sábado, 2 de agosto de 2025

Sob pressão, governo lança plataforma e diz não ter ‘plano B’ para a COP-30

Com atraso e sob pressão internacional, o governo federal lançou ontem a plataforma oficial de hospedagem para a COP-30, marcada para entre 10 e 21 de novembro. O servidor chegou a ficar sobrecarregado em alguns momentos, formando uma fila de acessos com mais de 2 mil interessados. O embaixador André Corrêa do Lago, presidente cúpula, também negou a possibilidade de transferir o evento, no todo ou em parte, de Belém (PA), ressaltando que “não há plano B”.

O site oficial, que deveria ter ficado pronto entre março e junho, foi lançado com 2,7 mil leitos em hotéis, casas e apartamentos privados a preços variados. Uma busca mostra cobranças que chegam a US$ 8 mil por casas de alto padrão. Segundo a Secretaria Extraordinária da COP-30, novos apartamentos serão adicionados diariamente. Cabines em dois navios de cruzeiro que ficarão atracados no Porto de Outeiro, a 20 quilômetros do local do evento, vão adicionar até 6 mil leitos.

Como mostrou o Estadão, a crise relacionada aos preços de acomodação ofertados durante a conferência do clima da ONU na capital paraense se estende há meses, incluindo manifestações entre representações diplomáticas, e chegou a um ponto crítico nesta semana com uma carta internacional cobrando providências.

PREOCUPAÇÃO

Ontem, Corrêa do Lago admitiu que a pressão por dificuldades logísticas atrapalha as discussões temáticas e virou uma “questão política”. Ele reafirmou que tanto a conferência temática quanto a reunião prévia de chefes de Estado e de governo – que já havia sido adiantada por essas questões logísticas – serão realizadas na capital paraense. “Se a gente não acreditasse que tem soluções, sim, logicamente se passaria para um plano B. Não estamos nesse momento. Vamos continuar no plano A até se chegar a alguma outra conclusão. Estamos longe disso”, disse a CEO da COP-30, Ana Toni.

O governo chegou anteriormente a notificar grandes redes hoteleiras paraenses, mas foi acusado de tentar “interferir” no mercado privado de demanda e oferta. Depois colocou em prática reformas de escolas e incentivou até adaptação de motéis. “A questão está interferindo no tempo em que no fundo nós deveríamos estar discutindo questões de substância. Ganhou dimensão ao ser formalizada pelos países na reunião do birô e, ao virar uma discussão na imprensa, que é totalmente legítima, tem um impacto sobre a negociação. O que nos interessa a todos vão ser os resultados substantivos da COP”, disse Lago.

A questão é o preço que os países mais pobres podem pagar nas opções de alojamento disponíveis. As diárias oferecidas pelos governos e com suporte da ONU têm valor menor do que o custo de hospedagem, segundo o embaixador. O valor de subsistência é de US$ 143, para acomodação e alimentação. Essas delegações solicitaram que os quartos variem entre US$ 50 e US$ 70. Mas nas datas da conferência os valores estão muito mais elevados – até 15 vezes acima do normal. Ontem, o Estadão encontrou pacotes fechados por até R$ 1,5 milhão

Segundo a Secretaria Extraordinária da COP-30, vinculada à Casa Civil, há hoje 2,5 mil quartos individuais disponíveis com tarifas entre US$ 100 e US$ 600. Os países classificados pela ONU como menos desenvolvidos e pequenos Estados insulares terão direito a 15 quartos individuais cada para delegações, com tarifas entre US$ 100 e US$ 200. Os demais países terão direito a um mínimo de 10 quartos individuais por delegação com diárias entre US$ 220 e US$ 600. “O que estamos fazendo é assegurar o número mínimo de quartos a preços possíveis. No entanto, os preços mais baratos que foram oferecidos não estão sendo aceitos pelos africanos e países de menor desenvolvimento relativo”, afirmou o embaixador.

O QUE DIZEM OS HOTÉIS

A Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Pará (ABIH-Pa) rebateu as declarações de Lago. “No início de junho deste ano, a hotelaria de Belém foi oficialmente solicitada a disponibilizar 500 apartamentos destinados a delegações de países economicamente menos favorecidos, cujos custos são subsidiados pela ONU”, disse, em nota. (Colaborou Juliana Domingos de Lima)

Réplica
Associação de hotéis diz ter sido procurada oficialmente para oferecer 500 lugares.

Perguntas & Respostas

Série de países cobrou o Brasil e nova reunião vai acontecer no dia 11.

Como funciona a COP?

O evento global reúne líderes mundiais, cientistas, organizações não governamentais e representantes da sociedade civil em sessões de discussões sobre ações para combater as mudanças do clima.

Quais serão os principais temas a serem tratados?

Redução de emissões de gases de efeito estufa; adaptação às mudanças climáticas; financiamento climático para países em desenvolvimento; tecnologias de energia renovável e soluções de baixo carbono; preservação de florestas e biodiversidade; Justiça climática e impactos sociais das mudanças climáticas.

Como surgiu esta crise?

Como mostrou o Estadão, desde o início do ano representações diplomáticas se queixavam dos valores cobrados por hospedagem em Belém – até 15 vezes acima do normal, conforme admitiu o próprio presidente da cúpula. Um encontro de emergência foi realizado nesta semana, nas Nações Unidas, para debater soluções para o problema. O agravamento da insatisfação dos outros países veio à tona com uma entrevista do tanzaniano Richard Muyungi, presidente do Grupo Africano de Negociadores, que representa 54 nações desse continente. Uma nova reunião em 11 de agosto deve discutir a questão e trazer as respostas do Brasil. Não está claro, ainda, se o pedido para troca parcial ou integral do local do evento poderá ou não ser acatado pelas Nações Unidas.

Quem assina a carta pedindo que se reconsidere Belém?

Entre os signatários há representantes de dois blocos (um de países menos desenvolvidos e outro de negociadores africanos), além de 29 países. A lista tem AGN (Africa Group of Negotiators, grupo de negociadores de países africanos), Áustria, Bélgica, Belize, Canadá, Ilhas Cook, Chipre, República Checa, Estônia, Finlândia, Guatemala, Islândia, Irlanda, Coreia do Sul, Letônia, LDC (Least Development Countries, grupo de países menos desenvolvidos), Lituânia, Luxemburgo, Malta, Holanda, Noruega, Palau, Panamá, Polônia, IlhasMarshall, Eslováquia, África do Sul, Suécia e Suíça.

Estadão Conteúdo

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