sábado, 27 de setembro de 2025

Jean Paul anuncia frente para derrotar “projeto de gabinete”

Praticamente afastado do PT, o ex-senador Jean Paul Prates, 57 anos, trabalha a sua pré-candidatura a senador da República nas eleições de 2026 com outros partidos de esquerda – PDT, PV, e PCdoB, Rede e o PSOL e até mesmo do “centrão”, como o MDB. Depois de disputar as eleições de prefeito de Natal em 2020 e tentar a suplência para o Senado em 2022, Jean Paul lamenta que as decisões internas do PT estejam concentradas em torno do chefe do Gabinete Civil do governo Fátima Bezerra, Raimundo Alves, “à revelia do debate orgânico e das discussões coletivas que sempre caracterizaram o PT”.

“Essa forma de conduzir reduz a importância da construção partidária, esvazia o papel das lideranças e desconsidera a tradição participativa que foi o maior patrimônio do PT ao longo das últimas décadas”, diz Prates, que adiantou: “Não é uma questão de ressentimento pessoal, mas de método: deixar de ouvir lideranças é um erro estratégico”.

“Raimundocracia” tem aval da governadora ou é projeto pessoal?

Não personalizo a crítica à governadora, mas constato que um método se instalou no governo e no partido: decisões concentradas em torno do senhor Raimundo Alves, à revelia do debate orgânico e das discussões coletivas que sempre caracterizaram o PT. Essa forma de conduzir reduz a importância da construção partidária, esvazia o papel das lideranças e desconsidera a tradição participativa que foi o maior patrimônio do PT ao longo das últimas décadas. O campo progressista no Rio Grande do Norte sempre se fortaleceu quando abriu o diálogo, construiu consensos e acolheu diferentes correntes de opinião internas. Ao centralizar em uma única figura escolhas que deveriam nascer do debate coletivo, o partido não apenas empobrece sua estratégia eleitoral, como também corre o risco de se afastar da sociedade. A defesa que faço é simples e clara: precisamos de um processo transparente, com consultas reais às bases, às lideranças sociais e políticas, porque só assim se constrói um projeto sólido e com legitimidade junto ao povo do Rio Grande do Norte.

Traição política ou disputa natural por espaço?

Não utilizo a palavra “traição” porque isso pressupõe uma leitura pessoal e moral do processo. O que ocorreu foi uma ruptura com as práticas democráticas internas. Houve, ao longo dos últimos anos, um esvaziamento deliberado do diálogo e, em certos momentos, uma verdadeira “expulsão tácita” do debate partidário. Eu registrei isso publicamente porque acredito que a política não pode ser feita no silêncio dos gabinetes, mas à luz do debate público. Sigo defendendo um projeto para o Rio Grande do Norte que esteja acima das conveniências de grupos e que seja guiado pelo compromisso com a sociedade. Não é uma questão de espaço individual, mas de preservar um método democrático que fortaleça o campo progressista e garanta representatividade às diversas vozes do estado.

Centralização é desvio local ou tendência nacional no PT?

Acredito que se trata de um desvio local, agravado por métodos de comando pouco colegiados. O PT nacional tem, sim, desafios internos, mas também uma longa tradição de congressos, encontros, debates de base. No Rio Grande do Norte, infelizmente, esse espírito foi sendo substituído por um centralismo excessivo. Isso é nocivo porque reduz a pluralidade, empurra aliados para fora do campo e limita a capacidade de construir chapas competitivas. O RN precisa recuperar a cultura de debate amplo e franco. Sem democracia interna, o partido perde a vitalidade que o fez crescer e governar com legitimidade o Rio Grande do Norte.

O senhor se sente descartado ou boicotado pelo PT?

O que sinto é que fui afastado dos processos decisórios e, muitas vezes, simplesmente ignorado. Isso mesmo apesar da minha contribuição como senador, presidente da Petrobras, candidato a prefeito de Natal e militante construindo o partido sempre em diálogo por todo o estado defendendo nossas bandeiras e projetos com a população e os políticos locais. Quando deixaram de me chamar para discutir o futuro de 2026, registrei publicamente a sensação de “expulsão tácita”. Não é uma questão de ressentimento pessoal, mas de método: deixar de ouvir lideranças é um erro estratégico. Continuo, entretanto, à disposição do Rio Grande do Norte, com ou sem PT. Meu compromisso, fundamentalmente, é com o Rio Grande do Norte e nosso povo, não com cargos ou mandatos.

Foi afastado por ter opinião própria?

A minha independência sempre foi pública, leal e coerente. Sempre expus opiniões técnicas e estratégicas pensando no coletivo, e não em projetos pessoais. Se isso passou a ser visto como um problema, isso diz mais sobre quem teme o debate do que sobre mim. Liderança não se mede por obediência irrestrita, mas por resultados, por capacidade de construir consensos e por coragem de defender ideias, mesmo quando elas não são as mais fáceis. A política se empobrece quando confunde disciplina com silêncio e lealdade com submissão.

Mantém o projeto ao Senado em 2026, mesmo fora do PT?

Sim, mantenho o projeto. Coloquei meu nome à disposição do povo potiguar e sigo avaliando o melhor caminho para representar o estado no Senado. O meu foco é construir alianças amplas e um programa claro para o desenvolvimento do RN. Quero tratar com prioridade temas estratégicos como energia, infraestrutura, segurança jurídica, mas também dar atenção especial ao cotidiano das cidades. Mobilidade urbana e elétrica, bem-estar urbano, educação técnica e planejamento para os municípios são áreas que precisam de representação séria no Senado. A política não pode se limitar às disputas nacionais; é preciso levar para Brasília as demandas concretas da população potiguar.

Há conversas com outros partidos?

Sim, há conversas em andamento. Recebi convites de diferentes partidos e estou conduzindo diálogos respeitosos com pelo menos quatro siglas: PDT, MDB, PV e PCdoB. Recentemente, a Rede e o PSOL também sinalizaram interesse e estamos construindo encontros. A decisão será tomada com serenidade, ouvindo lideranças estaduais e nacionais. Não se trata apenas de escolher uma legenda, mas de avaliar quem está disposto a construir um projeto para o Rio Grande do Norte e quem tem a capacidade de influenciar o debate nacional. O momento exige responsabilidade e visão de futuro.

Cabe um novo campo progressista no RN, fora da estrutura atual do PT?

Cabe, sim. Um campo plural, programático, aberto ao diálogo com a esquerda e também com setores do centro reformista. Um espaço que recupere a democracia interna, atraia a juventude, os movimentos sociais, os empreendedores, e que tenha coragem de se renovar. A nova esquerda não pode se limitar a arranjos de cúpula; precisa apresentar projetos concretos para modernizar as estruturas do Estado, acolher as novas relações trabalhistas, encarar de frente o problema da segurança pública e se preparar para uma economia cada vez mais digitalizada e eletrificada. Esse é o debate que quero ajudar a construir: uma esquerda do século XXI, capaz de dialogar com o presente e preparar o futuro. E isso não é somente discutido em nível nacional, precisa começar a partir das demandas de cada cidadão, município e estado.

Em 2022 (Carlos Eduardo) foi um erro que fortaleceu a direita? O PT repete o equívoco?

Aquela estratégia dividiu o campo progressista e teve um custo político nítido e muito alto. A aliança feita em 2022 não foi fruto de um debate com a sociedade, mas de um arranjo de cúpula, e o resultado foi fortalecer a direita. Repetir esse modelo em 2026, sem debate, sem projeto consistente, ou apenas por conveniência de lideranças, é colocar novamente a direita em posição de vantagem. Precisamos aprender com o que ocorreu e construir alternativas legítimas, com base social e programática. Só assim poderemos enfrentar as forças conservadoras e promover um melhor debate em nosso estado.

Qual sua opinião sobre Cadu Xavier como candidato ao governo pelo PT?

Tenho enorme respeito e admiração pelo secretário Cadu Xavier. Reconheço sua competência e trajetória. Mas discordo do método: nomeações lançadas sem discussão ampla soam como “balão de ensaio” e fragilizam a coalizão que sustenta o governo e o futuro eleitoral. O correto seria abrir um processo transparente, ouvindo as bases, os aliados e avaliando diferentes cenários. É preciso considerar o papel do vice-governador Walter Alves, o lugar de outras lideranças e a necessidade de formar uma chapa competitiva. O PT, se quiser manter protagonismo, não pode repetir o erro de impor candidaturas de cima para baixo. Política não se faz por anúncios apressados, mas pela construção de consensos duradouros.

Tribuna do Norte

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