O processo de descomissionamento dos parques eólicos, que em breve se tornará realidade no Rio Grande do Norte, abre uma frente de oportunidades que vai muito além da substituição ou desativação das turbinas antigas. A desconstrução das torres, pás e demais estruturas — e o consequente reaproveitamento dos materiais — já é vista por especialistas e empresários como um motor de uma nova cadeia econômica, capaz de integrar a indústria de reciclagem, a construção civil e a metalurgia. Em outras palavras, um ciclo que transforma o fim da vida útil dos aerogeradores em ponto de partida para negócios bilionários e sustentáveis.
O movimento, apontam os
representantes do segmento, reforça a própria essência da atividade,
reconhecida como uma dos mais limpas do mundo por trabalhar com fontes
renováveis. As soluções para o reaproveitamento de materiais vão ao encontro de
uma preocupação global com a sustentabilidade de todo o ciclo de vida dos
equipamentos. Um levantamento do Global Wind Energy Council (GWEC, 2022),
destaca que aproximadamente 90% dos materiais e componentes de uma turbina
eólica podem ser reciclados.
Essa porcentagem inclui
fundação, base, componentes da nacele e a torre, rotor (nariz do aerogerador),
caixas de engrenagens, eixos de rotação, feitos de materiais como aço, cimento
reforçado, fio de cobre e eletrônicos. Os 10% restantes – principalmente as
pás, compostas de vidro ou fibras de carbono e matriz polimérica – já têm
destinação alternativa em outros países, como a incorporação em asfalto ou
tijolos de solo-cimento. Os itens não podem ser reutilizados na própria
indústria de renováveis porque são considerados ultrapassados.
Pá de uma torre eólico sendo
descarregada no Porto de Natal em 2015 – Foto: Magnus Nascimento/TN
A grande dimensão física do
negócio se reflete no tamanho e abrangência da cadeia diversa que começa a se
formar no Estado. Isso porque não é possível pensar em reaproveitamento sem
envolver outros setores, resume o presidente da Fiern, Roberto Serquiz. “Estamos
falando de aço que pode retornar à siderurgia, de cabos de cobre que se
transformam em insumo para outras indústrias e de concreto que pode ser
reaproveitado em obras civis. É uma oportunidade para gerar emprego e renda,
fortalecer a economia circular e consolidar o Rio Grande do Norte como
referência em sustentabilidade”, pontua.
Essa engrenagem de inovação é
descrita pelo setor como uma grande revolução da energia eólica no Brasil. Se
na primeira fase o desafio foi implantar parques eólicos em larga escala, agora
a missão é dar destino responsável a toneladas de aço, concreto, cobre e
fibras. “Estamos diante de um mercado bilionário que envolve desmontagem,
logística, destinação de materiais e novos produtos. E o mais importante: abre
espaço para as empresas de BoP civil e elétrico, que já têm expertise em obras
e manutenção, se associarem a recicladoras como a Recicla.”, afirma Sérgio
Azevedo, presidente da Comissão Temática de Energias Renováveis (Coere) da
Fiern.
Integração das indústrias
O avanço dessa nova frente de
reciclagem projeta um efeito multiplicador na economia potiguar. Empresas de
logística, siderurgia, cimento e até fabricantes de resinas e polímeros podem
se beneficiar do reaproveitamento dos diferentes componentes retirados dos
aerogeradores. O Rio Grande do Norte, que é responsável por 30% da geração
eólico do Brasil, tem potencial não apenas para atender à demanda interna, mas
também para se consolidar como um polo nacional de reciclagem e
reaproveitamento de equipamentos.
O presidente do Sindicato de
Reciclagem e Descartáveis (SindRecicla-RN), Etelvino Patrício, detalha que o
descomissionamento não se limita ao desmonte dos aerogeradores, mas representa
uma oportunidade significativa para a geração de riquezas em múltiplas etapas
da cadeia produtiva. “Estamos falando de transporte especializado, corte e
separação de materiais, trituração e reaproveitamento do aço, cobre e alumínio,
além da destinação correta das pás. Isso significa mais postos de trabalho em
diferentes setores, desde logística até metalurgia e engenharia, com impacto
direto na economia local e regional”, explica.
Etelvino Patrício é presidente do
SindRecicla-RN e comanda a maior recicladora do Nordeste – Foto: Alex
Régis/Arquivo TN
Além disso, o RN abriga a
maior empresa de reciclagem do Nordeste, a Recicla RN, também comandada por
Etelvino Patrício. A empresa possui capacidade de armazenamento de 3 mil
toneladas de materiais por mês, distribuídas em 13 mil metros quadrados de área,
o que permite absorver não apenas a demanda local, mas também a de parques
eólicos que serão descomissionados em outros estados. Atualmente, a indústria
de reciclagem potiguar gera cerca de 5,4 mil empregos diretos e aproximadamente
18 mil indiretos, reforçando seu impacto social e econômico no território
potiguar.
Patrício enfatiza que o maior
desafio está nas pás das turbinas, construídas com materiais compósitos
complexos, cuja reciclagem exige cuidados específicos. “Além das pás não
possuírem um grande valor agregado, você tem um material que tem poucas possibilidades
de aplicabilidade. Você precisa realmente desenvolver processos de reciclagem e
processos de destinação, que por enquanto, as que nós estamos recebendo, nós
estamos triturando, segregando e mandando justamente para os cimenteiros para
ser usado nos seus fornos”, comenta.
A experiência prática da
Recicla RN com descomissionamento já começou com a reciclagem de peças de
parques eólicos que sofreram sinistros, como incêndios, quedas ou falhas
técnicas. Na visão de Etelvino Patrício, essa vivência credencia a empresa a
atuar de forma ainda mais qualificada na desmontagem planejada de parques
inteiros. “Isso, com certeza, nos permite combinar essa eficiência operacional
com práticas de economia circular, oferecendo soluções completas e sustentáveis
para o setor”, complementa.
As partes de um aerogerador
Os aerogeradores, ou turbinas
eólicas, são estruturas complexas que capturam a força do vento e a convertem
em eletricidade. As torres utilizam um modelo comum com três pás que giram em
torno de um eixo horizontal. Cada parte do gerador eólico desempenha um papel
específico na transformação do vento em eletricidade, e o descomissionamento
envolve atenção a todos esses elementos.
Os
componentes de um aerogerador – Gráfico: Iberdrola/Reprodução
Pás: A estrutura mais
utilizada é aquela que possui três pás que se movem em torno de um eixo
horizontal. Cada uma delas gira graças à força do vento, transformando a
energia cinética em energia mecânica.
Torre: Serve de suporte
para o rotor e a nacele, de forma que estejam a uma altura suficiente para
captar ventos mais fortes e constantes. Pode ser feito de aço, concreto ou uma
combinação de ambos.
Base: Estrutura de
fundação de concreto que sustenta todo o aerogerador.
Rotor: Composto pelas pás
e pelo cubo. É a parte responsável por capturar a energia cinética do vento.
Nacele ou gôndola: Compartimento
localizado no topo da torre que abriga todos os componentes mecânicos e
elétricos, incluindo o gerador, a caixa de engrenagens e o sistema de controle.
Cubo: Componente central
do rotor ao qual as pás estão fixadas. Transmite a energia mecânica gerada pelo
movimento das pás para o eixo de baixa velocidade.
Eixo de baixa velocidade: Conecta
o rotor à caixa de engrenagens e gira na mesma velocidade que o rotor.
Caixa de engrenagens ou
multiplicadora: Aumenta a velocidade de rotação do eixo de baixa
velocidade e a transfere para o eixo de alta velocidade.
Eixo de alta velocidade: Conecte
a caixa de engrenagens ao gerador e gira em uma velocidade que permite o
funcionamento do gerador.
Gerador: Converte a
energia mecânica em energia elétrica. Seu formato pode variar dependendo do
tipo de turbina eólica.
Sistema de controle: Permite
monitorar e regular o aerogerador para otimizar a produção de energia e
garantir a segurança. Inclui uma série de sensores que coletam e enviam dados
por meio de uma linha de comunicação.
Do que é feito um aerogerador?
Quem viaja de carro pelo
interior do Rio Grande do Norte provavelmente já avistou, no horizonte, os
grandes parques eólicos que se espalham pelo Estado. As torres de energia
eólica, ou aerogeradores, se destacam na paisagem e transformam a energia
cinética do vento em eletricidade, graças a uma combinação complexa de
estruturas e componentes que dependem de minerais estratégicos, como cobre,
terras raras, ferro e alumínio (extraído da bauxita) para sua construção.
As pás ou lâminas,
responsáveis por captar a força do vento, podem ser fabricadas com materiais
compostos, como poliéster ou epóxi combinados com fibra de vidro ou carbono. De
acordo com o Ministério de Minas e Energias, pesquisas indicam ainda a possibilidade
de utilizar chapas de aço na fabricação das pás, o que, segundo estudos do
Instituto Fraunhofer, na Alemanha, pode gerar uma economia de até 90% na
produção.
Minerais
em um aerogerador – Gráfico: MME/Reprodução
O aço é usado também na
construção do rotor (ou hub), o “nariz” do aerogerador, um dos componentes mais
pesados da estrutura. A nacele, localizada atrás das pás, abriga o gerador,
sistemas hidráulicos e a turbina, e é também o local onde se concentram ímãs
feitos com terras raras, essenciais à geração de energia. Estudos do Serviço
Geológico dos Estados Unidos apontam que o Brasil detém a segundo maior reserva
mundial desses elementos, atrás apenas da China.
As torres de concreto, que
sustentam toda a estrutura, são compostas por cimento, calcário, argila e
gesso, podendo incluir até 60% de outros minerais, como ferro e brita – formada
por rochas como basalto, granito e calcário. A base garante que os aerogeradores
resistam aos ventos fortes e intempéries por décadas. Outros minerais também
estão presentes nos aerogeradores, como cobalto (em baterias), cobre e zinco
(nas fiações) e molibdênio (em ligas especiais de alta resistência).
Segundo Rodrigo Mello, diretor do Senai-RN, a reciclagem desses materiais não é apenas possível, mas necessária. “O que for de metal, entra a indústria de reciclagem de metais, concreto para construção civil, estradas, obras de grande infraestrutura. Os materiais eletrônicos todos você aproveita e têm alto valor agregado. Até materiais que estão muito na moda, as chamadas terras raras, que o Mundo quer para fazer chips”, destaca.
Esta é a segunda de
três reportagens da série Ciclo dos Ventos, que analisa os impactos e
oportunidades gerados pelo descomissionamento dos parques eólicos. Nesta
matéria, destacamos como a reciclagem de torres, pás e componentes pode
movimentar diferentes setores da economia. Confira também:
Parte
I: RN se prepara para descomissionamento de primeiros parques eólicos
Parte
III: Futuro do descomissionamento eólico na indústria no RN
Bruno Vital/Repórter
Tribuna do Norte

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