Após quase dez anos, o espaço
de participação social em torno da igualdade de gênero reunirá cerca de 4 mil
participantes, entre delegadas, convidadas, observadoras, representantes da
sociedade civil e expositores da feira de economia solidária.
A etapa nacional é resultado
da mobilização que percorreu todo o país desde abril deste ano.
Na pauta de debates, as
questões centrais são o enfrentamento às desigualdades sociais, econômicas e
raciais; combate à violência contra as mulheres; aumento das mulheres em
espaços de poder e decisão; fortalecimento das políticas de cuidado e de autonomia
econômica; saúde, educação e assistência social; o fim da escala 6x1
e direitos reprodutivos, entre outras.
Saiba todos os temas das propostas elaboradas nas
etapas preparatórias da conferência, que serão debatidos em grupos simultâneos
durante a 5ª CNPM.
A Agência Brasil entrevistou
a ministra das Mulheres, Márcia Lopes, que falou sobre as demandas atuais e o
processo de construção coletiva de políticas públicas.
Agência Brasil - Qual
o significado da retomada da Conferência para as Mulheres após esse hiato
de quase uma década?
Márcia Lopes - Em 2016,
depois da 4ª Conferência Nacional, vem um governo que desmobiliza e desautoriza
toda relação democrática e federativa. Houve um claro desfinanciamento das
políticas públicas, os ministérios importantes foram extintos e não houve espaço
para debate, para críticas e participação, mas uma clara decisão e
intenção de acabar com as conferências, com os conselhos, com a participação
social. Então, essa é a diferença desta nova edição do encontro. Nós tínhamos
um contexto político muito pesado do ponto de vista da própria construção
histórica do Brasil.
Com a interrupção das
conferências, que é um processo que envolve municípios, regiões, estados e o
nível federal, nós vivemos um silenciamento coletivo das mulheres.
Em 2023, tivemos a
criação do Ministério das Mulheres. Então, é uma posição muito clara de um
projeto político onde as mulheres têm a centralidade.
Agência Brasil - Qual a
expectativa para o encontro?
Márcia Lopes - Vamos ter
um contexto muito otimista para as mulheres ocuparem esse espaço que é tão
importante. Um espaço de luta, de esperança, de visão do futuro.
Somos 110 milhões de mulheres
no país e mulheres que vivem essa contradição da capacidade de reação, de
participação, de construção, de resistência e, ao mesmo tempo, ainda da
submissão ao machismo e a tantas formas de violência que são inadmissíveis. Então,
agora, as mulheres vêm ávidas por participar, por ter voz, por ter vez, por ter
voto. E isso aconteceu nas conferências municipais e estaduais.
Agência Brasil - Como foi
a construção desse evento nacional a partir das conferências estaduais e
municipais e das interações na plataforma "Brasil Participativo"?
Márcia Lopes - Nós
tivemos quase mil conferências livres, onde os próprios grupos foram se
organizando para tratar de temas que diziam respeito a eles. Mulheres
jornalistas, mulheres idosas, mulheres com deficiência, mulheres negras,
quilombolas, as LGBTs [lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros]. Agora,
estamos trazendo quase 1,3 mil mulheres das conferências livres, além de todas
as outras que os municípios e estados enviaram como representantes..
Em quatro meses, andei por 16
estados e a nossa equipe [do MMulheres] participou das conferências
estaduais que foram muito importantes, representativas, com mulheres de todos
os segmentos, de todos os setores. E essa é a expressão da identidade do país.
A 5ª Conferência já sai
vitoriosa do ponto de vista da motivação, da mobilização, dessa busca por uma
construção coletiva de agendas comuns que respondam à vida das mulheres, seja
do ponto de vista do protagonismo, da participação, do pertencimento, seja do
ponto de vista do enfrentamento das graves violências que as mulheres ainda
sofrem.
Agência Brasil - Por que
é tão importante a realização de uma conferência nacional com representação de
mulheres diversas?
Márcia Lopes - Uma coisa
são os movimentos sociais, os municípios realizarem atividades, se reunirem em
grupos, em setores. Outra coisa é de fato oportunizar a mobilização social,
organizar uma agenda comum de debates, de reflexões, de construção de propostas
para aquilo que nós precisamos no Brasil, que é sempre uma política nacional de
mulheres que olhe para todas as realidades e para toda a grande diversidade que
temos no país.
Quando voltou o governo
democrático popular, nós tivemos essa possibilidade de retomar o diálogo, a
organização, a mobilização, a aproximação de todas, com muitas interações.
Agência Brasil - Quais
são os maiores desafios na implementação de políticas públicas para mulheres no
Brasil?
Márcia Lopes - O
primeiro desafio que se coloca é que o Brasil é um país muito grande.
Nós temos um pacto federativo,
mas temos também uma relação muito respeitosa às diferenças. Por isso, quanto
mais as lideranças -- sejam parlamentares, sejam do Executivo -- forem unânimes
em abraçar a causa das mulheres, as propostas, a política nacional,
serão melhores. Mas, temos que construir esses processos política e
coletivamente. De outro lado, temos tudo aquilo que depende da relação do
Estado com a própria sociedade civil, com o setor empresarial.
Agência Brasil - Quais
temas devem ser mais debatidos durante a conferência?
Márcia Lopes - Por
exemplo, a Lei da Igualdade Salarial. Se o setor privado assumisse a lei
prontamente, porque tem que ser cumprida sob pena de punição, de multa, as
mulheres não só se empoderariam, como teriam muito mais autonomia econômica,
financeira, para cuidar da sua família, para enfrentar os dilemas do próprio
machismo que vivemos ainda.
Temos que enfrentar o desafio
orçamentário. Não é porque muda um presidente que, imediatamente, as coisas
também passam a funcionar de forma diferente, até porque o Congresso, hoje, tem
outro poder, com a instituição do orçamento secreto, das emendas impositivas e
a alocação dos recursos que são públicos. A correlação de forças mudou. Isso
exige mais negociação, mais compreensão, mais compromisso, mais pressão da
própria sociedade para que os recursos sejam alocados onde devem ser.
Temos também a lei que criou a
Política Nacional de Cuidados e que precisa, agora, ser regulamentada. Para o
Plano Nacional de Política de Cuidados ser instituído tem que haver
acordo entre todas as políticas, porque a saúde, educação, assistência social,
cultura, agricultura, incluem cuidados. Mas é preciso incorporar
especificidades, programas específicos nessa área. Por exemplo, as
universidades podem ter cuidotecas à noite para as mulheres poderem estudar e
saber que os seus filhos estão ali cuidados. Não se trata de creche, mas de um
espaço de acolhimento e de cuidado.
Na saúde, temos a questão do
atendimento domiciliar e o cuidado com as mulheres vítimas de câncer, a questão
da saúde mental, uma demanda imensa das mulheres. Que o Programa Nacional de
Saúde Mental seja, de fato, universalizado.
Nós estamos apostando muito no
Plano Nacional de Política de Cuidados -- que deve ser construído também de
forma interfederativa, ou seja, nos níveis federal, estadual e
municipal. Tenho certeza que a própria conferência vai tratar disso.
Nós temos políticas públicas
incríveis, que são referências para o mundo, mas precisamos dar uma escala
nacional para que cheguem a todas as mulheres, de grandes municípios, de
capitais e de municípios que têm até 5 mil habitantes.
Agência Brasil - Quais
são as estratégias para aprimorar a Rede de Proteção à Mulher, coordenada pelo
Ministério das Mulheres, para, efetivamente, reduzir a violência de gênero e
zerar o feminicídio nos próximos anos?
Márcia Lopes - Na rede de
enfrentamento à violência [contra a mulher], o ministério tem o programa da
Casa da Mulher Brasileira ou os centros de Referência da Mulher
Brasileira, que integram todos os serviços. Mas um programa desse custa
caro. Primeiramente para construir. Obra que integra o Ministério Público, a
Defensoria Pública, a Patrulha Maria da Penha, delegacias, o Instituto
Médico-Legal (IML) E para que a mulher seja atendida nele, tem sempre uma
equipe de assistente social, psicólogo, advogado, para acolher, para receber as
mulheres. Por isso, temos que ter recursos para ampliá-lo, visto que há grande
demanda nessa rede de proteção às mulheres vítimas de violência. A própria Lei
Maria da Penha que, quanto mais executada, melhor, obviamente com resultados
para a vida das mulheres.
Agência Brasil - Como os
debates na conferência nacional podem combater a precarização do trabalho,
cobrar o cumprimento da lei da igualdade salarial e tratar da redução da
jornada e do fim da escala 6X1?
Márcia Lopes - As
mulheres querem, podem e têm total condição de integrar o processo de
desenvolvimento econômico e social sustentável do país. As mulheres têm
assumido esse espaço em todos os setores da vida pública e privada. O
que queremos é que haja igualdade salarial. Já existem a lei, os
relatórios e o que precisamos, de fato, é que o setor privado cumpra a lei sob
pena de pagar multa.
Vamos ter de encontrar
outras formas de mobilizar a sociedade e os empresários para que entendam
as condições de trabalho necessárias para as mulheres, seja a licença
maternidade, os espaços de cuidado nas empresas e segurança para que não sofram
assédio moral, sexual, que se sintam plenas, íntegras e livres.
Rotineiramente, além de tudo
que as mulheres realizam, produzem, prestam de serviços, elas ainda têm que se
preocupar com a sua proteção, com ofensas, xingamentos, atitudes grosseiras,
violências no seu espaço de trabalho. Elas não têm que viver esses dramas.
Agência Brasil - A
pluralidade de vozes é o grande trunfo da 5ª Conferência?
Márcia Lopes - Digo que 4
mil mulheres encantarão a Esplanada dos Ministérios nestes três dias em
Brasília. Como nós que estivemos nas conferências em todos os estados deste
país e observamos essa garra, a gana de participação, essa vontade que as
mulheres têm de falar, serem ouvidas.
Apesar de serem, muitas vezes,
inferiorizadas, exploradas em todos os sentidos, elas ganham essa força. Força
que vem de uma solidariedade que não é defendida individualmente. Mas é sempre
uma defesa coletiva, das suas famílias, dos seus entornos, da sua vizinhança,
do seu local de trabalho, da sua comunidade, cidade, estado, país. Enfim, as
mulheres têm essa capacidade.
No Ministério [das Mulheres]
temos vários fóruns: das mulheres pescadoras, quebradoras de coco-babaçu, as
mulheres LGBTs, trans, as mulheres idosas, as pessoas com deficiência, as
mulheres do hip-hop, as indígenas, as da área rural, empresárias, as sindicalistas.
A gente vai aprendendo com essas identidades, esses modos de vida. Não há
dúvida de que esta conferência poderá ouvir todas essas vozes. Penso que essa
pluralidade de vozes vai fortalecer um projeto de nação.
Agência Brasil - Como as
propostas aprovadas durante a 5ª CNPM podem resultar em políticas públicas, em
sintonia com as atuais demandas e a diversidade das mulheres do Brasil?
Márcia Lopes - A partir
desta conferência, vamos construir outro processo ainda mais coletivo: o Plano
Nacional de Políticas para as Mulheres atualizado, de acordo com o momento
que vivemos. Estou certa de que será um plano democrático, que defenda a
soberania do país, a autonomia das mulheres, a participação delas em todos os
campos, em todos os âmbitos do conhecimento, da ciência e de tudo daquilo que
se projeta para o futuro.
Programação
A abertura oficial da 5ª
Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (5ª CNPM) está marcada para
10h (horário de Brasília) no Centro Internacional de Convenções do Brasil
(CICB), com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da ministra das
Mulheres, Márcia Lopes, além de outras autoridades governamentais e
representantes dos poderes Legislativo e Judiciário, lideranças sociais e
políticas.
Durante três dias, as
participantes poderão acompanhar painéis temáticos, espaços de diálogo,
plenária final com deliberação das propostas, além de atividades culturais,
feira de economia solidária e tenda de debates e ações voltadas à justiça
climática e de gênero.
Confira a programação completa
da 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres.
Mobilização
O Ministério das Mulheres
contabiliza mais de 156 mil mulheres participantes das conferências municipais,
regionais, estaduais, distrital e livres.
Ao todo, 3.831 representantes
estão credenciadas para o encontro nacional.
Agência Brasil
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