sábado, 26 de julho de 2025

Saúde mental na infância é coisa séria

A infância nem sempre é um período de leveza e alegria. Essa visão romantizada cai por terra diante dos dados recentes emitidos pelo Ministério da Saúde sobre a saúde mental das crianças e adolescentes do Brasil. Segundo o órgão federal, os quadros de ansiedade e depressão entre os pequenos bateram recorde em 2025, registrando grande número de atendimentos por transtornos variados, e formando um cenário que preocupa especialistas e famílias. O emocional infantil não é brincadeira.

Conforme o levantamento do Ministério da Saúde, o número de atendimentos por transtornos de ansiedade em crianças de 10 a 14 anos cresceu 2.500% nos últimos dez anos, saltando de 1.850 registros em 2014 para mais de 24.300 casos em 2024. Entre adolescentes de 15 a 19 anos, o avanço foi ainda mais alarmante: +3.300% no mesmo período, com mais de 53 mil atendimentos anuais registrados no Sistema Único de Saúde (SUS).

O fenômeno não é exclusivo do Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, a taxa de ansiedade em crianças subiu de 7,1% para 10,6% entre 2016 e 2022. A depressão infantil também aumentou de 3,2% para 4,6% no mesmo período. Especialistas apontam as redes sociais como um dos principais gatilhos para a saúde mental de crianças e pré-adolescentes em todo o mundo.

Segundo a psicóloga Taciana Chiquetti, o aumento nos casos de depressão e ansiedade entre os menores tem a ver, de forma mais ampla, com o modo de viver da sociedade contemporânea. “Trata-se de uma crise bem anterior à pandemia, porém ainda mais perceptível a partir dela e do que veio depois”, diz. São apontados fatores determinantes como o isolamento social, o uso excessivo de telas, a hiperexposição às redes sociais, e a pressão escolar.

“É comum o sentimento de não pertencimento e de desconexão, características básicas de relações fragilizadas na sociedade moderna ocidental e que influenciam diretamente na qualidade dos sujeitos que estamos formando”, diz a psicóloga. Esse modo de funcionar satisfazendo gostos e desejos de forma imperativa, diz ela, promove inconsistência e interfere nas dimensões estruturais do ser humano.

Para Taciana, os educadores, sejam eles pais ou professores, têm de modo geral dificuldade para estabelecer os limites tão necessários às crianças e adolescentes, assim como também demonstram dificuldade de manifestar afetos verdadeiros. “As comparações constantes com realidades aleatórias às suas próprias também contribuem para manifestações de sintomas relacionados à ansiedade e à depressão”, afirma.

Sinais

Os transtornos depressivos ou ansiosos em uma criança possuem sinais diversos, segundo a psicóloga, como dificuldade de relacionamento, evitação do ambiente escolar, dificuldades de aprendizado, comportamento agressivo ou apático, dificuldades de se autorregular em relação à alimentação, ao sono e ao controle das necessidades fisiológicas, apego demasiado com os pais ou pessoas de referência, e choro constante.

Fatos normalmente cotidianos, como o ambiente escolar, as redes sociais e o uso de tecnologias populares, são capazes de adoecer mentalmente as crianças de acordo com o contexto em que se desenrolam. “São coisas que podem reforçar o sentimento de não pertencimento, de comparação, de desconexão, e de baixa autoestima”, diz.

O distanciamento e isolamento fazem com que os pequenos tenham mais dificuldades em adquirir habilidades fundamentais a uma formação saudável. “Algo que envolve experimentarem a vida em todas as suas nuances, e aprenderem a fazer as coisas de modo autônomo e de acordo com suas particularidades como indivíduos”, analisa.

Segundo ela, as escolas estão buscando se capacitar e ampliar o modo de ver a educação emocional e a formação humana. “A presença de psicólogos no ambiente escolar é também fundamental para mudar esta realidade descrita pelas estatísticas do Ministério da Saúde”, diz. A psicóloga ressalta que os sinais variam de acordo com as particularidades de cada criança, e que devem ser analisados de modo mais amplo junto aos pais, escola e profissionais de saúde mental.

Habilidades emocionais

O papel dos pais e responsáveis diante de quadros de adoecimento emocional infantil é delicado e fundamental. Envolve, segundo Taciana, ajudar as crianças a desenvolverem habilidades emocionais e lidar com as frustrações. “Quanto mais amada a criança se sente, mais ela respeita regras e desenvolve amor próprio e pelos outros. É importante conhecer os princípios do comportamento. Busque compreender por que razão a criança se comporta de determinada maneira”, diz.

Conhecer o processo de desenvolvimento de uma criança é importante, mas é igualmente valioso para o adulto, se autoconhecer como pai ou mãe. As crianças se espelham nos adultos, então é preciso compreender o ambiente familiar para compreender a criança. “Não se pode exigir de alguém em formação o que nem mesmo os adultos são ainda capazes de fazer. A boa educação deve incluir, de forma equilibrada, limites e regras, afeto e envolvimento”, afirma.

Comunicar-se de forma positiva e clara com o filho é fundamental para que ele compreenda a mensagem que está sendo passada. “As regras devem ser sempre claras, consistentes, realistas e apropriadas à idade da criança. E devem ser repetidas, principalmente se a criança é pequena. Por isso, tenha paciência. É importante evitar ameaças, comparações, ignorá-la ou não dar explicações”, ensina. É importante criar um ambiente familiar carinhoso no qual a criança se sinta aceita, orientada e apoiada.

A psicóloga lamenta que muitos pais ainda tenham resistência em procurar ajuda psicológica para seus filhos. “O medo, emoção básica por trás da ansiedade, e a tristeza, emoção básica por trás da depressão, são naturais e necessárias à vida. É a forma como essas emoções são reguladas internamente, em nossa subjetividade, que determina se ela nos protegerá dos riscos iminentes ou nos bloqueará de avançarmos na vida”, explica.

Cada uma dessas emoções tem formas diferentes de enfrentamento e um bom processo terapêutico pode ajudar, ressalta Taciana. “É importante começar logo um processo terapêutico com a criança quando os pais ou a escola identificam que algo não vai bem. Frequentemente a psicoterapia com crianças e adolescentes é fluida e demonstra ótimos resultados”, diz.

Segundo a psicóloga, há dez habilidades emocionais que as crianças precisam desenvolver: autoconfiança, coragem, paciência, persistência, tolerância, controle dos impulsos, resistência às frustrações, comunicação, e empatia.

Tádzio França/Repórter

Tribuna do Norte

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