quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Estudo mostra que portugueses chegaram ao Brasil pelo litoral do RN

Pesquisadores calcularam que o sinal de terra avistado por Cabral veio do RN. Portugueses vieram primeiro ao Estado | Foto: Adriano Abreu

Novas pesquisas reacenderam o debate sobre o local exato onde a esquadra de Pedro Álvares Cabral aportou em abril de 1500, na terra que viria a se chamar Brasil. A partir de análises numéricas da carta de Pero Vaz de Caminha, aliadas a expedições de campo, o movimento de reabertura do debate, provocado pela física e a revisão minuciosa da carta de Caminha, reacende questionamentos sobre um dos episódios fundadores da história brasileira e coloca o Rio Grande do Norte no centro dessa disputa narrativa que pode redesenhar a própria concepção do “Descobrimento do Brasil”.

O estudo mais recente, publicado no Journal of Navigation, da Universidade de Cambridge, foi conduzido pelos físicos Carlos Chesman (UFRN) e Cláudio Furtado (UFPB). Eles catalogaram os dados numéricos da carta de Caminha e os correlacionaram com rotas prováveis, ventos, correntes marítimas e observações feitas em expedições no litoral do RN. Chesman afirma que a equipe cruzou documentos e medições para reconstruir o trajeto descrito: “O que a gente fez foi algo interdisciplinar. A gente pegou um documento histórico e fomos analisar os dados da parte que a gente domina, que são exatamente os dados numéricos”.

Segundo o pesquisador, as evidências apontam que a trajetória que Cabral fez, partindo de Cabo Verde até visualizar sinais de terra, corresponde a 4 mil quilômetros nas unidades atuais. “Se você fizer uma rota usando mapas de hoje, seguindo os ventos, saindo da região do Cabo Verde, corresponde exatamente à chegada no litoral do Rio Grande do Norte. Essa é a primeira evidência numérica”, explica.

A segunda evidência numérica do estudo também se baseia na carta de Pero Vaz de Caminha quando é descrito que o monte (Pascoal) foi visto a, aproximadamente, 40 quilômetros do litoral. A expedição de Chesman partiu então para o mar até essa mesma distância e fotografou o que se via a olho nu, tendo em vista que em 1500 não havia lunetas, nem telescópios. “A gente conseguiu visualizar o que está descrito na carta: um monte muito alto e arredondado e outros ao sul à esquerda. É exatamente essa descrição que Pero Vaz escreveu”, destaca o pesquisador.

Dentro dessa perspectiva da chegada dos portugueses primeiramente no RN, a visão difere do que se cogitava anteriormente. O monte descrito não se trata do Pico Cabugi, que também pode ser visto pelo mar no litoral norte potiguar, segundo Chesman. “A formação pontiaguda não está descrita na carta e por isso não corresponde nem ao Pico Cabugi nem ao monte da Bahia, que tem formato de pico. O estudo de topografia que a gente fez aponta para o Monte Serra Verde, em João Câmara”.

Além do relevo, a equipe analisou dados de batimetria descritos por Caminha. Essas informações, que relacionam profundidade e distância da costa, permitem inferir a aproximação da esquadra. Para Chesman, esse conjunto de dados também converge para o litoral potiguar. “Com essa batimetria, a gente fez três rotas: duas aqui e uma lá na Bahia. As duas rotas mais próximas são exatamente aqui”, explica.

A pesquisa refere-se ainda ao marco português fincado na atual praia do Marco, em Pedra Grande, datado de 1501. Segundo o pesquisador, esse vestígio reforça a hipótese potiguar, com base em documentos levantados pelo escritor e pesquisador Manoel Neto Cavalcanti. “Então, o marco existir aqui é um fato a favor da passagem de Cabral por aqui antes de chegar para fazer o povoamento lá em Porto Seguro”, atesta Chesman.

O escritor Manoel Cavalcanti, que há décadas estuda a carta de Caminha e lançou obras sobre o tema, também reforça seu posicionamento sobre a chegada de Cabral ao Rio Grande do Norte. Para ele, a análise precisa do documento original tem sido prejudicada por traduções equivocadas e interpretações distorcidas. “A carta é o único documento realmente certificado escrito no palco do acontecimento, mas há muitas distorções a respeito disso. Por exemplo, onde não tinha vírgula, colocaram, o que altera a interpretação”, diz. Ele argumenta que pequenas alterações mudam sentidos e comprometem interpretações históricas.

O escritor ressalta que a nova versão dos fatos agora também é respaldada pela ciência com a pesquisa dos físicos Chesman e Furtado, mas o debate enfrenta resistência, muitas vezes por rejeição prévia. “As pessoas muitas vezes criticam pelo simples fato de ser do contra”, afirma.

Impactos

Manoel Cavalcanti acredita que, uma vez aceita e oficializada, a versão do descobrimento do Brasil pelo Rio Grande do Norte poderia trazer benefícios econômicos ao estado, além do reconhecimento de sua importância histórica. “A região de Porto Seguro tem cerca de 70 mil leitos, ou seja, a história movimenta o turismo com cerca de 1 bilhão de reais por ano. Se explorássemos somente o nosso Marco de Touros, 10% disso significaria 100 milhões incrementados no turismo”, estima.

O estudo potiguar contraria a interpretação oficializada desde o século XIX, quando o Visconde de Porto Seguro definiu a Bahia como ponto de chegada com base em um documento do mestre João, que mencionava latitude aproximada de 17 graus.

Apesar do avanço científico, o pesquisador Carlos Chesman ressalta que a consolidação da nova interpretação depende do debate acadêmico. “A maioria é quem vai dizendo se algo realmente é verdadeiro”, diz. Um colóquio científico para debater o estudo está sendo organizado por Chesman para o ano que vem, no Rio Grande do Norte.

Tribuna do Norte

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