O Brasil corre risco de sofrer uma nova alta nos casos de Covid-19?
Segundo os especialistas ouvidos pelo g1, apesar
da melhora na quantidade de casos e mortes no
país, sim.
Eles apontam que, além do risco trazido pelas
festas de fim de ano, há um cenário de incerteza por causa da variante ômicron, da
cobertura vacinal e das medidas de saúde pública.
Nesta reportagem, você vai entender, em
5 motivos, por que a situação da pandemia no país – e no mundo – ainda é
incerta:
Novas variantes
Cobertura vacinal incompleta
Vacinas: proteção contra infecção e doença e
eventual necessidade de revacinação
Medidas de saúde pública e as festas de fim de ano
Tendências nos estados
O
surgimento da ômicron – variante identificada no fim de novembro na África do Sul, mas que já circulava antes na Europa e já foi detectada no
Brasil – acrescentou mais incerteza sobre o futuro da
pandemia, mesmo em países que já atingiram uma alta cobertura vacinal.
Isso porque, entre outros pontos, ainda não se sabe tudo
sobre a capacidade da ômicron de driblar a proteção vacinal. Um estudo feito na
própria África do Sul apontou uma queda na capacidade da
vacina da Pfizer, por exemplo, de proteger contra internação em
casos de Covid causados pela variante. Mesmo
assim, o nível de proteção ficou em 70%.
"É esse o grande desafio, a grande questão, um certo temor de quem
trabalha com isso: que surjam variantes que não obedeçam à proteção vacinal, ou
seja, escapem à proteção vacinal. Ou seja, [se isso acontecer], teria que
readaptar as vacinas para essa nova vertente, o que evidentemente gera muito
tempo", pondera Maurício Barreto, coordenador do Centro de Integração de
Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs) da Fiocruz Bahia e professor emérito da Universidade Federal
da Bahia (Ufba).
Também há indícios de que a ômicron se transmita com mais
facilidade do que as outras variantes.
"É uma variante nova ainda, pouco
conhecida, mas que vem gerando ondas de preocupação nos responsáveis",
completa Maurício Barreto.
Para Jarbas Barbosa, médico e
epidemiologista brasileiro diretor-assistente da Organização Pan-Americana de
Saúde (Opas), a
ômicron ainda é uma incógnita.
"Nós tivemos
variantes que ficaram mais contidas, como a própria variante anterior que foi
identificada na África do Sul [a beta]. E
tivemos variantes que se espalharam rapidamente, como a delta. A ômicron ainda
é uma incógnita. Então eu diria que é cedo para fazer qualquer afirmação,
otimista ou pessimista, sobre isso", diz.
2. Cobertura vacinal incompleta
A vacinação vem avançando rapidamente no
Brasil – até o dia 16 de dezembro,
cerca de 66% da população estava totalmente vacinada – mas
os índices ainda são desiguais e crescem com velocidades diferentes entre os
estados.
Enquanto o estado de São Paulo, por
exemplo, tem quase 78% da população com duas doses de vacina (índice mais alto
do país), o Amapá só tem 39,14% dos moradores totalmente imunizados
–índice semelhante ao de Roraima (39,68%), os mais baixos do Brasil. O Maranhão
e o Acre também ainda não alcançaram 50% de cobertura vacinal com duas doses.
Até os índices de primeira dose
estão baixos em alguns
estados: em Roraima, por exemplo, só 55% da população recebeu alguma dose de
vacina, o menor percentual do país. Em São Paulo, o índice é de 82%, o maior.
Jarbas Barbosa, da Opas, explica que, diferente do que se achava até o ano
passado, será necessário atingir 100% de cobertura vacinal contra a Covid-19.
Antes, acreditava-se que chegar a um determinado percentual de cobertura
– como 70% – já garantiria a imunidade coletiva, ou imunidade de rebanho.
"Isso já caiu por terra. Nós não
temos nenhuma evidência ainda que isso [imunidade coletiva] ocorra com a
Covid-19. Esse fenômeno da imunidade de rebanho é bem conhecido para doenças
como o sarampo – mas a vacina do sarampo impede a transmissão. A vacina da
Covid não impede transmissão", esclarece.
"A gente já viu Israel, países da Europa com 70% ou até mais [de cobertura] que tiveram surtos. Então eu diria que não há nenhuma evidência que possa apoiar a ideia de que, com 75% [de cobertura vacinal], o país já está protegido, não vai ter outro surto. Não. Não dá para apoiar uma uma recomendação como essa", enfatiza o diretor-assistente da Opas.
"Por isso que é importante continuar vacinando, é importante manter as medidas de saúde pública e a vigilância – ampliar testagem, fazer mais sequenciamento genético, ou seja, ter essas medidas de proteção", conclui Barbosa.
3. Vacinas: proteção contra infecção e
doença e eventual necessidade de revacinação
O fato de as vacinas contra a Covid terem proteção
menor contra a infecção do que contra quadros graves é outro motivo de risco de
um novo surto da doença – ainda que com menos casos graves do que nas
"ondas" anteriores, aponta Maurício Barreto, da Fiocruz Bahia.
"Se você perguntar: ‘pode ter um surto?’ Pode.
Agora, pode ter tantas formas severas como antes? Eu acredito que não. Mesmo que tenha um surto, nós vamos estar mais protegidos contra
formas severas, tendo em vista que parte da população brasileira já tem
vacinação, duas doses, e uma parte já está, inclusive, recebendo a terceira
dose, principalmente os mais idosos. Isso forma uma cadeia de proteção contra a
doença, as formas severas", explica.
Essa queda na proteção contra infecção foi vista
com ainda mais força contra a variante ômicron, por exemplo, lembra Jarbas
Barbosa, da Opas.
"Pessoas vacinadas, elas se protegem, elas
diminuem muito o risco de ter uma forma grave ou morrer pela pela Covid. Elas reduzem a possibilidade de transmitir, mas elas ainda transmitem [a
doença]. Com a variante ômicron, nós temos um cenário com mais essa
incerteza", avalia.
Existe, ainda, a dúvida sobre quanto tempo dura a
imunidade induzida pelas vacinas – daí veio, por exemplo, a necessidade da dose
de reforço.
"A imunidade dada pela CoronaVac e pela vacina
produzida pela Sinopharm começam a declinar depois de 6 meses, isso também já é
um fato. Então você teria que revacinar, ou seja, não é um fato dado que quem
vacinou 80% [da população] agora, tranquilo, acabou a pandemia, abre tudo. Isso
não é verdade. As evidências que a gente tem não falam para isso", pontua
Barbosa.
O especialista resume os desafios pela frente: é
necessário completar as duas doses da vacina, dar a terceira dose quando há
recomendação e monitorar o comportamento da variante ômicron frente às vacinas
que temos hoje.
4. Medidas de saúde pública e
as festas de fim de ano
O fator "festas de fim de ano", assim
como a chegada das férias de verão e o carnaval, também trazem riscos de novos
surtos, apontam os especialistas, por causa das aglomerações. Mais de 100 cidades brasileiras já cancelaram as festas de Ano Novo e ao
menos 70 não terão carnaval.
"Este é um risco. Por exemplo, cidades como
Rio de Janeiro e São Paulo, que atraem muitas pessoas de outros locais onde não
tem uma cobertura vacinal tão elevada, têm a probabilidade de atrair também
pessoas não vacinadas", aponta o médico Airton Stein, professor e
epidemiologista na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).
"Este período de maior circulação de pessoas
do próprio país e de outras regiões do mundo podem desencadear surtos de novos
casos. Se não controlados imediatamente pelo serviço de vigilância
epidemiológica de cada cidade, podem desencadear um aumento de novos casos de
Covid-19. Também é importante fazer uma vigilância genômica para identificar
qual o tipo de mutação que está circulando na região", acrescenta.
Maurício Barreto, da Fiocruz Bahia,
faz observações semelhantes.
"Pensando no ponto de vista estritamente da
transmissão do vírus, grandes eventos são reais possibilidades de reativação e
de propagação rápida do vírus e de introdução de novas formas. O carnaval
em Salvador, o carnaval em Recife, atraem pessoas do Brasil inteiro – do mundo inteiro,
inclusive. Você tem turistas internacionais que vêm pra cá", pondera.
"Então vão ser momentos de alto nível de
exposição, em que a população se adensa muito. O carnaval é uma coisa muito
junta, muito massiva, de pessoas muito próximas, durante horas. São
possibilidades reais de circulação e de introdução e reintrodução de variantes
novas. Eu acho que é um momento de incertezas", avalia.
Existe, ainda, a dúvida sobre o futuro da
obrigatoriedade do uso das máscaras e da adesão por parte da população.
O governo de São Paulo, por exemplo, havia
anunciado a liberação do uso de máscaras ao ar livre a partir do dia 11 de
dezembro. Diante do surgimento de casos da ômicron no estado, entretanto, o governo recuou da decisão.
O médico epidemiologista Bernardo Lessa Horta, da
Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Rio Grande do Sul, lembra que, se as pessoas passam a se expor mais porque estão vacinadas, o
risco de se infectarem aumenta – apesar da redução trazida pela
vacina.
"A vacina resolve o caso grave, mas ela não
barra totalmente a transmissão da doença. Se eu digo [que] a vacina tem uma eficácia
de 80%, 90%, o que quer dizer isso? [Quer dizer que] ela reduz em 80% a tua
probabilidade individual de adoecer. Agora, se, por ter sido vacinada, tu passa
a te expor mais, a tua probabilidade de adoecer aumenta. Então talvez o ganho
que tu vai ter por ter sido vacinada é muito menor", diz.
"Agora, se tu mantém mais ou menos o teu
comportamento anterior, medidas de proteção – usa máscara, anda com álcool gel,
evita grandes aglomerações – tá mantendo o teu nível [de exposição] baixo.
Tirando os 80%, tá reduzindo um monte a chance de adoecer. É fundamental se
vacinar, é fundamental continuar usando máscara, continuar usando álcool gel,
álcool 70, e evitar aglomerações – essas são as coisas básicas", reforça.
5. Tendências nos estados
Para Airton Stein, da UFCSPA, a melhor forma de analisar a situação de cada região é
o número de casos novos e se está ocorrendo maior tendência de aumento.
"No entanto, ainda está ocorrendo [um] número
de casos novos e há uma diminuição de realização de testes diagnósticos em
sintomáticos respiratórios. Portanto, este é o principal alerta à
população", adverte Stein.
Ele reforça que "há necessidade de verificar a
curva epidêmica em cada região do país e verificar a tendência de novos casos
(incidência)", pois essas informações "é que devem definir as
políticas locais de saúde em relação ao uso de máscara em ambientes abertos.
Segundo o boletim epidemiológico mais recente
da Fiocruz sobre casos de síndrome respiratória aguda grave
(SRAG) no país, o InfoGripe, já existe uma tendência de aumento de em vários
estados brasileiros.
Quase todos os casos (99%) de SRAG no Brasil hoje
são causados pela Covid-19. No entanto, por causa do surto recente de gripe
(vírus Influenza) que vem ocorrendo no país e do ataque que o Ministério da Saúde diz ter sofrido em seus sistemas,
o InfoGripe afirmou, em nota, não poder dizer, com certeza, que esse aumento é
por causa da Covid e não da gripe, que também pode levar a quadros de SRAG (veja
íntegra da nota mais abaixo).
Influenza ou Covid-19? Especialistas explicam diferenças de sintomas e
formas de contágio
De acordo com a fundação, até a semana que terminou
em 4 de dezembro, 12 das 27 unidades federativas tinham mostrado tendência de
crescimento nos casos de SRAG nas seis semanas anteriores: Acre, Amapá,
Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pará, Rio de Janeiro,
Rio Grande do Norte, Rondônia e São Paulo.
No boletim, a Fiocruz diz
que, apesar de o crescimento ser lento, ele é sustentado – e recomenda uma
"reavaliação das medidas de prevenção da transmissão de vírus
respiratórios, especialmente em relação aos eventos de final de ano para evitar
agravamento do cenário epidemiológico".
Veja íntegra da nota do
InfoGripe:
"Em decorrência do ataque recente
ao sistema do ministério da saúde, alguns fluxos de acesso e repasse legítimo
de dados foram afetados. Dentre eles, o repasse semanal dos dados de síndrome
respiratória aguda grave (SRAG) do SIVEP-Gripe para atualização do sistema
InfoGripe. Em função disso, os dados digitados até o encerramento da semana
epidemiológica 49 (05 a 11 de dezembro) ainda não foram integrados ao InfoGripe
para análise de situação atual. Isso afeta não apenas as análises referentes à
semana 49, mas também às semanas anteriores por conta das atualizações em casos
já notificados (inserção de resultado laboratorial, evolução do caso para
alta/óbito, entre outros), bem como a própria inserção de casos ocorridos em
semanas passadas mas que só foram digitados na semana 49.
Um exemplo de impacto negativo
relevante para o momento atual é a incapacidade de acompanhar os resultados
laboratoriais associados aos casos de novembro que ainda não haviam sido
notificados. Tal informação é de fundamental importância para avaliar, por
exemplo, se a tendência de aumento apontada em diversos estados no boletim do
InfoGripe da semana 48 já estaria associada ao vírus Influenza ou se ainda
seria decorrência majoritariamente da COVID-19, bem como a avaliação preliminar
dos vírus respiratórios já identificados em casos associados a própria semana
49. Tais ações fazem parte da prestação de serviço do sistema InfoGripe para a
vigilância nacional de vírus respiratórios no país, tanto para auxílio às ações
dos agentes de saúde nas secretarias municipais, estaduais e no ministério da
saúde, como para manter a população informada sobre o cenário
epidemiológico."
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