as que não tinham não
tomaram. Isso meio que filtrou as empresas que tiveram acesso. Na pandemia, [o
crédito] foi liberado com o fundo de aval para todo mundo. Agora, não. Foi, mas
dentro dos seus limites de crédito. Isso está inviabilizando muitos setores,
porque tinha empresas que vinham em dificuldade e, com o tarifaço, acabou.
Além das tarifas externas, quais são os principais entraves internos que minam a competitividade da pesca industrial do RN?
Tem uma competitividade. Nosso custo da pesca industrial é muito alto, mas o
problema da informalidade é muito grave. Enquanto nossas despesas são
altíssimas, nossos funcionários são registrados e nossos frigoríficos são
auditados pelo Ministério da Agricultura, pelo Ibama, a informalidade é muito
grande.
No mar, todo mundo tem acesso ao peixe. Só que, quando chega no mercado,
perdemos muita competitividade, entre o que é legal e o que é informal.
Uma novidade para o setor é o leilão do Terminal Pesqueiro de Natal. A expectativa é que a Turc assuma a gestão do terminal ainda neste mês de novembro. Como o sr. vê a importância desse equipamento para o setor da pesca potiguar e que perspectivas enxerga para o terminal nos próximos anos?
Eu acho que tudo que vem para engrandecer e fortalecer o setor é importante. Só
que tem que vir com um conjunto de medidas. Não adianta você ter o
estacionamento se não tem um carro. O Brasil precisa retornar uma política de
construção de embarcações pesqueiras com alta tecnologia e com eficiência.
A gente acredita que a Turc vai fazer um belo trabalho. Não vai ser fácil e não
vai ser tão rápido até tudo se adaptar. Nós já os convidamos para participar do
sindicato. A gente está esperando que a indústria seja aprimorada e organizada
para que eles possam participar do sindicato também.
Como o Sindipesca-RN, em parceria com a Fiern e outras entidades, tem atuado para negociar, buscar soluções e proteger os interesses da indústria da pesca neste cenário de adversidade?
A Fiern tem dado total e irrestrito apoio ao setor. Nós fomos a Washington,
juntamente com o presidente e uma equipe da CNI, em setembro. Foi muito
importante, mas a gente também entendeu que é uma decisão estritamente
política, difícil de ser resolvida que não seja no viés político.
Mas a Fiern tem dado apoio.Apoiou todos os pedidos que a gente fez ao governo
estadual. O governo estadual, dentro de suas limitações, atendeu a gente de
alguma forma, mas o tarifaço está acima do político local e do político até
federal.
Que outras soluções e interesses o setor defende atualmente?
O governo, junto com os seus órgãos de fiscalização, deveria olhar com melhores
olhos para um empresário sério, honesto, trabalhador e gerador de emprego. A
gente sofre muito, o setor de um modo geral, com abuso de autoridade, com abuso
de fiscalização, com excesso de multas, com arbitrariedades e má interpretação
da legislação.
Quando a gente é penalizado de alguma forma, chega a demorar décadas para que a
justiça seja feita. E durante essa década muitas empresas já ruíram e se
acabaram.
O problema é que a pesca, desde 1970, fica pulando. Ela já foi ministério, já
foi secretaria, já foi diretoria, já foi da Sudepe. A gente nunca teve um porto
seguro, como a carne e a soja têm no Ministério da Agricultura. A gente sempre
foi pulando de galho em galho. Agora mesmo, foi aberto o Ministério da Pesca,
super importante. Mas, concomitante a isso, a gestão pesqueira foi transferida
para o compartilhamento com o Ministério do Meio Ambiente.
Não adianta fazer um ministério se ele não tem o poder de decisão, não tem
autonomia. Hoje, por exemplo, a carcinicultura está muito boa, porque ela tem
um mercado interno. E o Brasil não pode importar. Ela está muito bem, mas a
pesca extrativa, de modo geral, no Brasil, está muito difícil. São decisões mal
tomadas.
Ainda sobre o tarifaço, o sr. acredita em um entendimento entre os presidentes Lula e Donald Trump para pôr um ponto final na taxação de 50%?
A gente é sempre da política, da conversa, da negociação. Fomos formados dessa
maneira. Só que o mundo está polarizado. Eu não diria mais nem Lula-Trump. Eu
diria esquerda-direita. Isso está acontecendo, e muitos estão sendo
penalizados.
Eu não estou aqui para julgar quem está certo e quem está errado. Há falha de
todos os lados, nenhum é 100%. Mas o que a gente sente é que o empresário
brasileiro está sendo penalizado. E é muito difícil, porque os Estados Unidos
representam 13% da exportação do Brasil. E o Brasil só representa menos de 1%
da exportação dos Estados Unidos. Então, em grau de comprometimento, o Brasil é
mais fraco.
Caso não haja entendimento entre os dois países, como o sr. projeta o futuro do setor pesqueiro no RN, sobretudo o da pesca de atum?
Quem trabalha com pescados congelados destinados à Ásia vai conseguir
sobreviver. Mas a pesca de atum, que foi constituída visando o mercado europeu
e americano, caso um desses dois mercados não abra, está fadada ao fracasso.
Algumas empresas do Rio Grande do Norte já exportam para a Ásia e para a
própria Oceania. O problema é que o nosso pescado fresco tem um valor
diferente. É destinado ao mercado de sushi e sashimi, na culinária asiática.
Só que, para chegar à Ásia, além do transit time, o tempo de voo, ser muito
longo, o custo do frete é muito alto. Isso inviabiliza a nossa competitividade
frente aos produtos que são produzidos, uma vez que a Ásia é um grande produtor
de pescado, é o maior produtor de pescado mundial.
QUEM
Arimar França Filho é
presidente do Sindicato da Indústria da Pesca do Rio Grande do Norte
(Sindipesca-RN), diretor da empresa Produmar e diretor da Associação Brasileira
da Indústria de Pesca do Brasil (Abipesca). Ele é graduado em Administração
pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e atua na Produmar desde os 17
anos, acompanhando o seu pai, Arimar França, fundador da empresa.
Tribuna do Norte
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