A decisão do Tribunal Regional
do Trabalho (TRT), no último dia 23, que reconheceu ter havido racismo
religioso, pode servir de caminho de esclarecimento para outras vítimas.
Profissionais que passam por violências assim no ambiente profissional podem requerer
o direito de trabalhar em paz e não ser vítima de discriminação por conta de
sua fé.
Preconceito no trabalho está
longe de ser um caso isolado. Segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT),
até 31 de julho, houve, de uma forma geral, 515 denúncias de discriminação por
conta de cor, origem ou etnia. No ano passado, foram 718 casos. Em relação à
discriminação por conta de religiões de matriz africana, como foi o caso do
varredor de rua na capital, o MPT recomenda que esses crimes sejam denunciados.
Trabalhador segregado
A procuradora Danielle
Olivares Corrêa, que é coordenadora nacional da promoção da igualdade de
oportunidades e da eliminação da discriminação no trabalho, esclarece que esse
tipo de preconceito pode ser identificado, inclusive, por piadas jocosas e
estigmatização das religiões de matrizes africanas. “O preconceito acaba,
por exemplo, deixando o indivíduo isolado, às vezes, num grupo de trabalho”,
lamentou, em entrevista à Agência Brasil.
A procuradora explica que
a pessoa pode ser segregada tanto pelos colegas como pelo superior hierárquico,
que não passa determinadas tarefas ou faz brincadeiras jocosas e inadequadas.
“Chamamos de racismo recreativo, mas pode acontecer de diversas formas. Por
exemplo, não dando oportunidade para aquele trabalhador ser promovido”.
Caminhos de denúncia
Danielle Olivares ressalta ser
importante que a pessoa que se sinta ofendida com um comentário preconceituoso
possa denunciar, inicialmente pelo canal institucional, e também em outras
instâncias, como a delegacia de polícia e o Ministério Público. “Um
caminho não exclui os outros”, pondera.
Um desafio é juntar as provas
da discriminação. “A principal prova é a testemunhal. São pessoas que tenham
testemunhado a conduta assediosa em relação ao trabalhador. Mas pode o racismo
ocorrer também pelas redes sociais ou aplicativo de mensagens, por exemplo”,
diz a procuradora.
Ela acrescenta que é legítimo
haver gravação de conversas discriminatórias para utilização em um futuro
processo. É importante que, dentro das empresas, exista mesmo uma
política interna de combate ao racismo. “As empresas podem criar, por exemplo,
comitês de diversidade que tragam essa discussão com programas de educação dos
trabalhadores”, diz a procuradora.
Conscientização
São recomendáveis, no entender
dela, parcerias com coletivos negros e organizações antirracistas, com
programas de incentivo à educação, para que as situações de racismo sejam
reconhecidas. “Isso deve ser pauta, por exemplo, para as capacitações de trabalhadores
quando tratarem da questão do assédio moral”.
A
Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995, proíbe toda forma de
discriminação racial na relação de trabalho. “O empregador que não tomar as
devidas cautelas de prevenção à discriminação naquele ambiente pode
ser alvo de multa e proibição de empréstimos com banco público”. Além
disso, a empresa pode ficar sujeita a ser condenada a dano moral coletivo numa
ação civil pública do Ministério Público do Trabalho.
Nessas relações de
discriminação no campo profissional, a mulher negra está ainda mais vulnerável
do que os homens. Inclusive porque já recebe os menores salários, segundo
levantamento dos ministérios da Mulher e do Trabalho e Emprego (MTE)
divulgado em abril ─ a média salarial é 52,5% menor que a dos homens não negros.
"Sem providências"
No caso do varredor de rua em
Brasília, a empresa alegou que a demissão ocorreu por “baixa performance do
empregado, em meio a um processo de reestruturação interna”. O TRT avaliou que
as provas documentais e testemunhais demonstraram que o trabalhador foi alvo de
racismo religioso e que a dispensa ocorreu pouco tempo depois de ter denunciado
o tratamento preconceituoso aos superiores hierárquicos da empresa.
Na sentença, o juiz Acélio
Ricardo Vales Leite, da 9ª Vara do Trabalho de Brasília, considerou que nenhuma
providência foi tomada pela empresa mesmo depois das queixas do
empregado.
Em segunda instância, o
desembargador Pedro Luís Vicentin Foltran destacou que a omissão do empregador
diante de atos de racismo religioso configura violação à dignidade do
trabalhador e impõe a responsabilização civil da empresa.
“A violência verbal também é
violência e, para além de um simples xingamento, o reclamante, seguidor da
umbanda, sofreu racismo religioso por não professar religiões eurocêntricas
advindas do cristianismo”, ressaltou.
A empresa foi condenada a
pagar indenização correspondente a seis salários do trabalhador, em dobro, e
ficou mantida a decisão de reconhecer o direito do trabalhador ao adicional de
insalubridade em grau máximo (40%), devido às condições profissionais.
Empresa nega racismo
Em nota, a empresa Valor Ambiental apontou que recebeu
com “perplexidade” a decisão da justiça e reclamou que a condenação teria ocorrido a partir
de um depoimento do empregado durante o período de
aviso prévio dele.
Além disso, negou que existam
provas do racismo religioso. “As alegações de discriminação religiosa só
chegaram ao conhecimento da empresa após o ajuizamento da ação”, ponderou a
empresa que vai recorrer da decisão.
Agência Brasil

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