Vanuzia Melo, 61, trabalha há 36 anos no setor de beleza. Sobrevivente de um
câncer de intestino, decidiu transformar o próprio negócio para continuar
ativa. “Eu tive câncer de intestino e depois desse câncer eu descobri que
morrendo de trabalhar eu não vou resolver nada. Aí eu me reinventei de verdade.
Peguei o meu espaço e transformei em um ambiente colaborativo. Hoje não tenho
funcionários, mas cinco empresas dividem o local comigo. Não trabalho no sábado
à tarde, nem na segunda-feira, mas trabalho e amo o que faço”, conta.
A decisão de não se aposentar veio do desejo de se manter produtiva e autônoma.
“Poderia me aposentar por invalidez, mas não queria. Passei dois anos sem
conseguir trabalhar, estudei minha nova realidade, minha alimentação e me
reinventei. A gente para de trabalhar quando tem muito dinheiro e muito o que
fazer. Na hora que você para e fica em casa sem ter o que fazer, tá na hora de
morrer. Eu só vou fazer isso depois dos 80 e olhe lá”, afirma.
O relato de Vanuzia dialoga com dados do FGV IBRE, que mostram um cenário
demográfico e econômico convergente: a expectativa de vida ao nascer, que era
de 62,6 anos em 1980, chegou a 76,4 anos em 2023. A chamada “geração prateada”,
termo que remete aos cabelos grisalhos, tem mostrado vitalidade e engajamento,
atuando no mercado não apenas para complementar a renda, mas também para manter
autonomia e integração social.
Para José de Arimatéia, 63, servidor público, continuar no trabalho não é só
necessidade, mas também satisfação. “Sempre atuei no atendimento. Comecei com
18, 20 anos. Hoje faço minhas atribuições com prazer. São seis horas corridas,
tenho benefícios como plano de saúde e vale-alimentação e me sinto respeitado.
Pretendo ficar até 75 anos. O corpo envelhece, mas a mente não”, diz.
Ele destaca que clientes costumam valorizar a experiência de atendentes mais
velhos. “Muitas pessoas preferem ser atendidos por alguém mais velho, acham que
transmite mais experiência e segurança. Ampliar o mais velho, o mais idoso, no
mercado de trabalho é exatamente uma motivação”, avalia.
O estudo também evidencia desigualdades regionais. Enquanto Roraima (29,2%),
Mato Grosso (29%) e Tocantins (28,1%) lideram as taxas de participação de
idosos na força de trabalho, o Rio Grande do Norte tem a 3ª menor, com 19,3%,
apesar do avanço em relação a 2012, quando era 16,3%. Segundo a pesquisadora do
FGV IBRE e responsável pelo levantamento, Janaína Feijó, o fenômeno envolve
mercados locais menos dinâmicos, baixa escolaridade média e custo de vida
relativamente mais baixo, o que reduz a pressão por emprego.
Janaína explica que os setores que mais absorveram trabalhadores 60+ nos
últimos 12 anos foram serviços, comércio e construção, responsáveis por quase
metade do aumento das ocupações. “Há também uma mudança na percepção: pessoas
com 60 anos chegam hoje ao mercado muito mais ativas e com desejos específicos.
Para as empresas, isso pode ser positivo, porque elas trazem experiência e
habilidades socioemocionais desenvolvidas”, afirma.
A vulnerabilidade, porém, é acentuada pelas diferenças salariais. Trabalhadores
formais com 60 anos ou mais recebem, em média, R$ 5.476; os informais, R$
2.210. Entre os que têm até o fundamental completo, a renda formal média é de
R$ 2.690, enquanto na informalidade cai para R$ 1.466. Embora o nível
educacional da geração atual seja superior ao das anteriores, a baixa
qualificação ainda restringe o acesso a postos melhor remunerados.
Aposentadoria adiada, mais
tempo no mercado
As mudanças introduzidas pela
Reforma da Previdência em 2019 também influenciam a permanência de idosos no
mercado. Em 2025, a aposentadoria para a mulher é concedida após 30 anos de
contribuição, enquanto para homem a quantidade sobe para 35. Além disso, é
necessário atingir uma pontuação obtida pelo somatório da idade e o tempo de
contribuição, sendo 92 pontos para mulheres e 102 pontos para os homens. As
regras mudam em condições especiais, como no caso de professores ou
trabalhadores ruais.
Para muitos, como Vanuzia, as condições impostas não compensam deixar a
atividade profissional. “Se fosse por invalidez, eu não poderia trabalhar,
então não quis. Preferi criar condições para continuar”, afirma. Para outros,
como José de Arimatéia, os benefícios de seguir ativo superam a ideia de
aposentadoria. “Ao estar trabalhando, a mente fica ocupada e o corpo ativo. É
melhor do que ficar em casa”, reforça.
A pesquisadora da FGV IBRE defende políticas públicas e iniciativas privadas
voltadas à capacitação, combate ao etarismo e adaptação de ambientes de
trabalho. Com o Brasil registrando uma menor taxa de fecundidade, Janaína
avalia que o país precisa mapear setores com carência de mão de obra e cruzar
esses dados com a disponibilidade da população 60+. “A depender do setor, é
oferecer cursos, capacitação profissionalizante, para poder fazer com que esses
idosos consigam pegar essa vaga”, diz a economista.
Apesar do crescimento, 53,8% dos trabalhadores com 60 anos ou mais estavam na
informalidade, índice bem acima da média nacional de 38,6%. A situação se
agrava entre aqueles com até o ensino fundamental completo, que registraram
taxa de informalidade de 68,5%. Já entre idosos com ensino superior, a taxa cai
para 27,5%, evidenciando que a escolaridade continua sendo determinante para o
acesso a empregos formais e melhor remunerados.
Na composição da população idosa no mercado, os homens ainda correspondem a uma
maior fatia desse quantitativo, com 5,4 milhões (62,4%). Já entre as mulheres,
o quantitativo tem aumentado ao longo dos anos, saindo de 33,8% em 2012 para
37,6% na última pesquisa da PNAD Contínua em 2024, referente ao quarto
trimestre.
“Nos últimos anos houve uma escalada do custo de vida, como por exemplo gastos
com saúde, gastos com moradia, gastos com alimentação, então muitos estão
postergando a decisão de sair do mercado. Já aqueles que saíram, muitas vezes
voltam para poder complementar a renda. Além disso, existe também uma questão
social. Uma pessoa que tem 60 anos hoje, a qualidade de vida dela é totalmente
diferente de uma pessoa que tinha 60 anos na década de 70. Elas estão chegando
com muito mais disposição e com suas capacidades físicas, intelectuais e
mentais totalmente preservadas”, avalia Janaína Feijó.
Essa vitalidade é refletida como o exemplo de Vanuzia. Através das rede
sociais, ela apresenta para mais de 13 mil seguidores conteúdos sobre vida
ativa após os 60 anos, como saúde, viagens e dicas do estilo de vida mais
maduro, ao lado do marido Francisco Melo, 65, que também é sócio e
cabeleireiro. A profissional incentiva pessoas da mesma faixa etária a buscarem
seus objetivos. “Que vá atrás do objetivo. Ninguém pode ir no lugar dela. Se
arrume para si mesma, não desista. O mundo está aqui fora e nós existimos. Há
um mercado para a terceira idade”, considera.
A mesma percepção do trabalho para pessoas com mais de 60 anos é reforçada por
José. “Ajuda muito a saúde do idoso. Geralmente tem a ideia de quando está mais
velho, de ser inútil, de dizer ‘ah, agora não presto mais para nada, vou me
aposentar’ e isso vai se acabando aos poucos. É estar em atividade até enquanto
puder”, afirma o servidor público.
No levantamento da FGV IBRE, as ocupações com maior porcentagem de participação
de pessoas 60+ são lideradas pelo setor de serviços, vendedores dos comércios e
mercados (21,73%), operários e artesões da construção, das artes mecânicas e
outros ofícios (17,17%), elementares (15,82%) e profissionais das ciênciais e
intelectuais (12,01%). As menores representações estão em trabalhos de apoio
administrativo (3,98%), diretores e gerentes (4,18%) e técnicas e profissionais
de nível médio (6,98%).
Larissa Duarte/Repórter
Tribuna do Norte

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