O escotismo foi fundado por
Robert Baden-Powell, um soldado britânico que deixou o Exército para se dedicar
exclusivamente ao movimento, que teve rápida expansão e chegou ao Brasil em
1910. A partir de 1914, com a criação da Associação Brasileira de Escoteiros, a
atividade espalhou-se rapidamente pelo País com o apoio de Olavo Bilac,
presidente da Liga de Defesa Nacional, grupo que tinha como objetivo despertar
o civismo nacional, haja vista a aproximação dos 100 anos da nossa
Independência.
“A intenção de Bilac era criar
batalhões de escoteiros. Ele escreveu a Henrique Castriciano, vice-governador
do RN à época, pedindo que fossem empregados esforços para a criação do
escotismo por aqui, o que, de fato, foi feito. Vários personagens históricos
daquela época se juntaram a Castriciano para a criação da Associação Brasileira
de Escoteiros no Rio Grande do Norte, em 1916, mas que só foi fundada
oficialmente no ano seguinte, em 24 de junho. Nessa fase, entram dois
personagens muito importantes – o professor Luiz Soares e o comandante Afonso
Monteiro Chaves”, descreve Thiago Simplício, presidente da Associação de
Escoteiros do Alecrim (AEA) e vice-presidente regional da Região Escoteira do
RN.
Soares era o diretor do Grupo
Escolar Padre Miguelinho, enquanto Monteiro Chaves era capitão dos Portos. A
dedicação dos dois serviu de inspiração para escoteiros que aderiram, décadas
depois, ao movimento. É o caso de Carlos Pinto, de 62 anos, conselheiro da AEA.
Ele carrega na memória histórias que o marcaram profundamente ao longo de suas
atividades, como as enchentes na cidade de Santa Cruz, nos anos 1980, após o
transbordamento de uma açude e de uma barragem em Campo Redondo, no município
vizinho.
“Fui convocado, junto a outros
escoteiros de Natal, para recolher donativos. Fiz um trabalho em conjunto com
as Forças Armadas, no Palácio dos Esportes, em Petrópolis [bairro da zona Leste
de Natal]. Reunimos diversos gêneros alimentícios e roupas. Me lembro que foi
um período de muito inverno – o Estado passou uma semana sem energia – então,
nossa atuação foi muito importante”, relata Carlos Pinto, que começou sua
participação no escotismo aos 10 anos.
César Barbosa conheceu e
encantou-se pelo movimento aos seis anos, em 1967, mas só entrou para o grupo
em 1971. Depois do casamento, em 1982, ele decidiu deixar o escotismo para
cuidar da família, mas retornou em 2018 para ser assistente do Museu Escoteiro
da AEA, onde permanece até hoje. “Me lembro de quando me tornei escoteiro. Era
uma quinta-feira pela manhã. Estávamos no pavilhão da sede, com a banda de
música. Foi tudo muito bonito. Quando vi aquilo me encantei”, relembra César,
hoje com 63 anos.
Contribuições
O movimento escoteiro estimula
hábitos de contemplação da natureza, solidariedade e formação de uma cultura de
paz. No Rio Grande do Norte, esses objetivos se traduziram em várias ações
práticas ao longo dos anos, com significativos impactos para a sociedade ainda
nos dias atuais. A criação do Hospital Geral Policlínica do Alecrim, em 1947, é
um exemplo claro disso.
“O professor Luiz Soares era
um homem muito inquieto, que viu no escotismo a oportunidade de moldar a
formação dos jovens e de fazer com que fosse garantido, na prática, um retorno
à sociedade”, afirma o presidente da Associação de Escoteiros do Alecrim,
Thiago Simplício. “Ele tinha um filho médico, então, em função disso, surgiu o
interesse em criar um hospital no bairro. Em 1923 foi instalado um ambulatório
na sede da Associação, na Escola Padre Miguelinho. Foi um projeto bancado pelo
Governo Federal”, acrescenta Simplício.
O terreno onde hoje funciona a
Policlínica era o campo de treinamento dos escoteiros. Com a necessidade de
expandir a prestação de serviços à sociedade, o hospital foi transferido para
lá e incorporado à Liga Norte Riograndense Contra o Câncer na década de 1990.
Antes da atuação que resultou na construção da Policlínica, no entanto, o
movimento teve papel contundente no combate à Gripe Espanhola no RN. Thiago
Simplício conta que os escoteiros montaram um hospital de campanha onde hoje é
o Colégio Nossa Senhora das Neves, que realizou mais de 10,4 mil atendimentos
na década de 1930.
“Fora isso, foram atendidas
mais de 300 pessoas em domicílio. Por esse trabalho nossos escoteiros receberam
condecorações do Governo do Estado, como a Comenda Cruz de Ferro. Foi nessa
época também que criamos a primeira banda de escoteiros do Brasil, que revelou
maestros e músicos de bandas militares como [o paraibano] Cachimbinho, um dos
maiores instrumentistas do País”, pontua Thiago Simplício. Nos anos 1950 o
escotismo potiguar se destaca pela criação das Faculdades de Odontologia,
Farmácia e Direito, integradas à Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN) anos depois.
“O professor Luiz Soares via
uma necessidade de ampliar a educação do jardim de infância até o ensino
superior. Então, ele buscou criar, por iniciativa própria, a Faculdade de
Odontologia e Farmácia. Os primeiros estudos foram aqui na associação, com aulas
experimentais. Depois ele atuou na criação da Faculdade de Direito e na criação
da Escola Profissional do Alecrim, que viria a ser uma escola
profissionalizante”, descreve o presidente. Além disso, o movimento teve
atuação na disseminação do escotismo pelo Brasil, marcada pela ida de diversos
integrantes a São Paulo a pé em 1923, com passagens por outras unidades
federativas.
A viagem foi cercada de
desafios numa época de quase nenhuma estrutura viária, como a existência de
pontes. Segundo Thiago Simplício, há registros de grupos de Alagoas oriundos da
empreitada adotada pelos escoteiros potiguares. A viagem terminou com um jantar
oferecido aos potiguares pelo então governador de São Paulo, Washington Luís. O
movimento também por uma forte campanha de saúde em 2012 contras hepatite.
“Foram impactadas 300 mil pessoas. Os escoteiros distribuíram material
educativo e de chamamento à população para vacinação em todos os municípios do
RN”, afirma Carlos Pinto.
RN tem um museu com memórias
do escotismo
As memórias do escotismo
potiguar estão retratadas em um museu que fica no Instituto Padre Miguelinho,
no Alecrim. São cartas e peças, como lenços, uniformes e moedas próprias
utilizadas em acampamentos, além de documentos que ajudam a manter vivas as histórias
do movimento. O local está aberto à visitação aos sábados, das 14h às 17h.
Thiago Simplício diz que a Associação está em busca de recursos para garantir o
funcionamento diário do museu.
Dentre os registros estão
cartas trocadas entre Baden-Powell e o professor Luiz Soares, que mostram a
relação cordial entre os dois. “São escritos, em geral, de agradecimento. O
professor contava como estava o grupo e ele [Baden-Powell] respondia agradecendo,
sempre de forma muita educada, pelas notícias daqui”, explica César Barbosa,
assistente do museu. Também estão disponíveis no acervo informações que indicam
uma participação para além das preocupações sociais, a exemplo de um registro
sobre a comunidade de Uruaçu, em São Gonçalo do Amarante, conhecida pela
história dos Mártires Católicos.
Um cruzeiro instalado na
comunidade pelos escoteiros do Alecrim em 1932 fez com que o bispo de Natal – à
época, Marcolino Dantas – trouxesse a celebração dos Mártires para a capital,
garantindo maior visibilidade à história daqueles que se tornariam, mais tarde,
padroeiros do RN. O legado do escotismo potiguar tem como um dos desafios
resistir às mudanças culturais e tecnológicas da atualidade para que o
movimento se mantenha vivo.
Mas Carlos Pinto garante que,
apesar das dificuldades, esse é um desafio que tem sido superado. “Claro que há
resistência, mas é um movimento em atualização constante, liderado e conduzido
pelos jovens. Então, não existe a preocupação de que ele fique estagnado no
tempo. No escotismo, o jovem é chamado a se especializar em vários minicursos
como aqueles voltadas à tecnologia da informação, saúde e outras centenas de
especialidades, além de despertar o desejo de servir”, avalia Pinto.
Felipe Salustino
Repórter
Tribuna do Norte

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