Preocupada com esse cenário, a
engenheira química Patrícia Metolina pensou em uma solução para tornar as
indústrias siderúrgicas mais eficientes e menos poluidoras: usar o chamado
hidrogênio verde no processo de transformação do minério de ferro para o aço.
A pesquisa dela - vencedora do
prêmio de teses da Universidade de São Paulo (USP) - é um dos exemplos de como
o hidrogênio pode ser estratégico na transição energética necessária para
enfrentar o aquecimento global.
“No caso, no Brasil, a gente
não tem ainda essa tecnologia sendo desenvolvida nas nossas siderúrgicas. Mas
nossas pesquisas mostram o potencial desse processo. Na Suécia, por exemplo,
eles têm projeto piloto e conseguiram validar que ele pode ser usado industrialmente
e ser comercializado. Há grandes siderúrgicas que estão investindo muito nessa
tecnologia para conseguir produzir esse aço verde e conseguir abater as
emissões de CO₂”, diz Patrícia.
De olho nesses potenciais, o
Ministério de Minas e Energia (MME) e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE)
lançaram no início desta semana o Portal Brasileiro de Hidrogênio.
A plataforma pública on-line pretende ampliar informações
estratégicas sobre o setor de hidrogênio no Brasil e atrair novos investidores.
O hidrogênio verde é obtido a
partir de energias renováveis, como as de matriz hidrelétrica, solar e eólica.
De maneira simplificada, o processo envolve usar eletricidade em tanque de água
(H₂O) para separar as moléculas de hidrogênio (H₂) e oxigênio (O₂).
O hidrogênio obtido pode ser
transformado em combustível para aviões, embarcações e caminhões; para produção
de amônia (NH3), principal matéria-prima de fertilizantes nitrogenados usados
na agricultura; e para a fabricação do aço, como mostra a pesquisa de Patrícia
Metolina.
Aço verde
Na indústria siderúrgica, tudo
começa com a extração do minério de ferro da natureza. Ele pode se apresentar
na forma de hematita (Fe2O3) ou magnetita (Fe3O4). Para obter o ferro (Fe)
desse material, é preciso tirar os oxigênios da molécula. No modo tradicional,
o minério de ferro é inserido em fornos de alta temperatura que usam coque de
carvão. O resultado é a emissão de grandes quantidades de CO₂.
A indústria siderúrgica é
responsável por cerca de um terço das emissões industriais de CO₂, segundo
dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e por
aproximadamente 7% das emissões globais, conforme dados da Agência Internacional
de Energia (IEA).
O método pesquisado por
Patrícia envolve o hidrogênio verde em um tipo de reação química que dispensa o
coque de carvão e a fusão do minério de ferro. O subproduto do processo deixa
assim de ser o CO2 para ser apenas vapor de água.
“O Brasil tem um conjunto de
vantagens que pode favorecer a produção de hidrogênio, porque na Europa ainda é
muito caro. Eles não têm as mesmas condições naturais, como painéis solares e
turbinas eólicas como a gente tem. Aqui, a gente poderia produzir o hidrogênio
no Nordeste, por exemplo, onde há as eólicas eter uma siderúrgica próxima para
consumir esse hidrogênio e fabricar um aço verde”, avalia Patrícia.
Potencial do hidrogênio
Estimativas da Hydrogen
Council, consórcio de multinacionais interessadas na expansão do hidrogênio,
apontam que a demanda global por hidrogênio deve aumentar cinco vezes até 2050.
Em todo o mundo, o cálculo é de mais de 1.500 iniciativas de hidrogênio limpo
em andamento, crescimento de sete vezes em três anos.
Dos investimentos anunciados,
a América Latina é a que concentra o segundo maior volume: US$ 107 bilhões. E,
nesse ponto, o fato de o Brasil se destacar pelo uso de energias renováveis
aumenta as expectativas do setor sobre a produção do hidrogênio verde.
Atualmente, os países com
maiores projetos de produção de hidrogênio verde no mundo são Alemanha, Arábia
Saudita, Austrália, China, Chile, Espanha e Holanda.
A Associação Brasileira da
Indústria do Hidrogênio Verde (ABIHV) destaca cinco projetos vinculados ao
grupo que tem maior potencial econômico. Eles são liderados pelas empresas
Fortescue, Casa dos Ventos, Atlas Agro, Voltalia e European Energy. Incluem produção
de fertilizantes nitrogenados, amônia e metanol.
Para 2026, a expectativa é de
63 bilhões de investimentos para início dos projetos. A maior parte dos
projetos está concentrada no Complexo de Pecém, no Ceará. Mas há outros em
Uberaba, em Minas Gerais, e no Porto do Suape, em Pernambuco.
“O que a gente pode dizer é
que o hype do hidrogênio verde, da amônia e do metanol passou e agora
a gente tem projetos reais, assentados, que estão trabalhando seus fluxos de
caixa, organizando as finanças para poder se colocar de pé. Então, o momento
que a gente está passando é o momento em que você separa projetos fictícios de
projetos reais”, disse Fernanda Delgado, diretora da ABIHV.
“A gente começa a ter todo
esse ecossistema montado, enquanto as empresas vão tomando sua decisão final de
investimento e o Brasil deve começar a ter produção de amônia e metanol por
volta de 2029 ou 2030”, complementou.
Desafios
Apesar de todo o potencial e
do avanço das pesquisas, a implantação do hidrogênio verde ainda tem uma série
de desafios pela frente. Entre os principais, costumam ser destacados pelos
especialistas do setor: custos altos de produção por causa da infraestrutura e
equipamentos (eletrolisadores) caros; falta de infraestrutura logística para
transporte e armazenamento; necessidade de marco regulatório e tributário claro
para atrair investimentos; e dependência do acesso à água para a eletrólise.
Os projetos desenvolvidos pela
Universidade Federal do Rio Janeiro, por meio da Coordenação dos Programas de
Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ), são um exemplo das
dificuldades que o país tem enfrentado no setor.
Em agosto de 2023, foi
inaugurada uma planta de produção de hidrogênio verde no campus da
universidade. O projeto envolvia a produção de hidrogênio a partir da
eletrólise da água, usando energia fotovoltaica. E, a partir daí, o uso do
hidrogênio em processos industriais, em bicicletas movidas a H2, e em pilhas a
combustível de óxido sólido.
A iniciativa contou com
recursos da Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável. E
envolveu quatro laboratórios da Coppe: Laboratório de Transporte Sustentável
(LabTS), Laboratório de Eletrônica de Potência e Média Tensão (LEMT), Núcleo de
Catálise (Nucat), e Laboratório de Hidrogênio (LabH2).
Dois anos depois, os
pesquisadores enfrentam dificuldades para fazer os projetos avançarem. A
professora Andrea Santos, coordenadora do Laboratório de Transporte Sustentável
(LabTS), explica que os problemas começam ainda na matéria-prima da produção de
hidrogênio.
“A nossa primeira produção de
hidrogênio não foi em uma qualidade boa. Não era um hidrogênio puro. Tinha uma
contaminação nas amostras em torno de 3% de oxigênio. Isso para a aplicação,
principalmente em mobilidade, não é adequado. Eu tenho que coletar água
desmineralizada de um laboratório para abastecer os eletrolisadores, porque a
água da Cedae [empresa privada de abastecimento de água no Rio de Janeiro] não
é adequada”, explica Andrea.
A pesquisadora explica que há
dificuldade para fazer a manutenção nos equipamentos. Dos nove eletrolisadores
que vieram da Alemanha, dois estão com defeito e precisam ser enviados ao país
europeu, que não quer bancar o transporte deles. Sem uma indústria nacional que
produza esse tipo de equipamento, os custos em pesquisas ficam ainda mais
restritos.
Por isso, no ano da COP30,
quando a transição energética ganha mais espaço no país, a professora da
Coppe/UFRJ espera que novos investimentos públicos e privados permitam o avanço
das pesquisas no hidrogênio.
“Precisamos de recursos para
fazer as manutenções, para publicar artigos, ter uma equipe trabalhando e
operando a planta cinco vezes por semana. Faltam realmente investimentos para
pesquisa, desenvolvimento, criação de normas técnicas, certificação e adequação
da infraestrutura”, avaliou Andrea Santos.
“Existe esse entendimento de
que é uma alternativa ainda cara, portanto, é mais confortável você manter as
outras poluentes que já existem. Qualquer tecnologia no início vai custar mais
caro. Mas a gente não tem mais como usar essa desculpa por conta da urgência de
fazer a transição energética. Se tiver esse investimento, a tendência é essa
tecnologia baratear e ficar mais competitiva. No caso do Brasil, a gente tem
condição de produzir esse hidrogênio a um custo mais baixo”, finalizou.
Agência Brasil

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