“Essa forma de conduzir reduz
a importância da construção partidária, esvazia o papel das lideranças e
desconsidera a tradição participativa que foi o maior patrimônio do PT ao longo
das últimas décadas”, diz Prates, que adiantou: “Não é uma questão de ressentimento
pessoal, mas de método: deixar de ouvir lideranças é um erro estratégico”.
“Raimundocracia” tem aval da governadora ou é projeto pessoal?
Não personalizo a crítica à governadora, mas constato que um método se instalou
no governo e no partido: decisões concentradas em torno do senhor Raimundo
Alves, à revelia do debate orgânico e das discussões coletivas que sempre
caracterizaram o PT. Essa forma de conduzir reduz a importância da construção
partidária, esvazia o papel das lideranças e desconsidera a tradição
participativa que foi o maior patrimônio do PT ao longo das últimas décadas. O
campo progressista no Rio Grande do Norte sempre se fortaleceu quando abriu o
diálogo, construiu consensos e acolheu diferentes correntes de opinião
internas. Ao centralizar em uma única figura escolhas que deveriam nascer do
debate coletivo, o partido não apenas empobrece sua estratégia eleitoral, como
também corre o risco de se afastar da sociedade. A defesa que faço é simples e
clara: precisamos de um processo transparente, com consultas reais às bases, às
lideranças sociais e políticas, porque só assim se constrói um projeto sólido e
com legitimidade junto ao povo do Rio Grande do Norte.
Traição política ou disputa natural por espaço?
Não utilizo a palavra “traição” porque isso pressupõe uma leitura pessoal e
moral do processo. O que ocorreu foi uma ruptura com as práticas democráticas
internas. Houve, ao longo dos últimos anos, um esvaziamento deliberado do
diálogo e, em certos momentos, uma verdadeira “expulsão tácita” do debate
partidário. Eu registrei isso publicamente porque acredito que a política não
pode ser feita no silêncio dos gabinetes, mas à luz do debate público. Sigo
defendendo um projeto para o Rio Grande do Norte que esteja acima das
conveniências de grupos e que seja guiado pelo compromisso com a sociedade. Não
é uma questão de espaço individual, mas de preservar um método democrático que
fortaleça o campo progressista e garanta representatividade às diversas vozes
do estado.
Centralização é desvio local ou tendência nacional no PT?
Acredito que se trata de um desvio local, agravado por métodos de comando pouco
colegiados. O PT nacional tem, sim, desafios internos, mas também uma longa
tradição de congressos, encontros, debates de base. No Rio Grande do Norte,
infelizmente, esse espírito foi sendo substituído por um centralismo excessivo.
Isso é nocivo porque reduz a pluralidade, empurra aliados para fora do campo e
limita a capacidade de construir chapas competitivas. O RN precisa recuperar a
cultura de debate amplo e franco. Sem democracia interna, o partido perde a
vitalidade que o fez crescer e governar com legitimidade o Rio Grande do Norte.
O senhor se sente descartado ou boicotado pelo PT?
O que sinto é que fui afastado dos processos decisórios e, muitas vezes,
simplesmente ignorado. Isso mesmo apesar da minha contribuição como senador,
presidente da Petrobras, candidato a prefeito de Natal e militante construindo
o partido sempre em diálogo por todo o estado defendendo nossas bandeiras e
projetos com a população e os políticos locais. Quando deixaram de me chamar
para discutir o futuro de 2026, registrei publicamente a sensação de “expulsão tácita”.
Não é uma questão de ressentimento pessoal, mas de método: deixar de ouvir
lideranças é um erro estratégico. Continuo, entretanto, à disposição do Rio
Grande do Norte, com ou sem PT. Meu compromisso, fundamentalmente, é com o Rio
Grande do Norte e nosso povo, não com cargos ou mandatos.
Foi afastado por ter opinião própria?
A minha independência sempre foi pública, leal e coerente. Sempre expus
opiniões técnicas e estratégicas pensando no coletivo, e não em projetos
pessoais. Se isso passou a ser visto como um problema, isso diz mais sobre quem
teme o debate do que sobre mim. Liderança não se mede por obediência
irrestrita, mas por resultados, por capacidade de construir consensos e por
coragem de defender ideias, mesmo quando elas não são as mais fáceis. A
política se empobrece quando confunde disciplina com silêncio e lealdade com
submissão.
Mantém o projeto ao Senado em 2026, mesmo fora do PT?
Sim, mantenho o projeto. Coloquei meu nome à disposição do povo potiguar e sigo
avaliando o melhor caminho para representar o estado no Senado. O meu foco é
construir alianças amplas e um programa claro para o desenvolvimento do RN.
Quero tratar com prioridade temas estratégicos como energia, infraestrutura,
segurança jurídica, mas também dar atenção especial ao cotidiano das cidades.
Mobilidade urbana e elétrica, bem-estar urbano, educação técnica e planejamento
para os municípios são áreas que precisam de representação séria no Senado. A
política não pode se limitar às disputas nacionais; é preciso levar para
Brasília as demandas concretas da população potiguar.
Há conversas com outros partidos?
Sim, há conversas em andamento. Recebi convites de diferentes partidos e estou
conduzindo diálogos respeitosos com pelo menos quatro siglas: PDT, MDB, PV e
PCdoB. Recentemente, a Rede e o PSOL também sinalizaram interesse e estamos
construindo encontros. A decisão será tomada com serenidade, ouvindo lideranças
estaduais e nacionais. Não se trata apenas de escolher uma legenda, mas de
avaliar quem está disposto a construir um projeto para o Rio Grande do Norte e
quem tem a capacidade de influenciar o debate nacional. O momento exige
responsabilidade e visão de futuro.
Cabe um novo campo progressista no RN, fora da estrutura atual do PT?
Cabe, sim. Um campo plural, programático, aberto ao diálogo com a esquerda e
também com setores do centro reformista. Um espaço que recupere a democracia
interna, atraia a juventude, os movimentos sociais, os empreendedores, e que
tenha coragem de se renovar. A nova esquerda não pode se limitar a arranjos de
cúpula; precisa apresentar projetos concretos para modernizar as estruturas do
Estado, acolher as novas relações trabalhistas, encarar de frente o problema da
segurança pública e se preparar para uma economia cada vez mais digitalizada e
eletrificada. Esse é o debate que quero ajudar a construir: uma esquerda do
século XXI, capaz de dialogar com o presente e preparar o futuro. E isso não é
somente discutido em nível nacional, precisa começar a partir das demandas de
cada cidadão, município e estado.
Em 2022 (Carlos Eduardo) foi um erro que fortaleceu a direita? O PT repete o equívoco?
Aquela estratégia dividiu o campo progressista e teve um custo político nítido
e muito alto. A aliança feita em 2022 não foi fruto de um debate com a
sociedade, mas de um arranjo de cúpula, e o resultado foi fortalecer a direita.
Repetir esse modelo em 2026, sem debate, sem projeto consistente, ou apenas por
conveniência de lideranças, é colocar novamente a direita em posição de
vantagem. Precisamos aprender com o que ocorreu e construir alternativas
legítimas, com base social e programática. Só assim poderemos enfrentar as
forças conservadoras e promover um melhor debate em nosso estado.
Qual sua opinião sobre Cadu Xavier como candidato ao governo pelo PT?
Tenho enorme respeito e admiração pelo secretário Cadu Xavier. Reconheço sua
competência e trajetória. Mas discordo do método: nomeações lançadas sem
discussão ampla soam como “balão de ensaio” e fragilizam a coalizão que
sustenta o governo e o futuro eleitoral. O correto seria abrir um processo
transparente, ouvindo as bases, os aliados e avaliando diferentes cenários. É
preciso considerar o papel do vice-governador Walter Alves, o lugar de outras
lideranças e a necessidade de formar uma chapa competitiva. O PT, se quiser
manter protagonismo, não pode repetir o erro de impor candidaturas de cima para
baixo. Política não se faz por anúncios apressados, mas pela construção de
consensos duradouros.
Tribuna do Norte

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