Em nova visita ao Rio Grande
do Norte, Elbia Gannoum participou nesta semana da segunda edição do
“Diálogos”, evento em que todos os segmentos relacionados às energias
renováveis passam um dia em discussões sobre os desafios do setor. “É um dia de
diálogo para tratar tanto a questão ambiental quanto social e isso tem trazido
para nós muitos resultados, porque é quando a gente percebe de perto o que
precisa ser feito ou o resultado daquilo que está sendo feito”, cita.
Em entrevista à TRIBUNA DO
NORTE, Elbia Gannoum avaliou as perspectivas da energia eólica no Brasil, a
transição energética em curso e como o setor tem lidado com as demandas
judiciais em parques eólicos pelo Nordeste. Confira.
Como a sra tem avaliado o
crescimento das empresas de energia renovável e quais os desafios do setor?
Nós estamos vivendo um momento
muito desafiador na indústria da energia eólica, porque nós começamos com os
projetos mais relevantes de energia eólica a partir de 2011. E desde então, o
crescimento da fonte eólica foi exponencial. Até 2023, vimos a cada ano
crescendo mais do que o ano anterior e isso trouxe uma participação muito forte
da energia eólica na matriz elétrica brasileira. A eólica é a segunda fonte de
geração de grande porte na matriz e muitos investimentos aconteceram ao longo
desses anos. Então, a energia eólica no Brasil é um exemplo de sucesso global.
Mas, neste momento em particular, nessa visão mais de curto prazo, a gente está
vivendo um momento muito desafiador, que é a redução dos investimentos. E essa
redução em eólica está associada principalmente à própria característica do
mercado. O mercado não absorveu a velocidade que a indústria é capaz de trazer
e, desde 2024, fechamos os dados do Conselho Global de Eólica, mostrando que
houve uma redução na instalação de parques eólicos. E essa redução deve
permanecer por uns três, quatro anos, até que a gente perceba novamente uma
retomada nos investimentos de energia eólica. E nisso será um momento que
precisaremos nos preparar para uma nova história, um novo patamar nessa
indústria, porque é um histórico de muito sucesso. É muito difícil você ver uma
indústria crescer e se desenvolver da maneira que a eólica cresceu no Brasil e
até o fato do Brasil também ser um exemplo para o mundo.
Como a Abeeolica tem avaliado
as perspectivas de chegada do Hidrogênio Verde e a exploração deste tipo de
combustível? Muito se fala que 2030, 2035 a gente já pode estar explorando o
hidrogênio verde. Você avalia dessa maneira?
A tecnologia é altamente
conhecida, só que não a partir da produção do hidrogênio, a partir de energia
renovável. Então, com essa concepção nova, que é a concepção do hidrogênio
feito com eletrólise e essa eletrólise vir de energia elétrica renovável, o mundo
todo olhou para isso entendendo o hidrogênio como a a molécula de solução para
transição energética. E nisso temos muitos investimentos e muita euforia em
torno do hidrogênio. Hoje estamos num momento de realidade do hidrogênio em que
a gente esperava que 2026, 2027 já estaríamos produzindo grande quantidade de
hidrogênio no mundo, e o Brasil como um ator central nesse processo, mas isso
não aconteceu. Não aconteceu por questões de escala, principalmente, porque a
tecnologia precisa escalar melhor, e por falta de compradores, que nós chamamos
de off-taker.
A complexidade dos projetos é
um fator que atrapalha?
Talvez isso seja um fator
menor. O fator central nessa discussão é o custo. O custo do hidrogênio, a
despeito da gente ter uma energia limpa, renovável, muito barata, a conta ainda
não fecha, principalmente se você compara com outras moléculas. São barreiras
transponíveis, mas elas não são transponíveis tão imediatamente como se
imaginou no passado. É por isso que agora a gente está aguardando o hidrogênio
para depois de 2030, 2032, em que todos esses fatores vão convergir e aí a
gente tem realmente uma possibilidade muito grande de produção de hidrogênio.
O Brasil está se preparando
para isso? No RN temos perspectiva do Porto Indústria.
Quando estamos falando desse
novo – e essa preparação do novo que a indústria eólica está fazendo, a
indústria renovável de forma geral vai ter que fazer – nós estamos vislumbrando
justamente esse novo mundo em que nós vamos ter uma alta descarbonização da
economia. As economias, os processos produtivos, vão precisar se ajustar para
essa nova ordem econômica global, que é a economia de baixo carbono.
Então, as empresas que são produtoras de bens e serviços, as exportadoras de
commodities, elas vão ter que descarbonizar a sua matriz de produção e vão
precisar de muita energia renovável, seja energia elétrica renovável, seja
moléculas renováveis como hidrogênio, como outros biocombustíveis. Esse é um
fator de crescimento. Outro fator é a própria atratividade do Brasil. O país
fazendo uma política industrial verde e atraindo empresas para produzir aqui.
Por que o Brasil pode fazer isso? Porque ele é um país que tem uma posição
estratégica no globo muito importante, principalmente nessa complexa
geopolítica que a gente está vivendo, mas pelo fato do país ter uma abundância
de recursos renováveis para produção de energia e esses recursos serem muito
competitivos.
Nós estamos trabalhando para atrair indústrias para cá. E um fator chave nessa
atratividade da indústria que nós já estamos percebendo agora é a tecnologia,
ou seja, o investimento em estruturas em infraestrutura para tecnologia de
informação, que são os data centers. A gente também tem que preparar o país
para receber esses investimentos, investimentos que já estão acontecendo.
Alguns contratos já estão saindo. Então, quando nós olhamos para esse novo
modelo econômico que exige muito mais energia renovável do que no passado, nós
estamos diante de uma grande oportunidade. Agora, esse novo modelo econômico
tem características distintas. Por quê? Do lado da oferta, nós também estamos
preparando projetos de eólica offshore. O estado do Grande do Norte tem um
grande potencial. Hidrogênio e tudo isso vêm numa concepção em que exige
grandes infraestruturas e principalmente infraestruturas de portos. O Porto
Verde, o Porto que o Rio Grande do Norte está trabalhando, a governadora nos
disse que em uma ou duas semanas o BNDES vai lançar o edital do porto. Ele vai
vir justamente como resposta para isso e eu entendo, sim, que precisa ser
rápido.
Qual a importância do RN no
cenário das energias renováveis? Tivemos, por exemplo, R$ 10 bi em
investimentos e 1.500 empregos no Estado em 2024.
Esses números de emprego e de
renda que a gente percebe no Estado é o que nós chamamos de efeito
multiplicador da economia. Eles estão fortemente atrelados à quantidade de
energia que a gente instala por ano. A cada R$ 1 que você investe em energia
eólica, você traz R$ 3 em termos de PIB para economia. E PIB é geração de
emprego, é geração de renda, é investimento. Então, na medida que nós vamos
trazendo mais investimentos, mais projetos, esse efeito multiplicador traz
muito crescimento e desenvolvimento para as regiões. É claro que nesse período
de onda baixa de investimento, os números estão menores, mas na medida que a
gente está se reestruturando e se preparando para esse novo que está por vir,
vamos ter realmente um resultado muito importante. O Estado tem uma natureza, e
portanto, uma vantagem comparativa muito grande para a produção de energia
renovável.
Como tem sido o uso de
baterias para estoque de energias no setor?
O uso de baterias já é
bastante comum em outras geografias, em outras economias – Estados Unidos,
Europa. Alguns países da América Latina já iniciaram o uso de bateria. O Brasil
está trabalhando para fazer isso agora. Está atrasado? Não, está na hora certa.
O Brasil não precisou muito fazer investimentos em baterias, porque ele tem
bateria natural, que são as hidrelétricas, no sistema elétrico. As
hidrelétricas respondem por cerca de 60% da capacidade instalada no Brasil.
Então, essa regularização de produção de energia sempre foi feita pelas
hidrelétricas. Na medida que o sistema elétrico brasileiro vai crescendo e hoje
já não temos mais como fazer hidrelétricas com reservatórios, nós vamos ter que
buscar outras formas de estoque de energia. E a melhor forma de estocar a
energia é por meio das baterias, que hoje estão se tornando economicamente
viáveis, porque não eram. Tem uma razão econômica dela não ter sido também tão
popularizada no mundo, mas agora a bateria poderia estar se tornando uma
commodity e por causa os veículos elétricos também. Nós vamos fazer baterias,
estamos trabalhando para que o governo realize o seu primeiro leilão de
baterias e a associação trabalhou nisso para que essa pauta viesse forte por
parte do governo.
Ela vai ser muito importante como forma de estoque de energia, mas ela também é
importante como regularização elétrica do próprio sistema, traz mais segurança
do sistema. E para nós que somos investidores, elas são também importantes
mecanismos de seguro, porque o preço da energia varia ao longo do dia. Então a
gente pode também fazer os ajustes de preços com as baterias e instalar essas
baterias nos nossos parques híbridos. Já temos parques híbridos de eólica com
solar. A gente pode fazer híbrido de eólica com solar com bateria, solar com
bateria. Então tem muita possibilidade para essa tecnologia.
O que a AbEEólica tem feito
para defender o segmento em relação às ações contra energias renováveis?
A energia eólica se tornou
extremamente relevante, muito grande no país. E é claro que quando uma
indústria cresce ela começa também a chamar a atenção da sociedade, da política
e o que aconteceu foi isso: a energia eólica cresceu bastante, cresceu principalmente
no Nordeste, e junto com esse crescimento vieram também as demandas sociais e
ambientais. Então nós paramos para olhar para isso. Esses movimentos surgiram
principalmente a partir de 2019, 2020, não tem tanto tempo. E nós nos
preparamos para enfrentar a discussão. De fato, a fonte enfrenta essas
dificuldades. Alguns projetos, principalmente os projetos mais antigos, que
foram feitos lá no passado com a outra legislação ambiental, apresentaram
alguns problemas. Nós fizemos um estudo do que é o problema, onde ele está, e
as empresas estão fazendo agora fortes investimentos para fazer esses ajustes
do passado, que no passado podia fazer daquele jeito. Mas agora concluiu-se,
que não, não pode. Então tem que ajustar.
E nos projetos do presente, estamos seguindo outras diretrizes. A Associação
lançou esse ano o Guia de Boas Práticas, que é um guia que mostra como fazer um
parque eólico, com a melhor prática, desde o fundiário até a operação do
parque. E temos trabalhado muito em torno desse guia, que é dinâmico, pois nós
vamos fazendo atualizações. Estamos muito próximos das comunidades, as empresas
sérias que querem realmente trabalhar com a comunidade. Temos feito esse
trabalho e a despeito das críticas que temos visto, nós estamos bastante
satisfeitos com os resultados que temos conseguido com esse trabalho.
Algumas dessas empresas têm
promovido ações sociais no entorno das áreas. Qual a importância desse trabalho
voltado ao social?
Nós sempre fizemos isso. As
nossas empresas sempre foram muito cuidadosas com as regiões, com os projetos,
com as comunidades, os nossos projetos, inclusive a própria licença exige isso,
os nossos modelos de financiamento exigem também. Nós sempre fomos muito
cuidadosos com essas práticas. Mas o que a gente percebe, e isso é natural, a
sociedade muda, a exigência da sociedade também. Então são esses ajustes que
precisam ser feitos de curto prazo e é isso que estamos fazendo, buscando
entender que o que serve para uma comunidade, não serve para outra. Na medida
que nós vamos ficando mais experientes para realizar esses projetos, também
vamos melhorando essas relações.
Que ações e adaptações são
essas?
Por exemplo, do impacto da
distância de um aerogerador. No passado, existia uma norma que dizia que se
você medisse o grau de ruído seria suficiente e você poderia colocar o
aerogerador em qualquer lugar. Hoje percebemos que não basta só isso. Medir o
ruído é um fator, mas ele entra numa análise multicritério; distância também é
relevante. Então basicamente distância e ruído são determinantes para se
colocar um aerogenerador. Agora, as práticas sociais importantes: fazemos
muitos programas, com postos de saúde, escola, acesso à água potável,
agricultura familiar, então temos várias ações nesse sentido e o fator que é
mais importante nisso é que e a gente aprendeu com o tempo, com a própria
comunidade, é que não adianta você ir lá e fazer uma atividade naquele momento
enquanto você está construindo o parque e depois ir embora do local, que daí
aquela atividade não continua mais. Os nossos projetos sociais agora estão com
um caráter perene.
Fale um pouco sobre o evento
Diálogo RN, que está acontecendo no Rio Grande do Norte.
É a segunda edição que estamos
realizando. Nós fizemos a experimental na Bahia, no ano passado, e é um dia
inteiro que a gente tira para discutir principalmente as questões ambientais e
sociais naquele local, naquele estado em que a gente vai ouvir as empresas que
estão ali investindo, falar com a comunidade, com as instituições ali
presentes, as universidades, os órgãos ambientais. É um dia de diálogo para
tratar tanto a questão ambiental quanto social e isso tem trazido para nós
muitos resultados.
Tivemos assinado um protocolo
de intenções para construção da sede do Geoparque Seridó. Qual a sua percepção
sobre esse projeto?
É um projeto que temos
orgulho. Duas empresas nossas, a empresa Casa dos Ventos e a Elera assinaram um
protocolo em que elas vão construir a sede do GeoParque Seridó. Para nós é
muito emblemático e importante, porque nossas empresas têm o compromisso com a
comunidade, com a sociedade e elas sabem o quanto projetos desse tipo trazem
resultados. E a governadora esteve aqui conosco também muito satisfeita da
gente conseguir fazer esse projeto e o nosso compromisso é esse, nós temos o
compromisso de fazer investimento em energia limpa, renovável, promover o
desenvolvimento dessa fonte do país, trazer benefícios em torno de PIB, mas
também trazer resultados para as comunidades e para as regiões.
Você foi nomeada pelo governo
como Enviada Especial para Ações de Energia na COP 30. O que isso representa
para você?
Fiquei muito orgulhosa de
poder fazer parte disso. E justamente porque o Brasil tem toda essa
potencialidade energética e toda essa história bonita com as energias
renováveis de crescimento, de desenvolvimento. É esse caráter também muito de
benefício socioeconômico, socioambiental. O meu papel é justamente fazer uma
aproximação, um engajamento maior do setor produtivo, dos investidores, da
sociedade com o próprio governo brasileiro e fazer essa conexão entre o que é
uma Cop e o que são nossos projetos. Então, é um chamado também para mostrar o
Brasil, para mostrar o setor de energia, para mostrar nossos investimentos e os
nossos resultados.
QUEM
Economista, Elbia Gannoum é
uma executiva brasileira e presidente executiva da Associação Brasileira de
Energia Eólica e Novas Tecnologias (ABEEólica) desde 2011. É doutora em
Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina e mestre em
Economia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Elbia também é
vice-presidente do Conselho Global de Energia Eólica (GWEC) e Enviada Especial
de Energia na Cop30.
Tribuna do Norte

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