Esse é o caso de Júlia Carla,
proprietária da Madam, uma loja de roupas situada no Alecrim com foco em moda
modesta feminina voltada ao público cristão. “Há três anos eu comecei vendendo
moda. Como eu já era evangélica, o ciclo de amizade que eu tenho é evangélico,
as minhas roupas que eu uso também eram assim, eu não vi sentido em vender
outro segmento”, afirma. Na loja, que possui dois anos de operação, é possível
encontrar roupas desde o uso no dia a dia, até eventos que exigem uma maior
elegância na composição.
A empresária explica que, embora a loja esteja aberta a qualquer público, sua
proposta atende sobretudo às mulheres que não se sentem representadas pelas
vitrines convencionais. “Se trata de uma composição que não vulgariza o corpo.
Eu uso o nome moda modesta, porque qualquer tipo de pessoa pode usar sim essa
moda modesta que não vulgariza o corpo, independente de uma religião”, detalha.
O crescimento desse nicho é notado por Júlia tanto na movimentação diária
quanto nos números. Segundo ela, o faturamento da loja cresceu 40% em relação
ao ano anterior.
A busca por roupas alinhadas aos princípios cristãos tem revelado um padrão de
consumo que valoriza discrição, elegância e conforto. Mesmo com a rotatividade
intensa de clientes no Alecrim, a loja de Júlia mantém um perfil de atendimento
personalizado, com peças entre R$ 80 e R$ 120, voltadas a adolescentes,
mulheres adultas e senhoras. Hoje, ela conta com mais duas funcionárias que
auxiliam no processo de atendimento.
A expansão desse tipo de negócio é acompanhada de perto por lideranças
religiosas, que observam com atenção a mistura entre fé e consumo. Para o
pastor Lucas Hellen, o avanço evangélico no Brasil está ligado ao poder de
acolhimento da mensagem cristã, mas também a uma linguagem mais contemporânea
adotada pelas igrejas. “A razão principal, penso eu, é a mensagem do evangelho
de transformação, de recomeço. Essa mensagem sempre encontra espaço no coração
das pessoas”, afirma.
No crescimento do mercado atuante ao público cristão, o pastor acredita que é
exatamente a demonstração da tendência de um consumidor forte. “É um fenômeno
que a gente não tem como evitar, porque a sociedade identifica. O comércio
identifica o nicho e vai em busca disso. Isso já é uma evidência de que é um
grupo forte, um grupo que tem um crescimento ou possibilidade de crescer”,
considera Lucas. Ele alerta, no entanto, a necessidade de cuidado ao que
considera como “linha tênue” para a escolha do que esteja de fato adequado às
crenças.
Linguagem mais jovem puxa
crescimento do setor| Foto: Adriano Abreu
A presença evangélica também se traduz em novos espaços de comercialização de
livros, objetos religiosos e artigos para o dia a dia. É o caso da Loja dos
Evangélicos, também no Alecrim, administrada por Sales Pereira desde 2017.
Atuando há décadas no comércio, ele percebe no segmento uma extensão natural de
seus interesses pessoais. “Eu estou aqui porque tenho interesse no assunto. Eu
gosto disso”, afirma.
Sales explica que sua relação com a fé evangélica começou em 1996. Apesar do
carinho pelo setor, ele reconhece os desafios do varejo físico, especialmente
com a digitalização das vendas de literatura. “Hoje o crescimento das vendas
online tira um pouco desse comércio no lojista. Está em queda. Eu diria que em
queda livre”, avalia. Apesar disso, ele afirma que o comércio de artigos
religiosos ainda se sustenta, com a circulação de pelo menos 50 pessoas por
dia.
Academia gospel movimenta
zona Norte
Com o crescimento da demanda
por ambientes alinhados aos valores cristãos, espaços antes distantes desse
universo, como academias, também passaram a se reconfigurar. É o caso da
Academia Espaço Movidos Pela Fé, na zona Norte de Natal, comandada por Walessa
da Silva. Em 2022, após anos de experiências com encontros religiosos dentro da
academia, ela decidiu transformar o negócio em um espaço com identidade cristã.
“Hoje estamos colhendo os frutos. Muita gente fazendo matrícula, querendo
conhecer. O cliente chega e já sabe que o conceito da academia é gospel”,
afirma.
A academia é considerada a primeira do estado com essa proposta. Segundo
Walessa, a decisão de integrar louvores, mensagens bíblicas nas paredes e um
ambiente voltado à fé foi resultado de um longo processo de amadurecimento.
“Foi um desejo que eu já carregava comigo. A gente entendeu que aquele espaço
era um ambiente que as pessoas buscavam também para um momento de comunhão. Não
só para treinar, mas para estar com outras pessoas que compartilham valores”,
explica.
Apesar do direcionamento cristão, a academia é aberta a todos os públicos, e a
vestimenta dos alunos não é regulada por critérios religiosos. “A gente não
interfere na vestimenta. Existe uma norma como em toda academia, como homens
não treinarem sem camisa, mas não fazemos acepção de pessoas”, garante Walessa.
O ambiente acolhe alunos de diferentes religiões, inclusive católicos e
espíritas. “Nosso maior público hoje é de católicos. Eles dizem que se sentem
melhor lá por causa das músicas”, relata.
Símbolos da fé também compõem o espaço da academia. Na entrada, há versículos
estampados nas paredes, lançando a palavra de forma sutil e respeitosa. Para
Walessa, o crescimento desse tipo de espaço mostra que há uma demanda reprimida
por locais que respeitem e valorizem os princípios cristãos. “Muitas pessoas
não vão à academia porque acham que não é um ambiente adequado para elas.
Quando entendem que podem treinar num lugar que respeita a fé delas, se sentem
mais motivadas. A gente torce para que mais academias possam abrir dentro desse
conceito. Não se trata de dinheiro, nem de vaidade, se trata de missão”,
avalia.
Para o Pastor Lucas, a escolha das músicas em espaços vivenciados pelas
evangélicas pode, de fato, ser um fator importante e decisivo. Segundo ele, a
maioria dos cristãos evita músicas seculares que contrariem valores bíblicos.
Esse comportamento molda até a escolha dos ambientes. “Se eu for para um
ambiente onde tiver algum tipo de música que afeta a minha fé ou que vai
incentivar algum tipo de comportamento que fere os princípios bíblicos, eu não
vou me sentir bem”, considera.
Fabiano Carrilho, 43, profissional de educação física da academia liderada por
Walessa, relata que todas as pequenas atitudes, incluindo a música, são o que
chama a atenção da população. “O pessoal sempre tem muita curiosidade para
saber como é que é e pergunta ‘só pode vir se for crente, se for evangélico’?
Não, é para todo mundo, é aberto”, afirma. Um dos destaques da programação é a
aula “Fit Crente”, realizada às terças-feiras, que mistura ritmos animados com
louvores.
“Hoje a gente tem uma boa população do Brasil que confessa essa fé. Com certeza
isso é um ponto em que o comércio, que o mercado vai olhar e certamente vai
tentar pegar uma parte dessa população para o seu trabalho, seu capital, seu
movimento. Respeitando todos os pontos para quem vai oferecer o serviço ou o
produto e para aquele que vai consumir, é tomar o cuidado com os exageros, né,
para se misturar as coisas. Eu acho que é muito saudável, que vale a pena se
investir nisso”, explica o Pastor Lucas Hellen.
Ainda segundo os dados do Censo Demográfico de 2022, elaborado pelo IBGE, os
católicos representavam 83,58% da população potiguar em 2000. Esse percentual
caiu para 75,96% em 2010 e atingiu 67,01% em 2022. Entre os municípios, Ipueira
lidera com 90,27% de católicos, enquanto Baía Formosa tem o maior percentual de
evangélicos, com 34,28%. A população sem religião já representa 7,4% no estado,
considerando pessoas com 10 anos ou mais.
Tribuna do Norte

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