sábado, 4 de outubro de 2025

Seletividade alimentar: A importância do investimento na alimentação dos pequenos

A cara de raiva e a boca fechada diante do prato é cena comum nos primeiros anos de vida de uma criança. A chamada seletividade alimentar infantil é uma fase normal da formação de personalidade dos pequenos, mas que pode ser ainda mais difícil para eles e os pais se não for vivenciada com os devidos cuidados. E para as famílias com crianças dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA), o momento pode ser ainda mais delicado. A seleção alimentar pode ser tão severa, que a introdução de novos alimentos exige um trabalho constante de observação, adaptação e acolhimento.

Normalmente, a seletividade alimentar começa a dar seus primeiros sinais a partir de um ano e meio a dois anos de idade, segundo a nutricionista e professora Eva Andrade. “Isto se dá devido à questão de maturidade, de formação de personalidade e preferências alimentares. É algo esperado, a criança está formando suas aceitações, escolhas alimentares e sua personalidade. Começa a influir também nas preferências do que ela gosta e do que não gosta”, diz.

Uma fase comum no desenvolvimento infantil, mas sujeita também a transtornos quando começa a atrapalhar a nutrição da criança. “Quando a criança começa a rejeitar um grande número de alimentos e tem uma dificuldade de aceitar novos alimentos, é um sinal de que essa seletividade, que devia ser só uma questão de preferência alimentar, já está se encaminhando para uma questão de saúde”, explica.

É o ponto em que a seletividade alimentar pode prejudicar o desenvolvimento da criança, afetar seu peso, e sua saúde em geral devido à carência nutricional. Uma alimentação muito restrita dificulta a ingestão de micronutrientes. Isso porque as vitaminas e minerais são encontrados em grupos alimentares diferentes. Em crianças, a ingestão de vitaminas e minerais se torna ainda mais importante em virtude das necessidades do organismo para o crescimento e desenvolvimento adequados.

A nutricionista ressalta que, apesar de preferências alimentares serem normais, quando a criança passa a aceitar só um tipo de alimento, e rejeita qualquer alimento novo, qualquer textura diferente, o fato passa a ser um sinal de alerta. O cotidiano alimentar passa a ser um problema, segundo Eva. “Se os pais vão sair com essa criança, e precisa levar uma comida especial porque ela não aceita o que está disponível no local, tem dificuldade de experimentar o que está fora de sua casa, é um forte sinal de alerta”, diz.

Estratégias alimentares

Para lidar com a seletividade infantil, algumas estratégias podem ser levadas em conta. Eva Andrade explica que os pais devem dar o exemplo quando se trata de alimentação. “É importante que a criança veja seus pais se alimentando de forma variada, porque eles ainda são o principal exemplo para ela. As crianças têm na fase da primeira infância, principalmente o que a gente chama de ‘neurônio espelho’, na qual ela reproduz o que os pais fazem”, diz.

Há dicas básicas, como respeitar o apetite da criança, não insistir quando ela diz estar sem fome. Tornar a refeição mais agradável, com vegetais cortados, coloridos, com o molho favorito dela. Levar a criança ao supermercado, nas feiras ou na padaria, que ela ajude a selecionar frutas, vegetais e outras iguarias saudáveis. Minimizar distrações com telas de TV e celulares. Não oferecer sobremesas como recompensa ou prêmio, pois isso pode aumentar o desejo delas por doces, reforçando que essa é a “melhor” parte da refeição.

Há dez anos a jornalista e empresária Nathália Coronado lida com os apetites infantis através da Petit Poti, o primeiro restaurante para bebês de Natal. Por experiência cotidiana, ela sabe que as primeiras rejeições dos pequenos são os vegetais. “As pessoas costumam oferecer muito no início da vida alimentar da criança, mas as próprias famílias costumam não ter o hábito de consumir legumes, frutas e verduras, e vão tirando da alimentação”, diz.

Ao parar de receber estímulos para comer vegetais, a criança assimila a comida ultraprocessada dos pais e passa a rejeitar os sabores naturais. Portanto, a estratégia que Nathália oferece aos pais que a procuram, é oferecer uma introdução alimentar adequada, começando com seis meses, estimulando a criança a ter um vasto repertório alimentar com frutas, verduras e legumes. “A ideia é que o paladar dela seja bem estimulado com vários sabores”, completa.

O cardápio da Petit atende crianças de seis meses a dois anos de idade, sem restrição a crianças mais velhas. A comida é vendida em forma de cubos congelados, onde tem tudo que se espera de uma boa refeição, entre proteínas, legumes, cereais e grãos. Nathália afirma que também estimula hábitos como levar a criança à cozinha para ver a comida sendo feita, e a comensalidade – a refeição em família.

Autismo

Eva Andrade, que também atua na produção técnica da Petit Poti, ressalta que a alimentação da criança autista exige uma atenção especial. “Uma das comorbidades do autismo é a seletividade alimentar, e muito se dá porque a criança já apresenta um descompasso neurológico associado a uma alteração de microbiota que favorece essas preferências mais extremas”, explica. São normalmente pacientes que já apresentam um quadro de seletividade a vários alimentos, principalmente o alimento novo, o que configura o quadro de autismo.

A seletividade alimentar da criança autista, segundo a nutricionista, precisa ser melhor trabalhada com terapia alimentar, porque ela tende a ser mais persistente, a ter maior dificuldade para romper essa seletividade. “Então a gente precisa de terapias nutricionais para conseguir reverter ou minimizar essa seletividade”, enfatiza.

A embaladora Stefania Régis, mãe de Samuel Xavier, de cinco anos, conta que a partir dos dois anos de idade, a seletividade alimentar do filho se manifestou de forma severa. “No começo da introdução alimentar ele comia de tudo, mas logo passou a não comer mais. Quase nada”, diz. O pequeno rejeita quase tudo entre vegetais e proteínas. De fruta, come apenas banana; arroz, só de leite; macarrão, no início sem molho, e agora só com ketchup; gosta de cuscuz; de carnes, só embutidos tipo hambúrguer, salsicha e frango empanado.

A mãe conta que já consultou um nutricionista, preocupada com o aporte nutricional de Samuel. O profissional chegou a receitar um suplemento alimentar em pó, mas recomendou que os pais seguissem observando as mudanças de gosto da criança, e se adaptando da melhor forma a elas, sem forçá-lo. “A gente vai tentando, até encontrar algo que ele goste. Há fases que ele muda de paladar. Cada alimento aceito é uma conquista”, conclui.

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Tádzio França/Repórter

Tribuna do Norte

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