domingo, 20 de julho de 2025

Empreendimentos com foco na fé ganham espaço em Natal

O avanço dos evangélicos no Brasil, especialmente no Rio Grande do Norte, deixou de ser apenas uma tendência religiosa para se tornar um fator de impacto direto no comportamento de consumo. Dados do Censo Demográfico de 2022 mostram que o número de evangélicos potiguares mais do que dobrou em pouco mais de duas décadas: eram 8,92% da população em 2000 e passaram a representar 21,42% em 2022, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse crescimento não passou despercebido pelo comércio, que encontrou nesse segmento uma oportunidade de negócio, acompanhando a demanda de um público que preza pela fé também nas escolhas cotidianas.

Esse é o caso de Júlia Carla, proprietária da Madam, uma loja de roupas situada no Alecrim com foco em moda modesta feminina voltada ao público cristão. “Há três anos eu comecei vendendo moda. Como eu já era evangélica, o ciclo de amizade que eu tenho é evangélico, as minhas roupas que eu uso também eram assim, eu não vi sentido em vender outro segmento”, afirma. Na loja, que possui dois anos de operação, é possível encontrar roupas desde o uso no dia a dia, até eventos que exigem uma maior elegância na composição.

A empresária explica que, embora a loja esteja aberta a qualquer público, sua proposta atende sobretudo às mulheres que não se sentem representadas pelas vitrines convencionais. “Se trata de uma composição que não vulgariza o corpo. Eu uso o nome moda modesta, porque qualquer tipo de pessoa pode usar sim essa moda modesta que não vulgariza o corpo, independente de uma religião”, detalha. O crescimento desse nicho é notado por Júlia tanto na movimentação diária quanto nos números. Segundo ela, o faturamento da loja cresceu 40% em relação ao ano anterior.

A busca por roupas alinhadas aos princípios cristãos tem revelado um padrão de consumo que valoriza discrição, elegância e conforto. Mesmo com a rotatividade intensa de clientes no Alecrim, a loja de Júlia mantém um perfil de atendimento personalizado, com peças entre R$ 80 e R$ 120, voltadas a adolescentes, mulheres adultas e senhoras. Hoje, ela conta com mais duas funcionárias que auxiliam no processo de atendimento.

A expansão desse tipo de negócio é acompanhada de perto por lideranças religiosas, que observam com atenção a mistura entre fé e consumo. Para o pastor Lucas Hellen, o avanço evangélico no Brasil está ligado ao poder de acolhimento da mensagem cristã, mas também a uma linguagem mais contemporânea adotada pelas igrejas. “A razão principal, penso eu, é a mensagem do evangelho de transformação, de recomeço. Essa mensagem sempre encontra espaço no coração das pessoas”, afirma.

No crescimento do mercado atuante ao público cristão, o pastor acredita que é exatamente a demonstração da tendência de um consumidor forte. “É um fenômeno que a gente não tem como evitar, porque a sociedade identifica. O comércio identifica o nicho e vai em busca disso. Isso já é uma evidência de que é um grupo forte, um grupo que tem um crescimento ou possibilidade de crescer”, considera Lucas. Ele alerta, no entanto, a necessidade de cuidado ao que considera como “linha tênue” para a escolha do que esteja de fato adequado às crenças.

Balcão de loja

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Linguagem mais jovem puxa crescimento do setor| Foto: Adriano Abreu

A presença evangélica também se traduz em novos espaços de comercialização de livros, objetos religiosos e artigos para o dia a dia. É o caso da Loja dos Evangélicos, também no Alecrim, administrada por Sales Pereira desde 2017. Atuando há décadas no comércio, ele percebe no segmento uma extensão natural de seus interesses pessoais. “Eu estou aqui porque tenho interesse no assunto. Eu gosto disso”, afirma.

Sales explica que sua relação com a fé evangélica começou em 1996. Apesar do carinho pelo setor, ele reconhece os desafios do varejo físico, especialmente com a digitalização das vendas de literatura. “Hoje o crescimento das vendas online tira um pouco desse comércio no lojista. Está em queda. Eu diria que em queda livre”, avalia. Apesar disso, ele afirma que o comércio de artigos religiosos ainda se sustenta, com a circulação de pelo menos 50 pessoas por dia.

Academia gospel movimenta zona Norte

Com o crescimento da demanda por ambientes alinhados aos valores cristãos, espaços antes distantes desse universo, como academias, também passaram a se reconfigurar. É o caso da Academia Espaço Movidos Pela Fé, na zona Norte de Natal, comandada por Walessa da Silva. Em 2022, após anos de experiências com encontros religiosos dentro da academia, ela decidiu transformar o negócio em um espaço com identidade cristã. “Hoje estamos colhendo os frutos. Muita gente fazendo matrícula, querendo conhecer. O cliente chega e já sabe que o conceito da academia é gospel”, afirma.

A academia é considerada a primeira do estado com essa proposta. Segundo Walessa, a decisão de integrar louvores, mensagens bíblicas nas paredes e um ambiente voltado à fé foi resultado de um longo processo de amadurecimento. “Foi um desejo que eu já carregava comigo. A gente entendeu que aquele espaço era um ambiente que as pessoas buscavam também para um momento de comunhão. Não só para treinar, mas para estar com outras pessoas que compartilham valores”, explica.

Apesar do direcionamento cristão, a academia é aberta a todos os públicos, e a vestimenta dos alunos não é regulada por critérios religiosos. “A gente não interfere na vestimenta. Existe uma norma como em toda academia, como homens não treinarem sem camisa, mas não fazemos acepção de pessoas”, garante Walessa. O ambiente acolhe alunos de diferentes religiões, inclusive católicos e espíritas. “Nosso maior público hoje é de católicos. Eles dizem que se sentem melhor lá por causa das músicas”, relata.

Símbolos da fé também compõem o espaço da academia. Na entrada, há versículos estampados nas paredes, lançando a palavra de forma sutil e respeitosa. Para Walessa, o crescimento desse tipo de espaço mostra que há uma demanda reprimida por locais que respeitem e valorizem os princípios cristãos. “Muitas pessoas não vão à academia porque acham que não é um ambiente adequado para elas. Quando entendem que podem treinar num lugar que respeita a fé delas, se sentem mais motivadas. A gente torce para que mais academias possam abrir dentro desse conceito. Não se trata de dinheiro, nem de vaidade, se trata de missão”, avalia.

Para o Pastor Lucas, a escolha das músicas em espaços vivenciados pelas evangélicas pode, de fato, ser um fator importante e decisivo. Segundo ele, a maioria dos cristãos evita músicas seculares que contrariem valores bíblicos. Esse comportamento molda até a escolha dos ambientes. “Se eu for para um ambiente onde tiver algum tipo de música que afeta a minha fé ou que vai incentivar algum tipo de comportamento que fere os princípios bíblicos, eu não vou me sentir bem”, considera.

Fabiano Carrilho, 43, profissional de educação física da academia liderada por Walessa, relata que todas as pequenas atitudes, incluindo a música, são o que chama a atenção da população. “O pessoal sempre tem muita curiosidade para saber como é que é e pergunta ‘só pode vir se for crente, se for evangélico’? Não, é para todo mundo, é aberto”, afirma. Um dos destaques da programação é a aula “Fit Crente”, realizada às terças-feiras, que mistura ritmos animados com louvores.

“Hoje a gente tem uma boa população do Brasil que confessa essa fé. Com certeza isso é um ponto em que o comércio, que o mercado vai olhar e certamente vai tentar pegar uma parte dessa população para o seu trabalho, seu capital, seu movimento. Respeitando todos os pontos para quem vai oferecer o serviço ou o produto e para aquele que vai consumir, é tomar o cuidado com os exageros, né, para se misturar as coisas. Eu acho que é muito saudável, que vale a pena se investir nisso”, explica o Pastor Lucas Hellen.

Ainda segundo os dados do Censo Demográfico de 2022, elaborado pelo IBGE, os católicos representavam 83,58% da população potiguar em 2000. Esse percentual caiu para 75,96% em 2010 e atingiu 67,01% em 2022. Entre os municípios, Ipueira lidera com 90,27% de católicos, enquanto Baía Formosa tem o maior percentual de evangélicos, com 34,28%. A população sem religião já representa 7,4% no estado, considerando pessoas com 10 anos ou mais.

Tribuna do Norte

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