A pensionista Maria da Glória,
de 78 anos, contou à reportagem que está cada vez mais difícil equilibrar as
contas. Ela mora em Dix-Sept Rosado, bairro da zona Leste da capital potiguar.
“Tenho que controlar tudo, do contrário, não dou conta de pagar água e luz. O
café é o que está mais caro”, reclama. O item citado pela pensionista é um dos
produtos que mais têm pesado no bolso dos consumidores e provocado mudanças. De
acordo com o Datafolha, 50% trocaram a marca do café por uma mais barata e 49%
diminuíram a ingestão da bebida.
A aposentada Raimunda Moura, de 75 anos, decidiu trocar outro item para tentar
economizar: a proteína. “A carne está muito cara, então, tenho preferido o
frango”, conta. Já Vanessa Frossard, que trabalha em uma loja de autopeças,
também tem feito substituições – no caso dela, de marcas de produtos. Outra
estratégia utilizada é a de buscar promoções em diferentes estabelecimentos.
“Conheço bem os supermercados do bairro, então, vou vendo os encartes e
aproveitando os dias que eles fazem promoção por segmento”, diz.
“Vejo também os locais com saldões perto do meu trabalho, porque não dá para
pegar o carro e fazer uma pesquisa mais ampla, afinal, a gasolina também está
cara”, acrescenta Frossard. Estratégia parecida é adotada pelo servidor público
Carlos Barbosa, de 51 anos. Ele costuma fazer substituições de marcas ao
constatar que, de fato, uma está mais em conta do que a outra. “Procuro sempre
as promoções. Se uma marca está com um valor melhor, eu levo. Acho que o preço
é mais importante do que a marca”, resume.
Uma estratégia dos clientes diante
da alta nos preços é ir às compras em dias de promoção| Foto: Adriano Abreu
De acordo com o Datafolha, uma alternativa para tentar driblar a crise é buscar
outra fonte de renda mensal além da principal (47% dos consumidores responderam
buscar essa nova fonte). A redução da compra de medicamentos é outro efeito da
disparada da inflação dos alimentos na vida dos brasileiros: 36% informaram que
têm comprado menos remédio. Além disso, 32% deixaram de quitar alguma dívida e
26% deixaram de pagar alguma conta de casa.
A pesquisa foi realizada entre 1º e 3 de abril, com 3.054 entrevistas
presenciais em 172 municípios, com população de 16 anos ou mais de todas as
regiões do País. Quando questionados sobre a quantidade de comida em casa nos
últimos meses, 61% consideram ter o suficiente. Por outro lado, para 25% é
menos do que o suficiente, enquanto 13% avaliam ter mais comida do que o
suficiente. Ainda segundo o levantamento, 61% declararam que reduziram a
quantidade de vezes que comem fora de casa.
Cenário esperado
Thales Penha, professor do Departamento de Economia (Depec) da UFRN, explica
que o cenário mostrado pela pesquisa do Instituto Datafolha é o esperado diante
de um quadro de inflação como o que se tem observado no Brasil. “Quando olhamos
a teoria do consumidor, notamos que os agentes sempre enxergam os bens
substitutos quando os preços variam. Às vezes substitui-se a marca, às vezes, o
tipo de produto. Se a manteiga está mais cara, o consumidor compra margarina.
Se a carne de primeira aumenta muito, e le procura a de segunda.
Isso é algo completamente
natural dento da teoria e é o primeiro movimento que se observa na economia
[quando há inflação]”, descreve o especialista.
Mikelyson Góis, presidente da Associação dos Supermercadistas do Rio Grande do
Norte (Assurn), disse que a mudança de hábitos dos consumidores é notável. “A
gente percebe uma diminuição na quantidade [das compras] e um aumento na troca
de produtos. Quem consumia um produto premium, foi para o intermediário. Já
quem consumia um item intermediário foi para o preço mais baixo, substituindo,
inclusive, por produtos similares”, analisa. Arnaldo André, dono de um
mercadinho nas Quintas, na zona Oeste de Natal, corrobora a avaliação. Para
lidar com a situação, ele diz que procura comprar produtos em promoção para
revender a valores mais em conta.
“As pessoas reclamam bastante, então, qualquer R$ 0,20 a menos no produto faz a
diferença”, comenta André. Mikelyson Góis, da Assurn, fala que a alta de preços
representa um desafio para os supermercados, que têm encontrado dificuldade em
acertar na aquisição do volume de produtos para revenda. “A aquisição dos itens
não é mais tão assertiva e os estoques de algumas empresas ficam desregulados.
É importante dizer que um estoque excessivo se reflete em perda de vendas,
então, tem sido difícil trabalhar com os preços altos de produtos que costumam
ser muito consumidos como café, carne e arroz”, frisa o presidente da Assurn.
Os efeitos da inflação dos alimentos nas demais despesas de casa e nos hábitos
dos consumidores apresentados pelo Datafolha também são esperados, de acordo
com o economista Thales Penha, que destaca que aqueles com menor renda sentem
mais os impactos. De acordo com a pesquisa, entre os entrevistados com renda
familiar de até dois salários mínimos, o percentual de consumidores que
reduziram a quantidade de alimentos comprados é de 67%, portanto, maior do que
o índice total registrado pelo levantamento, de 58%.
Entre os que diminuíram a compra de remédios, o índice entre quem tem renda de
até dois salários mínimos, de 45%, também foi superior ao percentual total
registrado nesse quesito, que foi de 36%. Os que deixaram de pagar alguma
despesa de casa por conta da inflação e que ganham até dois salários mínimos
foram, do mesmo modo, mais afetados: 32% – o índice geral nesse quesito ficou
em 26%. “Quanto mais se diminui o estrato social, menor é a capacidade de se
proteger da inflação”, afirma o professor Thales Penha.
“Sem ter como arcar com outros gastos essenciais como moradia e transporte, as
pessoas começam a andar de bicicleta ou a pé e vão morar em lugares mais
afastados, com piores condições sanitárias”, complementa o professor da UFRN,
sobre os reflexos dos preços altos.
Segundo Penha, a depender do
grau de vulnerabilidade, é praticamente impossível se proteger da inflação.
“Existem alguns recortes, que a gente chama de colchão social – aquela pessoa,
por exemplo, que vai morar com familiares para amenizar os efeitos. Outro
colchão são os programas de seguridade do governo, mas, no fundo, cada um
indivíduo costuma buscar aquilo que parece melhor para encarar a situação”,
diz.
Preços tendem a se estabilizar
no País
A prévia da inflação de abril
registrou índice de 0,43%, pressionada pelos alimentos. O resultado, apurado
pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), representa
desaceleração em relação a março, que ficou em 0,64%. Os dados foram divulgados
na sexta-feira (25) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). O grupo de alimentação e bebidas acelerou de 1,09% para 1,14% na
passagem de março para abril, respondendo por 0,25 ponto percentual do IPCA-15
deste mês. Ainda assim, de acordo com o economista Thales Penha, a expectativa
é de que haja estabilização para esse grupo nos próximos meses.
“O que tem acontecido é que a economia está indo bem, com um nível de
desemprego baixo e maior consumo. Mas a produção dos alimentos não acompanhou
esse ritmo por conta de problemas climáticos e da volatilidade do dólar.
Tivemos seca no Centro-Sul do Brasil que afetou fortemente a produção de grãos
e carnes. Para este ano, espera-se uma safra acima do que foi registrado em
2024 e isso deve ajudar a desacelerar a inflação. Então, no curto prazo, os
preços vão parar de subir e vão se acomodar”, explica Penha.
O café, um dos alvos de maior reclamação, no entanto, deve demorar um pouco
mais a encontrar estabilidade nos preços. “Tivemos problemas no Brasil e no
Vietnã, os dois maiores produtores mundiais da bebida. Então, a regularização
desse produto vai levar mais tempo. De um modo geral, é preciso esperar para
ver o que vai acontecer, porque o dólar continua oscilando bastante e a
inflação depende de outros núcleos também. Mas, a depender da safra, a
expectativa é de estabilidade de preços no curto prazo e de queda no longo”,
analisa o professor.
Números
Impactos da inflação dos
alimentos entre os consumidores
58%
reduziram a quantidade de alimentos comprados
50%
trocaram a marca de café por uma mais barata
36%
reduziram a compra de remédios
32%
deixaram de pagar dívidas
26%
deixaram de pagar contas da casa
Fonte: Datafolha

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