domingo, 10 de agosto de 2025

Geração prateada cresce quase 69% em 12 anos no mercado de trabalho

O Brasil vive uma transformação silenciosa e profunda em sua composição etária: entre 2012 e 2024, a população com 60 anos ou mais cresceu 55,4%, saltando de 22,7 milhões para 35,2 milhões de pessoas. No mesmo período, a participação desse grupo no mercado de trabalho aumentou 68,9%, com 8,6 milhões de idosos ocupados. O levantamento do Instituto Brasileiro de Economia (FGV IBRE), com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que essa permanência é motivada pela busca de autonomia, satisfação pessoal e muitas vezes pela necessidade de complementar a renda diante do custo de vida elevado.

Vanuzia Melo, 61, trabalha há 36 anos no setor de beleza. Sobrevivente de um câncer de intestino, decidiu transformar o próprio negócio para continuar ativa. “Eu tive câncer de intestino e depois desse câncer eu descobri que morrendo de trabalhar eu não vou resolver nada. Aí eu me reinventei de verdade. Peguei o meu espaço e transformei em um ambiente colaborativo. Hoje não tenho funcionários, mas cinco empresas dividem o local comigo. Não trabalho no sábado à tarde, nem na segunda-feira, mas trabalho e amo o que faço”, conta.

A decisão de não se aposentar veio do desejo de se manter produtiva e autônoma. “Poderia me aposentar por invalidez, mas não queria. Passei dois anos sem conseguir trabalhar, estudei minha nova realidade, minha alimentação e me reinventei. A gente para de trabalhar quando tem muito dinheiro e muito o que fazer. Na hora que você para e fica em casa sem ter o que fazer, tá na hora de morrer. Eu só vou fazer isso depois dos 80 e olhe lá”, afirma.

O relato de Vanuzia dialoga com dados do FGV IBRE, que mostram um cenário demográfico e econômico convergente: a expectativa de vida ao nascer, que era de 62,6 anos em 1980, chegou a 76,4 anos em 2023. A chamada “geração prateada”, termo que remete aos cabelos grisalhos, tem mostrado vitalidade e engajamento, atuando no mercado não apenas para complementar a renda, mas também para manter autonomia e integração social.

Para José de Arimatéia, 63, servidor público, continuar no trabalho não é só necessidade, mas também satisfação. “Sempre atuei no atendimento. Comecei com 18, 20 anos. Hoje faço minhas atribuições com prazer. São seis horas corridas, tenho benefícios como plano de saúde e vale-alimentação e me sinto respeitado. Pretendo ficar até 75 anos. O corpo envelhece, mas a mente não”, diz.

Ele destaca que clientes costumam valorizar a experiência de atendentes mais velhos. “Muitas pessoas preferem ser atendidos por alguém mais velho, acham que transmite mais experiência e segurança. Ampliar o mais velho, o mais idoso, no mercado de trabalho é exatamente uma motivação”, avalia.

O estudo também evidencia desigualdades regionais. Enquanto Roraima (29,2%), Mato Grosso (29%) e Tocantins (28,1%) lideram as taxas de participação de idosos na força de trabalho, o Rio Grande do Norte tem a 3ª menor, com 19,3%, apesar do avanço em relação a 2012, quando era 16,3%. Segundo a pesquisadora do FGV IBRE e responsável pelo levantamento, Janaína Feijó, o fenômeno envolve mercados locais menos dinâmicos, baixa escolaridade média e custo de vida relativamente mais baixo, o que reduz a pressão por emprego.

Janaína explica que os setores que mais absorveram trabalhadores 60+ nos últimos 12 anos foram serviços, comércio e construção, responsáveis por quase metade do aumento das ocupações. “Há também uma mudança na percepção: pessoas com 60 anos chegam hoje ao mercado muito mais ativas e com desejos específicos. Para as empresas, isso pode ser positivo, porque elas trazem experiência e habilidades socioemocionais desenvolvidas”, afirma.

A vulnerabilidade, porém, é acentuada pelas diferenças salariais. Trabalhadores formais com 60 anos ou mais recebem, em média, R$ 5.476; os informais, R$ 2.210. Entre os que têm até o fundamental completo, a renda formal média é de R$ 2.690, enquanto na informalidade cai para R$ 1.466. Embora o nível educacional da geração atual seja superior ao das anteriores, a baixa qualificação ainda restringe o acesso a postos melhor remunerados.

Aposentadoria adiada, mais tempo no mercado

As mudanças introduzidas pela Reforma da Previdência em 2019 também influenciam a permanência de idosos no mercado. Em 2025, a aposentadoria para a mulher é concedida após 30 anos de contribuição, enquanto para homem a quantidade sobe para 35. Além disso, é necessário atingir uma pontuação obtida pelo somatório da idade e o tempo de contribuição, sendo 92 pontos para mulheres e 102 pontos para os homens. As regras mudam em condições especiais, como no caso de professores ou trabalhadores ruais.

Para muitos, como Vanuzia, as condições impostas não compensam deixar a atividade profissional. “Se fosse por invalidez, eu não poderia trabalhar, então não quis. Preferi criar condições para continuar”, afirma. Para outros, como José de Arimatéia, os benefícios de seguir ativo superam a ideia de aposentadoria. “Ao estar trabalhando, a mente fica ocupada e o corpo ativo. É melhor do que ficar em casa”, reforça.

A pesquisadora da FGV IBRE defende políticas públicas e iniciativas privadas voltadas à capacitação, combate ao etarismo e adaptação de ambientes de trabalho. Com o Brasil registrando uma menor taxa de fecundidade, Janaína avalia que o país precisa mapear setores com carência de mão de obra e cruzar esses dados com a disponibilidade da população 60+. “A depender do setor, é oferecer cursos, capacitação profissionalizante, para poder fazer com que esses idosos consigam pegar essa vaga”, diz a economista.

Apesar do crescimento, 53,8% dos trabalhadores com 60 anos ou mais estavam na informalidade, índice bem acima da média nacional de 38,6%. A situação se agrava entre aqueles com até o ensino fundamental completo, que registraram taxa de informalidade de 68,5%. Já entre idosos com ensino superior, a taxa cai para 27,5%, evidenciando que a escolaridade continua sendo determinante para o acesso a empregos formais e melhor remunerados.

Na composição da população idosa no mercado, os homens ainda correspondem a uma maior fatia desse quantitativo, com 5,4 milhões (62,4%). Já entre as mulheres, o quantitativo tem aumentado ao longo dos anos, saindo de 33,8% em 2012 para 37,6% na última pesquisa da PNAD Contínua em 2024, referente ao quarto trimestre.

“Nos últimos anos houve uma escalada do custo de vida, como por exemplo gastos com saúde, gastos com moradia, gastos com alimentação, então muitos estão postergando a decisão de sair do mercado. Já aqueles que saíram, muitas vezes voltam para poder complementar a renda. Além disso, existe também uma questão social. Uma pessoa que tem 60 anos hoje, a qualidade de vida dela é totalmente diferente de uma pessoa que tinha 60 anos na década de 70. Elas estão chegando com muito mais disposição e com suas capacidades físicas, intelectuais e mentais totalmente preservadas”, avalia Janaína Feijó.

Essa vitalidade é refletida como o exemplo de Vanuzia. Através das rede sociais, ela apresenta para mais de 13 mil seguidores conteúdos sobre vida ativa após os 60 anos, como saúde, viagens e dicas do estilo de vida mais maduro, ao lado do marido Francisco Melo, 65, que também é sócio e cabeleireiro. A profissional incentiva pessoas da mesma faixa etária a buscarem seus objetivos. “Que vá atrás do objetivo. Ninguém pode ir no lugar dela. Se arrume para si mesma, não desista. O mundo está aqui fora e nós existimos. Há um mercado para a terceira idade”, considera.

A mesma percepção do trabalho para pessoas com mais de 60 anos é reforçada por José. “Ajuda muito a saúde do idoso. Geralmente tem a ideia de quando está mais velho, de ser inútil, de dizer ‘ah, agora não presto mais para nada, vou me aposentar’ e isso vai se acabando aos poucos. É estar em atividade até enquanto puder”, afirma o servidor público.

No levantamento da FGV IBRE, as ocupações com maior porcentagem de participação de pessoas 60+ são lideradas pelo setor de serviços, vendedores dos comércios e mercados (21,73%), operários e artesões da construção, das artes mecânicas e outros ofícios (17,17%), elementares (15,82%) e profissionais das ciênciais e intelectuais (12,01%). As menores representações estão em trabalhos de apoio administrativo (3,98%), diretores e gerentes (4,18%) e técnicas e profissionais de nível médio (6,98%).

Larissa Duarte/Repórter

Tribuna do Norte

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