Apesar disso, a
presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Nader, teme que o
Brasil esteja ficando para trás, em comparação com os outros países do bloco,
especialmente os asiáticos.
Em entrevista exclusiva
à Agência Brasil, após a realização do Fórum de Academias
de Ciências do BRICS, a biomédica e professora universitária
defendeu maiores investimentos em ciência e tecnologia e maior cooperação entre
os Brasil e os países do grupo.
Agência Brasil: Na sua
fala aos participantes do encontro, a senhora disse que é preciso agir e não
apenas assinar mais um documento. Como fazer isso?
Helena Nader: O problema
é que a maioria dos países dos Brics, tirando a China e a Índia, que têm um
investimento pesado na área de ciência, ainda não acordaram pra essa realidade.
A gente já mudou muito, já melhorou muito a condição de vida no Brasil. E isso
foi pela ciência, muita ciência... Mas a sociedade ainda não percebeu isso. E o
governo também não percebeu isso. Nós vamos entregar o nosso comunicado aos
chefes de Estado dos países do Brics, vai ter a reunião dos Brics aqui no Rio
de Janeiro, os governos vão assinar mais um acordo e depois vão fazer o que com
esse acordo? É isso que eu me pergunto.
Agência Brasil: A senhora
também disse que os países do Brics estão vivendo uma oportunidade única pela
geopolítica...
Helena Nader: Sim. Eu
estive na China durante quase 20 dias, percorrendo o país, e o que o presidente
da China, Xi Jinping, tem feito? Eles têm um programa a cada 5 anos, e a
ciência é o eixo central. Não é à toa que, na primeira vez em que eu fui para a
China, em Pequim, não dava pra enxergar o céu, era tudo preto de fumaça, e hoje
o céu é azul! Eu queria que São Paulo e o Rio fossem assim. E o Brasil pode
decidir fazer isso. A gente tem que olhar com quem a gente
está colaborando.
Agência Brasil: E o que
falta para o Brasil tomar essa decisão?
Helena Nader: O Brasil
não acredita em ciência. A política brasileira não acredita em ciência... Ela
fala que isso que é importante, mas não acredita. Quando o Senado Federal
colocou que o Ministério de Ciência e Tecnologia e todos os projetos de ciência
nos outros ministérios não entrariam no arcabouço fiscal, a Câmara derrubou.
Então, isso é a prova de que nós somos diferentes da China. Ela disse: "Eu
quero ser o senhor do mundo, e, para isso, eu preciso de educação e
ciência". Eles já tinham uma tradição em educação, e agora eles têm
laboratórios nacionais espalhados por toda a China, que é um país gigante.
Aqui, está tudo concentrado no Rio de Janeiro e em São Paulo. Sabe quantos
criomicroscópios tem na China? Mais de 120. Sabe quantos tem no Brasil? Funcionando,
dois. E um terceiro vai ser instalado. Então, são opções.
Agência Brasil: Há um
problema de financiamento também?
Helena Nader: Não tem
financiamento científico. O único financiamento nosso é FNDCT [Fundo Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], mas o que sobra dele para a
ciência, de fato, é uma microfatia. Então, nós não temos um projeto. O Brasil
não quer ser grande. Eu já falei isso no Congresso Nacional e insisto.
Independentemente de quem é o governo, todos os ministros da fazenda, da
economia, o nome que você quiser dar, a única ocupação é pagar a dívida.
Eu não esqueço uma frase do
então ministro da economia do governo Bolsonaro [Paulo Guedes], que disse que o
Brasil não precisa de ciência, porque, quando precisar, é só comprar a
tecnologia. Agora, olha os países asiáticos. Eles acreditam em ciência. Olha a
Coreia o que fez. Olha a produção científica da Malásia hoje! A academia deles
foi criada em 1995. Vai ver o Vietnã como está. O Vietnã saiu de uma guerra,
gente. Agora, no Brasil, a política brasileira não está enxergando que a
ciência é a solução. Fui eu quem falou pela primeira vez essa frase, repeti
várias vezes, tanto que todo mundo incorporou: "Ciência não é gasto, é
investimento". Mas no Brasil é visto como gasto, porque investimento é
colocar dinheiro na bolsa de valores.
Agência Brasil: E em qual
patamar a Ciência brasileira está hoje?
Helena Nader: A ciência
brasileira é muito boa, mas a produção está caindo. E isso não só por falta de
investimento, mas por falta de respeito. A carreira de docente acabou. Eu sou
professora titular, aposentei por idade, com 75 anos. Fui pró-reitora de
graduação, trabalhei a vida inteira com drogas químicas pesadas e radioativas.
Na hora que eu me aposentei, tiraram tudo isso. Então, a carreira não é
estimulante. Mas dizem que tem que encolher o Estado brasileiro. Quem é o
estudante que vai querer se tornar pesquisador, com dedicação exclusiva, pra
ganhar uma bolsa de R$2,1 mil reais?
Agência Brasil: E qual a
expectativa de vocês a partir do encontro do Brics?
Helena Nader: O que a
gente propõe é que os governos, as instituições multilaterais e organizações e
os stakeholders da sociedade trabalhem juntos com a comunidade
científica, para garantir que conhecimento, inovação e cooperação se tornem os
pilares de um sul global revitalizado.
No ano passado, que nós
sediamos o G20, eu vibrei, porque muitos pontos das nossas recomendações foram
incorporados ao comunicado final dos chefes de Estado. Só que documentos não
vão mudar a geopolitica. Documentos não vão melhorar a economia. O que vai
melhorar a economia é educação e ciência. E, infelizmente, alguns países
perceberam isso, mas outros não. Se você olhar a própria Arábia Saudita, que
não quis assinar o documento, está investindo pesado em alternativas
energéticas, em colaboração com a China, com a Rússia. O Brasil não pode ficar
isolado.
Agência Brasil

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