Segundo as respostas reunidas
na pesquisa, os serviços receberam, em média, 360 vítimas do trânsito por mês
nos últimos 6 meses. Isso equivale a dizer que mais de dez pacientes feridos
nesses incidentes foram hospitalizados por dia.
Dois terços desses pacientes
eram motociclistas, segundo a pesquisa. Ao receber alta, 56,7% deles passaram a
conviver com poucas sequelas, e 33,9% sofreram sequelas permanentes.
Em 82% dos casos, essas
vítimas passaram a relatar quadros de dor crônica. Sequelas mais graves,
entretanto, também são frequentes:
69,5% ficam com deformidades;
67,4% permanecem com déficit
motor;
35,8% passam por amputações.
O estudo foi apresentado em
um fórum
sobre o tema promovido pela SBOT na Câmara dos Deputados na quinta-feira (17),
como parte da campanha Na moto, na moral, que busca reduzir a mortalidade
de motociclistas no trânsito.
O presidente da SBOT, Paulo
Lobo, reconhece que a moto é um meio de transporte e de renda para muitos
brasileiros. Ele esclarece, no entanto, que o objetivo da campanha e da
pesquisa é contribuir para um cenário de maior segurança viária.
“Estamos vivendo uma epidemia
de sinistros com motos”, alertou.
Em novembro do ano passado,
Jéssica Santos, de 29 anos de idade, voltava para casa de uma festa na garupa
da moto de um amigo. Quando faltavam apenas 5 minutos para chegar em seu
endereço, no Rio de Janeiro, eles colidiram de frente com outra moto. Jéssica
foi lançada no asfalto, teve ferimentos graves na pelve, fraturou a bacia e
quebrou a mão esquerda.
Ao ser socorrida, ela passou
por uma primeira cirurgia de urgência no Hospital Municipal Salgado Filho, na
zona sudoeste do Rio de Janeiro, onde passou mais 3 dias internada antes de ser
transferida para o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into).
Quase 1 ano após o ocorrido,
Jéssica ainda não recuperou a mobilidade da mão fraturada e enfrenta sequelas
principalmente na região da bacia.
“Hoje em dia, faço
fisioterapia para poder recuperar os movimentos. Recuperei cerca de 70%, mas
ainda não tenho força na mão. Ainda sinto bastante dor na bacia, sinto dores na
pelve, na virilha e no cóccix, onde tenho um parafuso de titânio. E tenho uma colostomia
que ainda não posso reverter”, disse.
Perfil das vítimas
O estudo traça um perfil das
vítimas de sinistros com motocicletas atendidas nos serviços de ortopedia:
72,8% eram homens;
40,7% tinham entre 20 e 29
anos;
64% eram motociclistas;
23,2% estavam na garupa;
10,9% eram pedestres;
29,2% tinham ingerido álcool;
16% usaram outras drogas;
47,1% dos sinistros foram
colisões com automóveis;
44,5% foram quedas.
Cirurgias
Assim como Jéssica, em muitos
casos, essas vítimas precisam de cirurgias para o tratamento dos ferimentos. Os
profissionais entrevistados informaram que os serviços de ortopedia em que
trabalham realizam, por mês, uma média de 45 cirurgias de baixa complexidade,
58 de média complexidade e 43 de alta complexidade em vítimas dos sinistros com
motocicletas.
Essa demanda impactou de forma
relevante a programação desses serviços de saúde nos últimos 6 meses. Segundo
a pesquisa, os sinistros de trânsito foram a principal causa da média de 18
cirurgias eletivas adiadas por mês para atender a casos inesperados nesses
hospitais.
Os dados mostram que até mesmo
cirurgias de emergência precisaram ser canceladas para que casos mais urgentes
envolvendo vítimas de sinistros de trânsito pudessem ser tratados. Nesse caso,
foram oito cancelamentos por mês, em média.
A maior parte dessas vítimas é
operada em menos de uma semana (60%) e passa menos de uma semana após a
cirurgia internada (71,6%).
Ainda assim, é alto o
percentual dos que passam mais tempo no hospital: 31% esperam entre 7 e 15 dias
pela cirurgia, e 8% esperam mais de 15 dias. Já no pós operatório, 16,8%
ficam até 15 dias internadas e 11,6% ficam entre 15 e 30 dias em um leito hospitalar.
Perfil das lesões
A maior parte desses pacientes
requer cuidados de média (43,2%) ou alta complexidade (32,6%), segundo a
pesquisa.
"As lesões traumáticas
estão mais complexas. Não são mais simples fraturas, são realmente explosões de
articulações e poli fraturados", explica o ortopedista Marcos Musafir, que
apresentou o estudo durante o fórum.
Mais da metade das lesões
(51,4%) acomete os membros inferiores desses pacientes, mas um em cada cinco
também tem lesões nos membros superiores (22,8%) e na coluna vertebral (22,8%).
Com ferimentos abertos e
expostos ao asfalto e ao ambiente, esses pacientes apresentam infecções
pós-operatórias em 6,5% dos casos e precisam ser reinternados em 12,9%.
Propostas
O coordenador de Engenharia da
Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), Marco Antônio Motta, informou que
está em desenvolvimento um programa nacional de segurança de motociclistas,
para o qual estão abertas sugestões até 29 de setembro, por meio da Plataforma Brasil.
Motta revelou que está em fase
experimental o projeto de faixas azuis, exclusivas para motociclistas, em 50
trechos de cinco cidades brasileiras: São Paulo, Santo André, São Bernardo do
Campo, Salvador e Recife. Essa etapa deve se estender até 31 de março do ano
que vem.
“A partir desse momento, vamos
fazer a avaliação do projeto. Se a Senatran considerar viável, vai propor uma
minuta de resolução ao Contran [Conselho Nacional de Trânsito], e os municípios
interessados em implantar poderão fazê-lo dentro dos parâmetros técnicos”,
explicou.
Representante do Conselho
Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde (Conass) no fórum, Leonardo Vilela
ressaltou a urgência de reduzir o impacto causado pelo problema dos sinistros
de trânsito com motocicletas e defendeu que é preciso reduzir os incentivos
fiscais à cadeia de produção desses veículos e tornar mais barato e acessível o
processo de habilitação de condutores.
“Além do prejuízo humano, das
mortes, ferimentos e sequelas, o prejuízo econômico que existe é muito grande,
com o dano material dos veículos envolvidos, as pessoas paradas sem produzir e
receber salário, o custo que gera para o sistema de saúde, o custo que gera
para a previdência social, com aposentadorias e auxílios-doença”,
descreveu.
“Causa espanto que a
motocicleta, que é o grande responsável por esses sinistros, seja subsidiada”,
disse.
Para o diretor-executivo do
Sindicato dos Empregados Motociclistas do Estado do Rio de Janeiro
(Sindmoto-RJ), Marcelo Matos, é necessário ampliar as campanhas de
conscientização sobre segurança viária na condução de motocicletas e cobrar
mais garantias aos motociclistas de aplicativos, que hoje trabalham sem
vínculos empregatícios.
“Tem que fazer uma campanha
massiva para mostrar os riscos das motocicletas. Hoje, infelizmente, você vê
uma molecada de chinelo, andando sem habilitação e trabalhando com conta fake.
E o resultado disso são hospitais ortopédicos lotados. E as empresas não têm
preocupação quanto a isso. Se um se acidentar, tem 1 mil para colocar no lugar
dele”, defendeu.
Matos aponta que, desde a
chegada dos aplicativos de entrega, em 2014, e de mototáxi, a partir de 2020,
houve uma explosão da frota de motocicletas e do contingente de trabalhadores
plataformizados.
Motociclista há 34 anos, ele
conta que, hoje, aos 55 anos de idade, sofre com dores na lombar e na cervical,
e se preocupa que a geração que trabalha muito mais horas diariamente em
plataformas, sem direito a férias ou seguridade social, terá ainda mais lesões
causadas pelo trabalho e os acidentes.
“Muitos que eram de outras
atividades migraram para a nossa, sem qualificação nem habilitação. Eles não
têm seguridade nenhuma e muitos não pagam nem o MEI [microempreendedor
individual]”, alerta.
“Os jovens estão ficando
sequelados e sem direito a nada. E quem segura? É a família, é o amigo mais
próximo. O cenário é muito triste, e o problema é crescente. O poder público
precisa tomar uma posição enérgica quanto a isso”, reivindica.
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